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Richard Branson


Ele é ousado, atrevido e boa-pinta. Carismático, provocativo e determinado. Corajoso, exibido e impulsivo. Não sendo de nenhuma família nobre, seu sucesso na estrada da vida lhe valeu o título de Sir. Ungido pela Rainha Elizabeth II, hoje é Sir Richard Branson, fundador do Virgin Group e da Virgin Atlantic Airways. Pelo menos no marketing, Branson tem sangue azul, sim senhor: ele é o Rei do Marketing. Ele pode ser Virgin, mas não é bobo.

Você leitor do jetsite já se acostumou com matérias exclusivas, que não encontra nem na internet e nem em revistas impressas sobre aviação. Esta é mais uma delas. Um texto que vai explorar o lado humano de Branson, de sua carreira estrondosamente bem-sucedida. De seus lances mais ousados. E até de um encontro casual que tive com ele, sem querer. Com vocês, Sir Richard Charles Nicholas Branson.

Rei das vendas

"Você nunca vai ser nada na vida" disparou um furioso Edward Branson para seu filho mais velho, nascido em 18 de julho de 1950. Pesava sobre os ombros de Edward, um respeitado advogado vindo de uma família tradicional, o peso de ver seu primogênito indo muito mal nos estudos e abrindo dentro de casa um comércio para venda de LPs. Sua mãe, Eve, tinha sido aeromoça nas rotas entre o Reino Unido e a América do Sul.

Estaria escondido em algum ponto obscuro e desconhecido do DNA de Branson sua paixão pelo vôo? Pelo menos não até aqueles anos loucos, os Swinging Sixties em Londres. Mas esta é uma das facetas da fascinante personalidade de Branson: apesar de ser extremamente sincero, ele sempre guarda cartas sob as mangas dos suéters de tricô, que são sua marca registrada. A paixão pela aviação talvez estivesse dormente, escondida sob o seu verdadeiro talento: vender.

Desde o início de seu comércio caseiro de discos, Branson sempre soube vender tudo o que quiz: de discos e preservativos (o que faria décadas depois) aos projetos pessoais mais tresloucados, como cruzar o Atlântico numa lancha ou dar a volta ao mundo num balão sem reabastecer, Branson sempre conseguiu vender o que queria, pelo preço que desejasse.

Um faro inato para os negócios, um jeito pessoal cativante, franco e direto e um gosto pela auto-promoção que beira o mais desvairado narcisismo são algumas de suas caraterísticas fundamentais, e pontos-chave para provar errado o vaticínio de seu rabugento pai.

A venda de discos por correspondência logo cresceu para uma sobreloja em Oxford Street. E depois, já em 1971, finalmente para uma gravadora, a Virgin Records. Assinando um contrato com Mike Oldfield, lançou o LP Tubular Bells,que vende milhões de cópias até hoje. Em 3 anos, a Virgin Records era a empresa mais quente do mercado, e Branson, com 24 anos, já era milionário. Os próximos anos foram dedicados a crescer e diversificar o portfólio de empresas, produtos e companhias adquiridas ou criadas, a maioria delas sob a imagem poderosa da marca Virgin, na cor escarlate como o sangue. De boates a jornais para adolescentes, de lojas de conveniência a empresas de táxi, o império de Branson crescia, bem como sua notoriedade.

Seu jeito, porém, permanecia o mesmo: incorrigível, costumava ligar diretamente para seus interlocutores, e só parou de fazê-lo pois não era mais atendido: as pessoas sempre achavam que se tratava de trote. Ou então, convidava os funcionários para festas a fantasia, apostando qualquer bobagem com algum deles. Quem perdesse, tinha de tirar toda a roupa. Como consequência, Branson foi visto por seus funcionários mais do que uma vez do mesmo jeito que mamãe Eve o via quando passava talquinho no seu baby.

Claro que a mística, a atração pela personna de Branson só fazia crescer na mesma proporção de seus negócios. Já casado e com filhos, Richard Branson aventurava-se agora a pilotar lanchas e balões em tentativas, várias delas bem-sucedidas, de estabelecer novos recordes mundiais. Seu carisma, fortuna e presença constante na mídia conseguiram vários amigos influentes, especialmente duas mulheres famosas na sua Grã-Bretanha. A Dama de Ferro, Margaret Thatcher, que via em Branson o arquétipo ideal de seus sonhos neoliberais. E sempre a ocupar um lugar especial em seu coração, ninguém menos que Sua Alteza Real, a Princesa de Gales, ou Lady Di para os íntimos.

Surge a Virgin Atlantic Airways

Randolph Fields era um adviogado britânico criado nos Estados Unidos. Três anos mais moço que Branson, Fields em 1982, com 29 anos de idade, aproximou-se de executivos da recém-finada Laker Airways, a empresa que inaugurou as tarifas low-cost em viagens transatlânticas. Fields tinha um plano para um empresa que poderia suceder a própria Laker, e com o dom da oratória típica dos advogados, convenceu dois dos mais importantes executivos da Laker: David Tait e Roy Gardner. Até o nome estava escolhido: British Atlantic Airways.

Depois de extensas negociações com as autoridades inglesas, finalmente Fields conseguiu direitos para operar um única rota: Gatwick-Newark. Faltava o mais importante: capital. E Fields foi levar a idéia a Branson, que recebia diariamente dezenas de propostas de negócios. Mas Branson parou um instante e ouviu o que Fields tinha a dizer, pelo telefone. Era o dia 13 de fevereiro de 1984.

Dois dias depois, Branson comprou a idéia de Fields, mas com várias condições: a primeira, mudar o nome para Virgin Atlantic Airways. Branson e Fields teriam cada um 45% das ações e os 10% restantes ficariam com os funcionários. Em 29 de fevereiro de 1984, a Virgin Atlantic Airways foi anunciada ao público. As reações, dentro e fora do grupo, entre funcionários da própria Virgin e de empresas aéreas concorrentes, oscilou da mais pura incredulidade ao mais frontal despeito.

"O que esse barbicha entende do negócio de aviação? Estará morto em semanas" eram um dos típicos (e mais bondosos) comentários que se ouviam naqueles dias. Branson pensava e agia diferente. Em 22 de junho, um velho 747-200 comprado de segunda mão da Aerolineas Argentinas, decolava lotado de convidados, voando de Gatwick para Newark. Embora o serviço naquele dia não fosse convencional, (foram consumidas em 8 horas de vôo 132 garrafas de champagne) o DNA da empresa já estava lá. E nos dias seguintes, os vários jornalistas convidados no vôo resumiam em manchetes o sentimento que talvez melhor defina a empresa que Branson começava a criar:Flying is Fun, voar pode ser divertido.

A Virgin Atlantic decolou e não olhou mais para trás. Seu produto, sua imagem de empresa atrevida e inovadora, reflexo de Richard Branson, vinham para ficar. Em semanas, os vôos partiam lotados. Os comentários eram os melhores possíveis. E o governo de Margaret Thatcher, empurrado por "recomendações" de Lady Di, finalmente encontrava nas asas da Virgin uma competidora séria para a quase monopolística British Airways.

De repente, voar ganhava adjetivos inéditos no setor, tais como "sexy", "divertido", "surpreendente", e, principalmente, "moderno". Num país conservador como a Grã-Bretanha, isso poderia ser ainda mais difícil, mas Branson soube como ninguém usar seu charme pessoal para conquistar clientes, sobretudo mais jovens. Músicos, artistas, publicitários, jornalistas e micro-empresários começaram a experimentar os serviços da Virgin Atlantic. E retornar. A companhia conseguiu fidelizar nada menos que 99% dos passageiros na sua Upper Class (Executiva) e 92% na Classe Econômica, um recorde até hoje. De repente, voar Virgin era uma forma de expressão, um grito de rebeldia contra o establishment.

Quem não gostou nadinha foi a British Airways, que sob as ordens diretas de seu Chairman, Lord King of Wartnaby, ordenou o início de uma guerra de bastidores contra a Virgin. Usando métodos desonestos e até mesmo sórdidos, a poderosa Golias tentou destruir o atrevido David louro e barbudinho. Branson descobriu os esquemas e os trouxe a público. Acuada, a British Airways foi processada e vencida nos tribunais ingleses, tendo de pagar milhões de libras de indenização à Virgin Atlantic. Branson, exultante, mandou dividir igualmente a todos os funcionários a indenização. Os funcionários da Virgin receberam em seus contracheques mais de 600 libras esterlinas cada um, identificadas em seus holerites como sendo o "BA Bônus".

Branson não parava. O "aerococcus", o bug da aviação o pegou pra valer. Tanto é assim que resolveu vender as jóias da coroa, a própria gravadora Virgin Records, para a sua concorrente Thorn EMI por US$ 1 bilhão. Reaplicou parte do dinheiro na empresa aérea, modernizando sua frota e ampliando as rotas servidas.

Asas ao Rei

Neste ponto, a Virgin Atlantic já podia dizer que, embora não fosse uma das maiores, era sem dúvida a mais inovadora empresa aérea do mundo. A receita é do próprio Branson: criar um produto que satisfizesse a ele próprio, e não apenas uma companhia interessada em voar as aeronaves mais modernas (um erro de 99% das companhias aéreas) ou simplesmente, ganhar o máximo de dinheiro possível.

Assim o produto da companhia tornou-se tão diferenciado como seu fundador. Em que outra empresa você tem Range Rovers que levam e trazem passageiros da Upper Class (sua classe executiva) ao aeroporto? Ou salas de embarque com sauna, lareira, mesas de sinuca e pinball e até mesmo uma biblioteca fartíssima, com milhares de livros de diferentes tópicos? Um selo afixado às capas diz: "Quando terminar a leitura, por favor, envie este livro de volta que pagaremos pelos custos postais."

Dentro dos aviões, bares, lojas, manicures e massagistas (menos nos vôos para o Japão, onde os passageiros, depois de alguns saquês a mais, andaram confundindo as coisas). E é claro que Branson, como dono de uma gravadora, fez do entretenimento de bordo da Virgin o melhor e mais variado do mundo.

Logo, sua forta crescia. Seus 747 e A340 ligavam Londres à vários destinos importantes do mundo, como New York, Los Angeles, Tokyo, Hong Kong, Johannesburg, New Delhi, Miami.

E quando a empresa parecia estar chegando a um estágio financeiro de estrangulamento, por ter contraído pesadas dívidas, Branson sacou o ás da manga: numa jogada de mestre, vendeu 49% das ações para a Singapore Airlines, a melhor empresa aérea do mundo.

Essa união só reforça a minha tese, que insisto em repetir:companhias aéreas florescem ou morrem dependendo da qualidade de seu marketing. Branson é um guru, o Rei do Marketing e de vendas.

O sucesso de sua empresa confirma outra máxima do marketing: que a função de qualquer empresa é criar produtos e serviços que atendam desejos e necessidades do consumidor. Pode parecer óbvio, mas a esmagadora maioria das companhias aéreas apresentam produtos enlatados, padronizados, simplesmente repetitivos, ruins. E então, óbvio, encontram dificuldade em vendê-los.

Branson, desde os tempos que vendia discos, sempre seguiu o caminho lógico: vamos ver o que o público quer e vamos então entregar para eles. Bons resultados serão consequência. Assim, Branson redefiniu não apenas os paradigmas da indústria do transporte aéreo, mas das relações entre patrões e empregados, entre os que detêm o poder econômico e político e os que usufruem de seus produtos e serviços. Branson é um exemplo de empreendedor que pensa adiante de seu tempo.

Embora seu pai tenha afirmado que ele não iria longe, sua mãe Eve Branson sempe o criou para ser Primeiro Ministro da Grã-Bretanha, segundo ela própria afirma. Embora ela não tenha conseguido, chegou bem perto. O charme e carisma de seu filho abriram as mais exclusivas portas, permitindo-lhe galgar todos os escalões da sociedade britânica, onde mobilidade social é quase um milagre. E assim, o jovem barbicha selou sua chegada "lá" quando do recebimento de seu primeiro A340-300. Com seu charme, convenceu a Princesa de Gales, Lady Di, a batizar o Airbus de "Lady In Red", numa homenagem à quem seria um dia a futura rainha de todos os bretões.

O Rei e eu

Em meio à Princesas, Lordes e ao Rei do Marketing, este perfeito plebeu que vos escreve teve a sorte de conhecer Sir Richard pessoalmente.

Foi em 1997: estava na sala de espera de um pequeno aeroporto no Caribe quando vi Branson e família desembarcarem na minha frente, recém chegados de Necker Island, sua ilha particular. Eu, que estava naquele momento esperando um vôo e lendo sua biografia Virgin King, (que recomendo) não resisti e fui puxar conversa. Mostrei-lhe o livro, puxei papo, falamos sobre aviação. No final, pedi seu autógrafo e ele, meio constrangido, me deu. Tietagem explícita.

O livro e o que ele ensina estão guardados na minha cabeceira da cama. Pensando bem, o livro deveria estar é nas cabeceiras das pistas de toda empresa aérea que queira voar alto, como alto voou o garoto barbudinho que conquistou o mundo. Ave, Rei Virgin. Os que vão voar te saúdam!

Gianfranco Beting

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