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Star Alliance: a estrela mais brilhante
A Star Alliance é hoje a força maior no cenário da
aviação global. Fundada em 1995, hoje em dia a cada 8
segundos decola ou pousa um dos 2.300 jatos das 14
empresas associadas, transportando 317 milhões de
passageiros ao ano. Sua formação, seu impacto na aviação
mundial e seus concorrentes são analisadas agora pelo
jetsite.
Nasce uma estrela
Com a desregulamentação do mercado aéreo norte-americano
em 1978, foi liberada a criação de rotas, freqüências e
equipamentos para quaisquer empresas aéreas, existentes
ou mesmo novas. As grandes companhias viram-se numa
encruzilhada: as oportunidades estavam lá, mas também as
grandes ameaças, na forma de novas companhias pequenas
que surgiam com tarifas mais baratas. Era preciso
maximizar recursos para enfrentar este novo cenário
competititivo.
A Delta Air Lines de Atlanta, Geórgia, percebeu que isso
poderia ser feito, desde que obrigando os passageiros a
passarem pela sua sede e trocando de aviões,
prosseguirem ao destino final. Embora sendo
inconveniente, era a única maneira de criar maior
quantidade de oferta com os recursos disponíveis. Nascia
o sistema de "Hub-and-Spoke", que, em última análise, é
o que torna possível uma aliança.
Mesmo antes disso, ao redor do mundo, grupos de
companhias aéreas formaram-se na esperança de reduzir
alguns custos ou então, de criar escala para poder
operar ou até mesmo, competir. O mais famoso e antigo é
a SAS, Scandinavian Airline System, empresa formada pela
operação conjunta das companhias aéreas da Suécia,
Dinamarca e Noruega. Ou a Air Afrique, formada pelos
governos de 11 nações africanas. Outro exemplo é o
consórcio de manutenção KSSU (KLM + SAS + Swissair + UTA)
criado para racionalizar os custos de introdução e
operação de aeronaves DC-10. Outro acordo famoso na área
de manutenção foi o Atlas,criado para racionalizar
estoques de peças e mão-de-obra entre suas
participantes, a Alitalia, Air France, Ibéria, Lufthansa
e Swissair.
Talvez tão importante quanto o sistema de Hub-and-Spoke
tenha sido o surgimento de um novo ambiente mundial, de
caráter liberalizante: as rotas e freqüências
internacionais sempre foram negociadas em acordos
bilaterais firmados entre governos, e não entre suas
companhias aéreas. Assim, não basta uma determinada
empresa querer voar para outro país. É preciso que os
governos de ambos concordem, o que normalmente acaba
ocorrendo através de reciprocidade.
Essa Ordem Mundial da aviação comercial começou a cair
em 1992, quando os governos dos Estados Unidos e da
Holanda assinaram o pacto que desregulamentava e
liberalizava os vôos entre os dois países, no que acabou
sendo conhecido por acordo de "Open Skies". Mais do que
isso, concedeu imunidade à KLM e Northwest para que
operassem conjuntamente, podendo até definir preços,
tarifas, horários e várias outras decisões comerciais e
operacionais. Os céus estavam finalmente abertos.
Em outubro de 1992, a Air Canada e a United Airlines
assinaram um pacto de cooperação. Em setembro de 1993
foi a vez da Varig e da Lufthansa assinarem um acordo
mais amplo, com o início de vôos em code-share. Um mês
depois, a empresa alemã assinou com a United um acordo
tão profundo, que precisou ser analisado e aprovado pelo
Department of Transportation (DoT) norte-americano. Mas
estas duas queriam mais. E começaram a se reunir com
outras parceiras comerciais e/ou estratégicas. Uma rede
de informações e acordos começou a ser formada entre
estas empresas e mais a SAS e a Thai, todas elas
objetivando uma idéia ainda mais ambiciosa: formar uma
aliança de alcance verdadeiramente global.
Mas foi somente em maio de 1996 que finalmente foi
recebido o certificado de imunidade anti-truste expedido
pelo DOT para a operação conjunta da Lufthansa com a
United. Em novembro, foi a vez da United, Lufthansa e
SAS receberem semelhante luz verde num acordo
tri-lateral.
Com todo este respaldo, er hora de . No dia 14 de maio
de 1997, a Air Canada, Lufthansa, SAS, Thai Airways e
United Airlines lançaram oficialmente a primeira e até
hoje mais poderosa aliança, a Star Alliance. O anuncio
foi feito em grande estilo, convocando a imprensa
especializada do mundo todo para um grande evento em
Frankfurt, cidade escolhida como sede: jatos das cinco
integrantes foram colocados no pátio do aeroporto de
Frankfurt, dispostos na fmesma formação da logomarca
criada para representar a aliança (cinco triângulos),
que juntos formam uma estrela.
A aliança logo cresceu: em outubro de 1997 a Varig foi
aceita como sexta empresa neste seleto grupo, seguida
pela Ansett Australia e Air New Zealand em março de 1999
e pela All Nippon em outubro de 1999. Em março de 2000
foi a vez do Austrian Airlines Group (Austrian, Lauda
Air, Tyrolean) tornar-se o décimo membro, seguido um mês
depois pela Singapore Airlines, o que quase provoca a
saída da Thai Airways, enciumada... Antes mesmo do ano
acabar, em julho entraram também a British Midland e a
Mexicana.
Nada mais seria como antes
O recado estava dado. Ainda em 1997, a Comunidade
Européia e os Estados Unidos assinaram um tratado de
Opens Skies, a ser ratificado por cada país europeu
integrante. Era uma tendência irreversível, até porque,
já naquele ano, nada menos que 196 empresas aéreas
estavam envolvidas em acordos de marketing e/ou
operacionais de algum tipo, formando um número superior
a 500 acordos entre sí.
O mundo da aviação começava a mudar. Na forma de uma
estrela, surgia uma real ameaça para os competidores
diretos das empresas da Star. A competição sentiu o
baque, logo percebendo a importância e as oportunidades
que nasciam ali para os membros da Star e os perigos que
esta aliança representava aos seus próprios negócios.
Reagiram rápido: British Airways, Canadian, American
Airlines, Qantas e Cathay Pacific formaram a segunda
grande aliança da aviação, batizada de Oneworld,
anunciada oficialmente em 22 de setembro de 1998. Hoje,
a Oneworld afirma ser a "mais internacional das
alianças" servindo 135 territórios e países- 11 a mais
que a Star.
Uma nova ordem desenhava-se: agora era saber "quem
estava dentro e quem estava fora". Logo ficou claro para
as empresas excluídas destes grupos que elas deveriam
fazer alguma coisa. Ficar parado não era mais uma opção,
a não ser talvez, para algumas empresas gigantes como a
JAL e a Air France. Que mesmo assim trataram de estudar
suas opções.
Enquanto isto, as duas pioneiras em acordos, a holandesa
KLM e norte-americana Northwest, que assistiam a tudo
isto de camarote, resolveram reagir. Começaram a
arregimentar suas próprias parceiras, logo atraindo a
Alitalia e a Continental Airlines, numa aliança que
acabou sendo conhecida extra-oficialmente como Wings.
Na Europa, outro grande grupo formou-se, capitaneado
pela Swissair e conhecido como Qualiflyer Group. Nada
menos que 11 empresas, quase todas com participação
acionária da Swissair, formavam este bloco. Eram elas a
Sabena, Air Europe, Air Littoral, AOM, Austrian,
Crossair, Lauda Air, TAP Air Portugal, Turkish e
Tyrolean.
As outras duas alianças não paravam de crescer: a
Oneworld recebeu a Iberia, Lan Chile, Aer Lingus e
Finnair, mas assistiu ao desaparecimento da Canadian,
engolida por sua competidora e sócia-fundadora da Star,
a Air Canada. A Star também, e até hoje: em maio de 2002
anunciou a entrada de mais três companhias: Asiana
(Coréia), Lot (Polônia) e Spanair.
Outras empresas deixadas de fora resolveram agir e
fundaram a quarta maior aliança, a Skyteam: Delta Air
Lines, Aeroméxico, Korean Air, CSA e Air France hoje
voam juntas.
Veja na segunda parte desta matéria as vantagens que as
alianças trazem aos seus passageiros.
Vantagens e desafios
O colapso da Swissair pode ser creditado, em parte, à
desastrosa atuação da sua aliança, o que nos faz lembrar
que pertencer a uma delas não é uma panacéia
aeronáutica, mas sim uma oportunidade. Um tiro de
largada, não uma fita de chegada. É preciso recursos,
talentos humanos, sistemas de informação, controle e
distribuição pelo menos modernos e atuantes. Como numa
seleção, não basta ser escalado: é preciso jogar bem,
mostrar serviço. Seus membros acabaram, em alguns casos,
migrando para as outras alianças.
Muito bem: e qual seria o verdadeiro interesse em
participar de uma aliança, oque teria seduzido tantas
empresas aéreas a procurar um lugar nestes seletos
grupos? Jaan Albrecht, nomeado presidente da Star
Alliance, é claro ao afirmar: "não somos nem nunca
seremos uma companhia aérea. Não iremos pasteurizar
nosso produto, padronizar nossas imagens. Isso é coisa
de companhias aéreas, o que definitivamente não somos".
Então para que servem estas alianças?
Em primeiro lugar, alianças funcionam como importante
alavanca de vendas. Fazer parte de uma delas é, hoje em
dia, uma estratégia defensiva de marketing: seus
parceiros estão contratualmente compromissados em vender
assentos e serviços de sua empresa. Não só por
compromisso, mas pela lei do mínimo esforço: agentes de
reservas da Thai em Bangkok, neste momento, enxergam nas
telas de seus sistemas de reservas (e portanto podem
vender) os vôos da Varig e Rio Sul entre Navegantes e
Congonhas, por exemplo. Mas vai ser bem mais difícil
encontrar no sistema os vôos da TAM e da Gol.
Reciprocamente, se um agente de reservas da
Varig/Nordeste/Rio-Sul for perguntado por um passageiro
sobre ofertas de vôos entre Madri e Tóquio, sua resposta
será: Lufthansa até Frankfurt e de lá com a mesma
Lufthansa (ou All Nippon) até o destino final. O sistema
mostrará também o vôo sem escalas da concorrente Ibéria,
mas adivinha qual informação será passada ao passageiro?
Mas não é só: membros de uma aliança podem reduzir
custos, e melhor utilizar seus recursos, maximizando
investimentos. Assim, passageiros da Lufthansa voando
entre Frankfurt-Guarulhos-Manaus podem utilizar o lounge
VIP da Varig nas duas cidades brasileiras. Assim, a
Lufthansa fechou seus lounges no Brasil e utiliza hoje
os da Varig. E vice-versa em Frankfurt. Em alguns
aeroportos, o número de Lounges caiu de 13 para seis. No
futuro, os membros deverão ser agrupados em terminais
dedicados, como é o caso de Miami, onde um novíssimo
terminal com 15 portões está sendo construído para uso
exclusivo dos membros da Star Alliance, ao custo de US$
100 milhões e inauguração prevista para 2005.
Outra maneira de cortar custos é incrementar os serviços
em code-share entre os membros. Depois de 11 de
setembro, esta solução foi adotada ainda mais
frequentemente entre os membros das alianças. Por
exemplo, a Austrian interrompeu os vôos entre Viena e
Chicago, mas redirecionou seus passageiros, colocando-os
em seus próprios vôos para New York e de lá, em serviços
operados pela United, com o código OS (da Austrian)
neste vôos da United. A empresa continuou servindo este
mercado sem precisar utilizar os seus A330 na rota,
conseguindo uma enorme economia de recursos.
Mas não é só: compras podem ser feitas em conjunto,
embora esta área ainda deva ser melhor explorada por
todas as alianças e seus integrantes. Por exemplo, a
compra conjunta de aeronaves ainda não foi
experimentada. Ainda.
E eu com isso?
Agora o distinto leitor deve pensar: muito bem, e nós,
reles passageiros, o que ganhamos em troca? Começamos
com uma das principais vantagens, ganhar pontos nos
programas de milhagem. Normalmente, as milhas voadas em
qualquer dos participantes de uma aliança são creditadas
no programa de escolha do passageiro, desde que seja
afiliado ao "Frequent Flyer Program" de qualquer uma das
empresas associadas. Usar as milhas ganhas não é tão
fácil assim, com regras que variam de caso a caso.
Outra grande vantagem é poder emitir um bilhete único
para quaisquer destinos servidos pela aliança,
simplificando e até mesmo barateando os custos de
emissão e passagem. E poder consultar e reservar em
segundos os destinos servidos, nos horários, freqüências
e equipamentos de escolha. Isto vai ser ainda mais
aperfeiçoado com a entrada em operação do programa
StarNet, que irá permitir total controle dos bilhetes
emitidos por qualquer membro da Star Alliance, em
qualquer cidade do mundo.
Mais importante talvez seja a própria experiência de
viagem, que pode ser dividida em cinco fases distintas:
reservas, check-in, o vôo propriamente dito,
transferência/chegada e desembarque. As alianças
trabalham no sentido de simplificar todo o processo,
usando a expressão "seamless service" que poderia ser
traduzida por "serviço sem emendas". Notemos que destas
quatro fases, as alianças tratam de integrar quatro
delas, deixando a experiência do vôo para cada uma das
companhias. Assim, pode ser chocante para um passageiro
desembarcando de um vôo da Singapore encarar a primeira
classe doméstica da United, onde o serviço normalmente
está reduzido à uma saquinho de pretzels e um eventual,
escasso sorriso de uma das comissárias... Por outro
lado, é muito bom saber que o passageiro em classe
executiva ou primeira classe poderá utilizar qualquer
uma das 513 salas vips da Star Alliance espalhadas pelo
mundo, independentemente da companhia aérea da Star em
que estiver voando.
No controle e acompanhamento de solo de passageiros, a
Star está implantando o FLIFO, sistema que informa e
monitora as empresas sobre evcentuais problemas e
dificuldades enfrentadas por passageiros no caso de vôos
cancelados e atrasados: o FLIFO automaticamente ajuda o
pessoal de aeroporto a encontrar conexões, bagagens,
vôos alternativos.
O Brasil e as alianças
Como vimos, fazer parte de uma aliança é importante, mas
não é tudo. A empresa aérea precisa estar em boa posição
antes de entrar numa aliança, e não esperar o contrário.
Assim, nós do jetsite enxergamos poucas chances para a
maioria das empresas aéreas brasileiras, com exceção da
TAM, única ao nosso ver com possibilidade de fazer parte
de uma aliança num futuro breve.
Ainda é cedo para a Gol, e as outras empresas aéreas
brasileiras não tem massa crítica - e diga-se de
passagem, nem qualidade - para fazer parte de uma
aliança. Segue portanto apenas a Varig neste contexto,
pelo menos até a TAM resolver entrar numa das alianças.
Porém, o saudoso Cmte. Rolim Amaro era contrário à esta
idéia, tendo várias vezes refutado convites. Será que
seu sucessor pensa diferente? Veremos nos próximos e
emocionantes capítulos, até porque a TAM é parceira
tanto da American Airlines (Oneworld) como da Air France
(Skyteam). Oh, dúvida cruel...
O fato é que nessa nova geopolítica das companhias
aéreas, pode-se afirmar que hoje existem duas classes de
companhias aéreas: as que fazem parte de uma aliança...e
o resto.
Gianfranco Beting