Lockheed, enchendo o céu de estrelas
Um difícil começo
Para algumas pessoas, a fascinação pelo vôo é capaz de operar milagres, como por exemplo, a de transformar bicicletas em artefatos capazes de voar. Um desses homens, ou melhor, dois deles foram os irmãos Malcolm e Allan Haines Loughead, que com seus espíritos aventureiros, resolveram criar o seu próprio avião, o Model G, isso no ano de 1912.
Tudo começou em 1912 quando Allan Loughead já piloto, foi para San Francisco trabalhar como mecânico. Allan convenceu seu irmão, que trabalhava como mecânico de automóveis (ele próprio desenvolveu um sistema hidráulico de freios), a fundar uma empresa para construir aeronaves. No mesmo ano eles montaram a Alco Hydro-Aeroplane Company em uma garagem em São Francisco. Ao mesmo tempo, continuavam trabalhando como mecânicos de automóveis para financiar a construção do Model G.
Durante o verão de 1913, o Model G fez quatro vôos mas acabou sofrendo um acidente em San Mateo. Naquela época a Califórnia era conhecida por concentrar inúmeros investidores e a indústria Alco Hydro-Aeroplane Company decidiu buscar novos sócios. Um ano após eles transferiram a empresa para Santa Barbara e com novos sócios, criaram a Loughead Aircraft Manufacturing Company.
Com a ajuda do arquiteto de nome John K. "Jack" Northrop, a Loughead construiu um hidroavião, batizado de F.1. Em seguida, uaram sua empresa para fabricar sob licença hidroaviões Curtiss HS-2L. Em 1921, a companhia passou por inúmeros problemas, dentre eles financeiros e pediu falência. Jack Northrop foi trabalhar para a Douglas.
Mas a aviação estava mesmo no sangue dos irmãos Loughead e em dezembro de 1913, juntamente com outros investidores, formam a Lockheed Aircraft Company. Porque a mudança de nome? Porque os irmãos detestavam seu próprio sobrenome, e achavam o som de Lockheed parecido o suficiente, mas muito melhor. Curioso, não?
Fred E. Keeler, empresário da construção cívil, adquiriu 51% das ações da Lockheed e passou a ser o novo presidente, tendo como vice Allan Loughead. Novamente na empresa, Jack Northrop, agora como chefe da engenharia, projetou mais um avião para a companhia, o monoplano Vega, que teve sua primeira venda para o magnata dos jornais de São Francisco, George Hearst Jr. A aeronave foi batizada como "Golden Eagle" e ganhou o prefixo NX913 mas seis semanas depois de participar de uma corrida, muito comum na época, acidentou-se.
Mas a Lockheed ficou famosa por construir a mais rápida, confortável e desejada aeronave no período de 1927 a 1934: o Lockheed 8 Sirius,um dos quais pilotdao por Charles Lindbergh, deu duas volta ao mundo em vôos de exploração e reconhecimento para a Pan American Airways, entre 1930 e 1933. O leitor mais atento deve ter notada que desde essa época a empresa batiza suas aeronaves com nomes de estrelas e corpos celestes. Outra aeronave marcante foi o Lockheed 3 "Air Express", que venceu em 1929 a National Air Race e um ano depois quebrou o recorde de velocidade já estabelecido por outro Lockheed, mas desta vez pilotado por Roscoe Turner.
Mas a Lockheed não parou por aí. Um novo avião, o Explorer, passou a ser construído para vôos de longa distância, mas apenas quatro foram construídos, mas três sofrem acidentes e o quarto passou a ser utilizado para a projeção de um novo modelo, o Orion-Explorer, no qual Wiley Post e Will Rogers morreriam no Alaska em 15 de agosto de 1935.
Neste período, foram vendidos 70 Vegas e 7 Air Express. Apenas três meses depois, com a queda da bolsa de Nova York e a Grande depressão instalada no país, inúmeras empresas decretaram falência, inclusive a Lockheed Aircraft Company, que passou a ser uma divisão da Detroit Aircraft Corporation. Paradoxalmente, a produção de suas aeronaves ia muito bem, o que possibilitou a construção de outras modelos. Falência e um novo caminho
O caminho não seria fácil para a Lockheed e, em 21 de junho de 1932, depois do pedido de falência, um grupo de investidores liderado por Robert E. Gross, um banqueiro quebrado, ofereceu U$ 40.000 pelas ações extintas da companhia.
Não tendo outra alternativa, o juiz Harry Holzer ainda ironizou a situação dizendo Eu espero que você saiba o que você esta fazendo. Gross tornou-se então presidente e tesoureiro da nova Lockheed Aircraft Corporation, enquanto Lloyd C. Stearman foi eleito presidente e gerente geral.
O futuro era incerto naquela época, mas a Lockheed decidiu apostar em novas aeronaves. Passou a produzir bimotores, sendo o primeiro deles o Model 10 Electra, seguido pelo Model 12 Electra Junior, um avião para transporte de executivos.
Em 1936, a Lockheed entregou o seu primeiro avião à US Navy e Guarda Costeira, abrindo caminho para as vendas do seu Model 14 Super Electra, que voou pela primeira vez em 24 de julho de 1937. Logo em seguida, o bimotor Model 22, ou XP-38 (X era a designação para os protótipos) foi homologado. O P-38 ficou conhecido como Lightning. Seus projetistas eram Hall Hibbard e Clarence L. "Kelly" Johnson, dois nomes que viriam a se confundir com a própria história da empresa. Johnson, ainda em 1933, percebeu problemas sérios de instabilidade e controle no Model 10. Esta contribuição e seu talento precoce logo fizeram dele o novo projetista-chefe da empresa.
Logo Kelly coordenava o desenvolvimento de um de seus projetos mais famosos: uma aeronave de longo alcance, capaz de voar sem escalas entre Nova York e Los Angeles. Em junho de 1939 a TransContinental & Western Air fez pública a necessidade de uma aeronave capaz de voar 3.500 milhas náuticas com aproximadamente 3.500 kg de carga útil. Com o apoio financeiro de Howard Hughes, nascia o Lockheed 49 Constellation.
Na Segunda Guerra Mundial, a Lockheed cresceu rapidamente. Em 31 de março de 1940, a empresa contava com um quadro funcional de 7.000 empregados e em 1941, passou a ter 16.898. No período de 1940 até 1945, a Lockheed passou a ser a quinta maior fornecedora de aviões militares, entregando nada menos que 19.077 aeronaves. A maior parte destes era composta pelos Lightnings, Hudsons e Lodestars, mas além destes a empresa construiu sob licença mais 500 B-17F e nada menos que 2.250 B-17G, incluindo os B-34/37 e PV-1/2s, que eram produzido em Burbank pela Vega Corporation (formalmente AiRover Company) que havia sido comprada em 30 de novembro de 1943.
Ascensão
Após a Segunda Guerra Mundial, a Lockheed passou a buscar novas estratégias de marketing, voltando-se mais ao mercado civil, mas não esquecendo o militar. O Constellation foi seu principal produto civil nos anos 40 e 50. Em 1955, a empresa lançou o Modelo 188 Electra, recebendo seu primeiro pedido em 8 de junho da American Airlines para 35 unidades. Logo após o pedido confirmado da American, a Eastern Airlines encomendou mais 40 aeronaves, seguido por outro pedido de 61 aviões.
O L-188 ficou pronto em dois anos e dois meses e voou oito semanas após do previsto, em 6 de dezembro de 1957. As entregas começaram em 1958, mas três acidentes seguidos com a aeronave comprometeram as vendas e fizeram com que a Lockheed fosse obrigada a promover profundas alterações no projeto das asas e fixação dos motores. Foi natural criar uma versão militar do Electra, batizada de P-3 Orion, uma aeronave de patrulha marítima de longo alcance, que obteve grande sucesso, substituindo outro best-seller da companhia, o P2V Neptune.
Os primeiros jatos puros
Trabalhando em um sistema de propulsão a jato no final da guerra, a companhia desenvolveu o seu primeiro jato, o XP-80, que logo foi incorporado na USAF, mais precisamente em junho de 1943. Em junho de 1943 a Lockheed foi autorizada formalmente a prosseguir com os trabalhos daquele que seria o seu primeiro avião a jato e o primeiro jato operacional da USAAF, o XP-80. Não se tratava de um projeto convencional e níveis bem altos de segurança e segredo se faziam necessários. Além disso, havia uma certa urgência em fazer o pássaro voar: 140 dias após o início do projeto.
Nada disso teria sido possível se a equipe liderada por Hibbard não tivesse recebido carta branca da diretoria da Lockheed. Sob o comando de Milo Burcham, o XP-80 ganhou os céus pela primeira vez. Apesar de pequenas falhas nesse primeiro vôo, o programa foi um sucesso e o avião realmente entrou em operação, já na USAF, com o nome de P-80 Shooting Star.
De qualquer maneira, o contrato para o protótipo XP-80 foi à desculpa perfeita para a criação da divisão Skunk Works, algo que Kelly Johnson vinha sugerindo desde sua entrada na Lockheed em 1934. A idéia central era a criação de uma divisão independente dentro da empresa, responsável pelo desenvolvimento e teste de aviões experimentais. Apesar disso, durante os dez anos seguintes, a divisão não existiu de facto porém apenas como um conjunto de regras e diretivas de trabalho. Estas 14 regras operacionais, definidas pelo próprio Kelly estão em vigor até hoje e a maioria delas faz questão de oficializar o manto de mistério e segredo que envolve a divisão. Uma dela diz, por exemplo, que "o acesso de pessoas externas ao projeto e pessoal envolvido deve ser reduzido ao mínimo através das medidas de segurança cabíveis."
Em janeiro de 1955, a Lockheed reabriu a sua fábrica em Marietta, na Geórgia, que foi usada para construir 394 Boeing B-47 Stratojets, os famosissimos C-130 Hercules e o JetStar. O protótipo YC-130, que logo se tornou o tão conhecido Hercules, voou pela primeira vez em 24 de agosto de 1954, enquanto que o JetStar continuou em produção até 1980. A Lockheed-Georgia Division foi reorganizada e passou a chamar Lockheed-Georgia Company. Enquanto isso, Kelly Johnson, Engenheiro Chefe em Burbank em 1952, e o seu famoso departamento "Skunk Works", voltaram suas atenções para os projetos militares. Logo eles criaram o Model 83, em novembro de 1952, criando depois o F-104 Starfighter. Em outubro de 1958, a Luftwaffe comprou 66 dessas aeronaves. Outros 915 foram encomendados, sendo 653 construídos na Europa. O F-104G equipou no total 15 forças-aéreas.
A empresa continuou produzindo novos caças para a USAF e desenvolveu outro projeto revolucionário batizado CL-400, que voaria duas vezes mais alto que seus concorrentes e utilizaria hidrogênio liquido, que acabou depois cancelado.
Nas fronteiras do espaço
Esta aeronave serviu de base para a inquieta equipe "Skunk Works" e em 1957, foi apresentado o A-12, sendo seu primeiro vôo em 24 de abril de 1962 e que foi utilizada pela CIA para espionagem e reconhecimento.Outra versão do A-12 estava sendo projetada para interceptação, e seria o YF-12A, mas nunca chegou a entrar em serviço.
Em 1963, outra aeronave, baseada no A-12, viria a ser desenvolvida e ficaria conhecida como SR-71A Blackbird. O SR-71 fez seu primeiro vôo em 22 de dezembro de 1964 e já atingiu Mach 1.5. Suas entregas começaram em janeiro de 66 e foram construídas 32 aeronaves até 1968.
A Lockheed não parava de crescer no cenário militar. Em maio de 1962, a Lockheed-Georgia recebeu em definitivo um contrato de 132 (que mais tarde passaria para 285) C-141 Starlifters. Enquanto isso, a empresa aguardava ansiosa o resultado para construir o que seria na época o maior avião do mundo, numa competição batizada de CX-HLS. Finalmente, a Casa Branca e o Pentágono concordaram em agraciar a Lockheed com um contrato para construir 115 desses gigantes, que passaram a ser conhecidos como C-5 Galaxy. Em novembro de 1969 o contrato foi mesmo assinado, mas somente 81 aeronaves seriam construídas.
Esse tempo todo não foi gasto apenas construindo aviões para a Força Aérea.O sucesso da Lockheed continuava e em 1969, a companhia venceria o programa VSX com o S-3A, ou Viking, para a US Navy. No campo comercial, a empresa flertava com a idéia de um jato capaz de enfrentar o Concorde. Outra aposta da Lockheed foi à construção do jato supersônico L-2000, que perderia mais tarde para o Boeing 2707, que por sua vez, também foi cancelado.
A difícil volta ao mercado comercial
Outra dura batalha deu-se no front contra o Douglas DC-10. Em meados da década de 60, a American anunciou que desejava compra um jato de dois motores para 200 a 300 passageiros, com capacidade de operar desde pistas curtas como a do aeroporto de La Guardia, em Nova York. A Boeing não deu muita atenção ao pedido, pois estava bastante ocupada com o desenvolvimento do jato que viria ser o Boeing 747. Para a Lockheed era a oportunidade que ela há muito ansiava: seria uma porta de entrada para voltar ao mercado de aeronaves comerciais, abandonado desde 1962 com o fracasso de vendas do Electra.
Durante a fase inicial de desenvolvimento, duas das principais interessadas mostraram forte preferência por um avião com três motores. Foi assim que o desenho final foi configurado: três motores, sendo um deles na cauda, uma solução que agradou as empresas aéreas. Faltava apenas batizar o novo projeto. Seguindo sua tradição de dar nomes de estrelas aos seus aviões, a configuração com três motores deu a idéia ao pessoal de marketing da Lockheed: nascia oficialmente o modelo L-1011 Tristar.
O princípio dos anos 70 marcou um período extremamente difícil para a companhia, que foi descoberta oferecendo subornos a políticos e altas patentes militares em troca da compra de suas aeronaves. O escândalo custos muitas cabeças e quase fechou a companhia.
Em setembro de 1977, a Lockheed Aircraft Corporation tornou-se simplesmente a Lockheed Corporation, fabricando somente quatro tipos de aeronaves: em Burbank, eram construídos os P-3 Orion e o L-1011 Tristar (que teve sua produção encerrada em agosto de 1983) enquanto que em Marietta, o C-130 Hercules e o JetStar II, que teve a primazia de ser um dos primeiros jatos executivos da história (e até hoje, o único quadrimotor!) continuavam sendo produzidos.
Em 1978, a Lockheed entregou seu 1.500º C-130 e em dezembro de 1979 o 500º P-3, encerrando com este último a sua linha de produção. Isso sem falar nos projetos secretos da Skunk Works, que continuou produzindo maravilhas secretamente, entre eles o famoso U-2 abatido em plena Guerra Fria. Por sinal, um novo contrato para o U-2 foi reaberto em 1980, de onde sairiam três novas versões de reconhecimento.
Isso sem falar nos projetos da Skunk Works, que continuou produzindo maravilhas secretamente. Incorporando a tecnologia Stealth (baixa visibilidade) um dos mais espetaculares aviões de todos os tempos foi desenhado lá: o O F-117A, que recebeu um contrato de 59 aeronaves, projetado por Ben Rich e seu time. Até novembro de 1988, 52 aeronaves foram entregues a USAF. Sua primeira aparição ao público veio em somente em 1991 na Guerra do Golfo Pérsico.
Lockheed + Martin Marietta: nasce um colosso
Em 1995, deu-se uma espetacular fusão, juntando os talentos da Martin Marietta aos da Lockheed. Mas vale contar que este grupo é na verdade a soma de nada menos de 17 companhias. Sem voltar às origens de todas, vale citar algumas das inumeráveis contribuições dessas empresas ao setor aeroespacial.
Nos anos 70, a Martin Marietta foi uma das grandes responsáveis pela construção da estação espacial Skylab. O F-16, da General Dynamics começa a ser desenvolvido, e faria parte do conglomerado de empresas que forma a Lockheed Martin. Outras incluem a IBM Federal Systems, Gould Electronics, Ford Aerospace, Goodyear Aerospace, apenas para citar mais algumas.
Em 1976, outro avanço se dá na área aeroespacial: a Martin Marietta, General Dynamics, Lockheed e Xerox Electro-Optical Systems unem esforços e aplicam seus talentos desenvolvendo sistemas para as sondas Viking 1 e Viking 2, envidas a Marte. No ano seguinte, os primeiros testes comos mísseis balísticos Lockheed Trident I são feitos, ao mesmo tempo que a Martin Marietta desenvolve os Mísseis Pershing II e os tanques de combustível externos do futuro Space Shuttle.
A Lockheed em 1988, constrói o telescópio Hubble. Outro produto famoso, a sonda Magellan produzida pela Martin Marietta e por mais uma empresa do grupo, a Loral, viaja 788 milhões de milhas antes de entrar na órbita de Vênus. Em 1990, o Lockheed SR-71 bate outro recorde, voando entre Palmdale, California e Washington, D.C. em 64 minutos e 2 segundos, mantendo uma velocidade média de 2.145 milhas por hora!
Finalmente, em 1995 ocorre a grande fusão: a Martin Marietta e a Lockheed combinam suas forças para se tornarem, juntas, uma das maiores empresas do setor aeroespacial em todo o mundo.
Quem deu ao mundo aeronaves como o Orion, Vega, P-38, Constellation, Electra, Tristar, P-80, SR-71, C-130 Hercules, C-5 Galaxy, F-16 , F-117 e agora o F-22 não precisa provar mais nada. Estas aeronaves maravilhosas são um legado vivo de toda a importância, competência e capacidade do grupo, que através de suas várias empresas, mais contribuiu para o progresso não só da aviação, como da indústria aeroespacial e da própria humanidade.
Fernando Irribarra