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Piloto da
Varig
Não é todo dia que se entrevista uma lenda viva. Pois
para nossa sorte, e agora dos leitores do Jetsite, fomos
recebidos pelo comandante Geraldo Knippling, em seu
apartamento em Porto Alegre. O Comandante Geraldo, como
sempre foi chamado na Varig, nos recebeu em janeiro de
2008, quando ainda trabalhava nos textos para a
publicação do livro "Varig, Eterna Pioneira" que agora
chega à sua segunda edição. Geraldo Knippling, na
verdade, é um dos mais experientes, respeitados e
influentes pilotos da história da aviação comercial, não
apenas no Brasil como no mundo. Foi piloto-chefe da
VARIG, desde 1954 até a sua aposentadoria, com 40.000
horas de voo. Poucos pilotos podem olhar para trás e
ver, em sua CIV, uma amplitude de tipos tão vasta quanto
o Junkers F.13 ou o Boeing 747. Publicou livros e hoje,
com mais de Pois este é Geraldo Werner Knippling, que
dispensa maiores introduções.
Jetsite: Destes anos todos, qual o período mais
feliz?
Bem, eu diria que foi o tempo todo. Eu acompanhei toda a
evolução da empresa. Quando pareccia que eu ia ficar
saturado por um equipamento, a Varig sempre me dava uma
nova alegria. Sempre trazia uma aeronave maior, mais
moderna. Sempre surgia algo mais moderno, maior, mais
complexo para eu aprender. Então ia fazer os cursos no
exterior. Além disso, participei diretamente da evolução
das rotas da companhia: voei para todos os destinos na
Europa, América do Norte e Japão.
Jetsite: Quem mais lhe ensinou na profissão?
Meu primeiro instrutor foi o cmte Ruhl. Comecei como
mechânico de voo no F.13, como aluno do Cmte. Ruhl e do
cmte Franz Greiss. Ele sabia tudo, naquela época,
navegação e pilotagem por observação, por pé-e-mão.
Jetsite: O senhor é uma encliclopédia do voo. Quais
tipos ficaram na sua memória?
Do F.13 ao Eletrinha, do DC-3 ao C-46, Constellation,
Caravelle, 707, DC-10 ao Boeing 747, passei por todos.
No começo, voei o F.13, depois o Dragon Rapide, depois
os Electrinhas, o C-47, um dos aviões que deram maior
impulso à Varig.
Jetsite: Um dos casos mais conhecidos de sua carreira
é o famoso pouso no mar (ditching) com o Constellation
PP-VDA. O senhor poderia falar um pouco?
Bem, este é um momento que não gosto de lembrar, mas
vamos lá. Perdemos um motor na saída de Santo Domingo,
em um voo ferry. Na nossa chegada, o avião já estava
trimotor e estávamos levando o avião, sem passageiros,
para a troca de motor na América. Durante a subida, uma
das hélices de um dos três motores restantes, disparou e
ao partir-se, danificou o motor ao lado. De quatro
motores, agora só tínhamos um em uso e assim, mesmo
vazio, o Constellation não conseguia voar. Tivemos que
amerissar. Ao chegar perto da água, vi que as condições
para pouso não eram boas, o mar estava batido. As vagas
são constantes, mas as ondas vêm ao sabor dos ventos,
variam mais. Se o vento sopra perpendicular às vagas,
não poderia pousar contra as ondas. Então resolvi pousar
a 45º. A severidade da pancada foi tremenda, arrancando
a cauda e, com isto, infelizmente matando um companheiro
nosso, que sumiu junto à esta parte do avião.
Jetsite: Mas
qual o seu tipo preferido, se é que o senhor conseguiria
escolher um?
O Caravelle foi o meu tipo preferido, o avião mais
silencioso que já senti. A sensação da transição do
L-1049 para o Caravelle foi mais impactante do que do
Caravelle para o 707. Ao voar perto de uma tempestade,
era possível ouvir o estrondo de um trovão de dentro da
cabine de comando. Em nenhum outro avião a jato vi algo
parecido. O primeiro avião com os comandos totalmente
hidráulicos. Era possível pilotá-lo com a ponta dos
dedos. O Boeing 747 foi outra maravilha, um avião
simplesmente fantástico, sob todos os aspectos.
Jetsite: Muitas memórias ao trazer para nosso País o
primeiro jato brasileiro?
Sem dúvidas. O curso na França, depois o longo traslado.
Partimos de Orly e o plano era pernoitarmos na Costa do
Marfim. Ao chegarmos lá, descobrimos que não havia
quartos disponíveis nos hotéis. Seu Berta, que é quem
liderava o grupo, decidiu: vamos já para o Brasil.
Decolamos lá pelas 18h00 em Dakar e chegamos por volta
das 19h00 em Recife. Pernoitamos e no dia seguinte
seguimos viagem. Depois, ao chegarmos ao Rio Grande do
Sul, fomos escoltados pelos jatos Gloster Meteor de
Canoas em um voo sobre Porto Alegre.
Jetsite: E o Boeing 707, não deixou saudades?
Claro que sim. Eu gostava do 707, era o melhor que havia
na época. Mas não foi meu primeiro jato, nem o maior.
Mas gostava dele, sim. Trouxe o primeiro ao Brasil, o
VJA. Nosso roteiro desde a fábrica foi Seattle, Nova
York e de lá sem escalas para Porto Alegre. Cravamos o
recorde de tempo entre NYC-POA sem escalas, voando em 9h
e uns quebrados. Ventos favoráveis, avião vazio e a
vontade de chegar.
Jetsite: Os primeiros Boeing 707 da Varig tinham
motores Rolls Royce. Muito diferentes dos Pratt &
Whitney?
Os 707 da Varig, com motores Rolls-Royce, eram mais
potentes e como isto, faziam Rio-NY sem escalas, mas bem
no limite. As decolagens eram muito críticas. As
operações eram feitas no limite de peso, na curva máxima
da performance. Os aviões lotados podiam acabar saindo
com excesso de peso. As decolagens eram críticas mesmo.
Nunca me esqueço delas (risos). Outra boa memória: Com o
707-320, fiz o primeiro voo para o Japão, em 1968, com
escalas em Los Angeles e Honolulu. Foi apenas um voo de
teste, de prova. Antes do voo inaugural, que foi
comandado pelo Carlos Homrich. Os aviões bimotores que
vieram depois, o A300 e 767, A330 e 777, me desculpe. As
estatísticas mostram que são seguros, mas para mim não
são tão confiáveis.
Jetsite: O que mais lhe marcou na Varig?
Eu diria que a Varig implementou dois padrões que a
diferenciaram: estrito cumprimento dos horários e
excelente padrão de serviço de bordo. Estas duas
características marcantes ficariam para sempre como
diferenciais da companhia. O que a Varig fazia em
relação a serviço de bordo, era difícil de ser copiado.
Era muito mais caro e a competição não tinha como
acompanhar.
Jetsite: Em sua longa carreira, o senhor viu de tudo
na Varig. Fale sobre os presidentes da companhia.
Berta era um idealista, um ditador no bom sentido. Fazia
tudo para a empresa. Mas no fim de seus anos, estava com
dificuldades em administrar a companhia. Quando Seu Erik
de Carvalho assumiu, ele conseguiu segurar. Depois de
sua súbita saída, a coisa começou a desandar. Houve
muita rivalidade entre o pessoal da administração e o
pessoal da Fundação Ruben Berta, entre os funcionários e
o pessoal do Colégio Deliberante.
Jetsite: Erik foi o último dos grandes?
Seu Erik de Carvalho era muito competetente. Berta
administrava mais humanamente. O funcionário queria
alguma coisa, ele dava. Já o Seu Erik era mais distante,
mas muito profissional. Não dava espaço, não era muito
chegado a agradar. Ele era muito restrito, muito severo
consigo e com as pessoas à sua volta.
Jetsite: O senhor foi piloto-chefe por muitos anos.
Preferia pilotar aviões ou dirigir pessoas?
Que pergunta! Claro que os aviões. O grande desafio de
um piloto chefe, é manter a disciplina operacional,
sobretudo no Brasil, onde existe muita improvisação. E
na aviação não pode haver improvisação de forma alguma.
Muitas vezes, a tentação é sair das regras, para ganhar
tempo, facilitar. Não se pode buscar atalhos. E a Varig
sempre se pautou pelo estrito cumprimento das normas.
Jetsite: Qual seria sua mensagem para próxima
geração?
A minha vida foi a Varig. Inicialmente, foi um exemplo
para todas as outras. Não houve nem haverá nada parecido
com a Varig. Seu Berta ensinou e deixou o espírito de
equipe, onde os colaboradores se ajudavam, onde
realmente se formava um time coeso.
Jetsite: Esquecemos alguma coisa?
Só tem mais uma. Agora, há essa briga toda de ANAC, eles
exigindo aumentar espaço entre poltronas, avião de
reserva. Isso é típico de gente que não entende nada de
aviação. Para aumentar o espaco, tem que aumentar o
preço das passagens. Outro absurdo: exigir avião de
reserva. Isso é um absurdo, é a falência da companhia.
Essa gente não vê isso. Fazem regras sem entender do
assunto.
Jetsite: Muito obrigado, Comandante Geraldo, para mim
foi uma honra conhecê-lo.
Ora, não tem de que. É um prazer relembrar muitas destas
coisas.