|
LCLF de costa
a costa
Sabe aquelas companhias aéreas que a sua mãe, seu pai e
sua vovó viajavam? Pois é, estão sendo abatidas dos céus
pelas empresas aéreas Low-Cost/Low-Fare (LCLF).
Exagero? Nem um pouco. Hoje, nos Estados Unidos, um em
cada quatro passageiros embarca numa LCLF. Vinte e cinco
por cento do mercado. O número, já respeitável, só faz
crescer, em detrimento da participação de mercado das
companhias aéreas mais tradicionais, estabelecidas - e
subitamente promovidas a ineficientes e anacrônicas por
estas jovens, atrevidas e inovadoras empresas.
Em janeiro de 2003 fiz um vôo impressionante com a
jetBlue, a mais importante e atrevida de todas as LCLF
surgidas recentemente nos Estados Unidos. Fiquei tão
impressionado que prometi a mim mesmo que iria verificar
pessoalmente o setor, voando em outras empresas aéreas e
trazendo minhas impressões para você, leitor do Jetsite.
Muito mais que amendoins
Quem pensa que empresas LCLF se limitam a aviões velhos,
apertados e servindo apenas amendoins como refeições
está uns 20 anos atrasado. As LCLF representam hoje os
ventos renovadores num segmento que deles precisa
desesperadamente. E ninguém representa melhor esta
mudança de ares que a jetBlue. Seu fundador, David
Neeleman, é um mago, um midas da aviação, que nunca
soube o que é perder dinheiro neste negócio. O segredo?
Tecnologia.
Neeleman entende mais de tecnologia de informação do que
propriamente de aviação, se é que isso soa possível. Ele
inventou o sistema de reservas pela internet, reduzindo
barbaramente os custos de distribuição da empresa. E, de
quebra, dando ao passageiro total mobilidade e até mesmo
o prazer de reservar, comprar e escolher o assento de
sua casa, escritório, hotel ou de qualquer cybercafé.
Neeleman criou esta capacidade, montou uma empresa para
explorar esta tecnologia e então a comercializou para
outras companhias aéreas, dentre elas a nossa Gol. Em
seguida, vendeu-a, lucrando centenas de milhões de
dólares, dinheiro que depois usaria para lançar a sua
jetBlue.
E como lançou: escolheu um mercado dificílimo, New York,
contradizendo os especialistas da hora ao escolher o
sub-utilizado aeroporto de JFK como base principal. "Não
vai dar certo", juravam os mais céticos. Não só deu,
como Neeleman e sua jetBlue podem vir a estar entre os
três maiores grupos na avição comercial norte-americana
antes da década acabar.
Ou seja: Neeleman está reescrevendo o livro, assim como
Herb Kelleher e sua Southwest fizeram há mais de 3
décadas. Eu diria até que Neeleman é um Kelleher hi-tech.
Não que a Southwest esteja ultrapassada. Ao contrário,
hoje ela é um gigante - e em crescimento. Sua força e
capacidade de prosperar em meio às crises, sempre
apresentando balanços no azul, é lendária. Sua cultura
de trabalho, sua ética para com funcionários e clientes
também. Por fim, régua mais importante na aviação, sua
segurança operacional é exemplar: nenhum passageiro ou
tripulante morto ou ferido com gravidade em todos estes
anos: a empresa não teve nenhum acidente fatal. E olhe
que diariamente, nada menos que 368 Boeing 737 decolam e
pousam muito mais vezes que igual número de jatos seriam
capazes de fazer nas empresas "estabelecidas". Afinal,
foi a Southwest que aperfeiçoou a arte de fazer suas
escalas durarem apenas e tão somente 20 minutos.
Fenômeno mundial - aqui também
As empresas LCLF representam o novo, o moderno, o
avançado. E o fenômeno já se espalhou por todo o mundo,
chegando até ao Brasil nas asas da Gol. E as aves que
por aqui gorjeiam o fazem exatamente como lá: os
resultados da Gol não deixam margens a dúvidas: hoje com
apenas três anos de vida, a laranjinha já tem uma fatia
de Mercado que a Transbrasil, por exemplo, levou 40 anos
para conquistar. Ou ainda: a Gol tem hoje quase 80% do
tamanho da Varig no mercado doméstico ou quase o dobro
da Vasp.
Por aqui, a Gol mudou todo o panorama: sugou o tráfego
da Transbrasil até asfixiá-la e agora faz o mesmo com a
Vasp. E atirando nestas duas, sobra chumbo para a Varig
e TAM, que perderam espaço e mercado. A Gol não dá
mostras de que sossegou: lançou no verão de 2004 os vôos
"Corujões", que voam de madrugada com tarifas que
competem com as de ônibus interestaduais.Um absoluto
sucesso. À TAM e a Varig coube, depois de esgotadas as
tentativas de barrar o início destes serviços, copiar o
modelo. Não que essa idéia seja original. A Transbrasil
inaugurou os vôos ONA (Onibus Noturno Aéreo), também
apelidados de "Corujões" nos anos 70, usando seus Boeing
727 e BAC One-Eleven.
Na Europa e na Ásia ocorre o mesmo, embora o fenômeno
LCLF apenas estaja engatinhando no oriente, uma região
em que as companhias aéreas tradicionais ainda continuam
protegidas por seus governos - em detrimento dos
contribuintes e usuários, é claro.
Experimentando e
comparando
O assinante do Jetsite terá a oportunidade de ler seis
novos Flight Reports de vôos feitos em fevereiro de 2004
em algumas das principais LCLF dos Estados Unidos. Foram
6.371 milhas voadas (incluindo a jetBlue), sendo que
agora experimentei a Spirit, Southwest, ATA, Frontier,
AirTran e finalmente a Song. Não são todas: falta ainda
voar na USA 3000, Ted by United e Allegiant. Mas um dia
eu chego lá.
De qualquer forma, vão aqui algumas impressões. O
primeiro trecho voado foi na Spirit, num MD-80 usado e
bem conservado, que me levou de La Guardia (NY) para
Detroit, um dos principais mercados da empresa. Serviço
correto em duas classes: aproveitei e comprei um
up-grade por US$ 40 e voei na Spirit Plus, que além de
mais espaço e prioridade no embarque, oferce uma
caixinha de lanches cheia de snacks -junk food total.
Chegamos e partimos no horário, tudo certinho -mas sem
brilho.
Mal fiquei em Motown. Menos de 3 horas depois decolava
rumo a Chicago Midway num 737-300 da Southwest. Tudo o
que li a respeito da empresa estava lá: tripulação
bem-humorada, assentos de couro (que você não reserva,
mas apenas escolhe ao embarcar) e eficiência operacional
absoluta: também, paguei US$ 49,10 pelo vôo, que partiu
e chegou no horário - e sem nenhum lugar disponúvel.
Dormi em Chicago e prossegui na manhã seguinte par Los
Angeles num 757 da ATA, antiga American Trans Air. Avião
novinho, bancos confortáveis, operação no horário e uma
das tripulações mais estúpidas e grosseiras que vi em
muitos anos como passageiro. Mais um milímetro de
mal-humor e sairia briga. Destrataram a todos os
passageiros igualmente: homens, mulheres, crianças,
idosos, papagaios. Comentando o ocorrido dia depois com
um fncionário da própria ATA no aeroporto de Los
Angeles, ele me confidenciou: "Deve ter sido o vôo de
Chicago, não é? Pois é isso mesmo que a gente tem ouvido
por aqui, os passageiros sempre se queixando das
tripulções nos vôos vindos de Midway.Deve ser o clima em
Chicago que deixa os tripulantes com esse mal humor!
Dias depois, embaquei num A319-100 estalando de novo da
Frontier. Empresa simpática, com os animais do "Midwest"
estampados nas caudas, o serviço amável e o jato com 25
canais de TV ao vivo deixaram excelente impressão, como
que a justificar o slogan da empresa: A whole different
animal.
Pousamos em Denver no horário e trocando de empresa,
embarquei na AirTran. Outro jato novinho, um 717-200. E
desta vez, com direito a mordomia: fui reconhecido pelo
agente no portão como autor da reportagem de Volta ao
Mundo na revista Airways. Gentilmente, me concedeu um
up-grade para a classe executiva e então prossegui até
Atlanta, sede da companhia, confortavelmente instalado
na poltrona 1A. Tirando o serviço mais atencioso e um
pouquinho a mais de espaço, deu quase na mesma voar lá
na frente. Pousamos no horário em Atlanta, de onde
embarcaria novamente no dia seguinte, pouco mais de doze
horas depois.
Chegava ao último trecho: voaria na Song, a divisão LCLF
da Delta Air Lines. A empresa justificou toda a atenção
que a mídia vem lhe dedicando: o produto é mesmo
bárbaro, moderno, com TV ao vivo e som de primeira.
Enfim, a Song aponta o caminho para onde a aviação
commercial deveria seguir. Se você quiser mesmo saber
como foi cada vôo, fique ligado: nas próximas semanas,
começaremos a publicar os relatos completos na seção
Flight Reports.
Mas a grande lição que tirei da experência é a seguinte:
cada uma das sete empresas aéreas voadas tem seus pontos
altos e baixos, suas diferenças, que começam nos seus
websites (uns mais fáceis de navegar, outros,
antiquados, nem permitem que estrangeiros como eu
comprem as passagens) e que prosseguem por toda a
experiência, até a entrega das bagagens. Mas o grande
ponto em comum é o seguinte: as empresas aéreas LCLF
estão aí para ficar. E com elas voando cada vez mais
alto, os céus nunca mais serão os mesmos.
Gianfranco Beting