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LC, LF: evoluções ou revolução

Quebrando paradigmas

Aviões são máquinas que foram criadas para transportar pessoas e mercadorias. A régua que sempre mediu os avanços da aviação foi a da velocidade: voa-se para ganhar tempo, para chegar antes. Atrás deste princípio, os fabricantes historicamente perseguiram a conquista do menor tempo de viagem. A velocidade de uma aeronave e os motores para atingí-la sempre foram as pontas de lança da indústria, deixando para um segundo plano a capacidade das aeronaves, e para um terceiro plano, o custo delas. A razão diria que sempre haveria interessados nas mais rápidas e modernas aeronaves disponíveis, independentemente de quanto elas custassem.

A entrada em operação do Boeing 707 em 1958 colocou a aviação num patamar de velocidade até hoje não quebrado, não só por razões tecnológicas, mas principalmente por questões econômico-ecológicas: à exceção do Concorde, com apenas 12 aeronaves voando, hoje voa-se a Mach 0.85/0.94, a mesma velocidade dos tempos dos pioneiros Boeings de 1958.

Esse patamar de velocidade subsônica estacionou principalmente porque as companhias aéreas em todo o mundo perceberam tardiamente que teriam de ganhar dinheiro num ambiente cada vez mais competitivo: ou aprendiam a voar com as próprias asas, ou os governos que as sustentavam e protegiam deixariam de abrigá-las sob seu manto protecionista.

Voar era para poucos

Até a Segunda Guerra, apenas a elite mundial voava. Era coisa apenas para os muito ricos, como um clube exclusivo: todo vôo era de classe única, de primeira classe. Com o surgimento de aeronaves maiores, quadrimotores metálicos e pressurizados de maior capacidade como os DC-6 e o Constellation, algumas empresas nos Estados Unidos começaram a lançar serviços de "segunda classe", os "Coach Service" ou as "Tourist Class". Mas foi mesmo com o advento do jato que finalmente os preços começaram a cair e as frotas a crescer: voar já não era apenas para os pássaros ou para os milionários. Também não era a coisa mais acessível do mundo, mas pelo menos a classe média começou a cogitar subir num avião, nem que fosse uma vez por ano. Estava instituída a diferença de classes, assim no céu como na terra.

Assim, o vetor, a régua que pautava o desenvolvimento da indústria, estacionada pouco abaixo da velocidade do som, viu-se acompanhada de outra escala que mediria o sucesso das operadoras e fabricantes: os balanços, a saúde financeira. Se não era possível voar cada vez mais rápido, então era hora de voar cada vez mais barato, para um número cada vez maior de passageiros.

Se de um lado voar já começava a ficar acessível a uma maior parcela da população, por outro lado os governos asiáticos e europeus começaram a fazer as contas e a se incomodar com os exorbitantes custos necessários para bancar suas ineficientes empresas estatais, as Flag Carriers ou Empresas de Bandeira.

Nos Estados Unidos, um mercado que é metade de toda a aviação comercial mundial, a situação era um pouco distinta: embora as empresas fossem de capital privado, usufruiam de um sistema regulamentado, cartelizado ao extremo. Toda rota, freqüência, equipamento e serviço tinha de ter a aprovação do CAB, Civil Aeronautics Board, uma espécie de Departamento de Aviação Civil deles. Na prática, havia mesmo era um oligopólio, um grupo de empresas que "competiam" de forma controlada. Se os custos subiam, as passagens acompanhavam. Simples e prático: os passageiros que fossem se queixar com o bishop.

Era essa a ordem mundial da aviação comercial: os custos faziam os preços. Neste mesmo balaio estavam todas as grandes: da Lufthansa à Varig, da Air France à JAL. Sem falar que nos vôos intercontinentais, até hoje os governos designam as companhias que irão servir os destinos internacionais sob o conceito diplomático da reciprocidade. Assim, por exemplo, o governo brasileiro tem designado para voar para o Japão a Varig, ao passo que o governo japonês designou a JAL. Ambas dividem o mercado, e informalmente, ajustam seus preços que acabam sendo na maior parte das vezes, digamos, muito parecidos. A competição se dava muito mais pela qualidade do serviço e por razões de preferência pessoal do que pelo preço.

Acabou a festa

Mas esta situação confortável começaria a ser revista. Em primeiro lugar, pela desregulamentação da aviação comercial norte-americana, deflagrada em 1978. Na Europa, sobretudo após a queda do muro de Berlim, ventos neo-liberais varreram o Velho Continente, fazendo com que muitas das tradicionais e enferrujadas empresas aéreas estatais fossem privatizadas, como a Lufthansa e British Airways. Ou pior: na falta de compradores, acabassem indo mesmo para o vinagre, levando para a cova seus exemplos de desperdício, ineficiência e indiferença com os consumidores. Foi o caso da Sabena e da Balkan, apenas para citar duas.

Junto com empresas livres para competir, esta New-Orderaeronáutica abria oportunidades para o surgimento de novas caras na indústria. Como o fenômeno começou primeiro nos USA, foi por lá, em princípios dos anos 80, que surgiram revoadas de novas operadoras, chamadas coletivamente de start-ups, nome genérico dado às companhias surgidas do zero.

Como moscas, nasciam, cresciam e morriam por todos os lados. Talvez o nome mais adequado para elas fosse mesmo Start-Downs: elas acabavam, em sua grande maioria, abatidas por diversos fatores, que iam desde a competição irracional, dumping das grandes companhias já estabelecidas, falta de fundos, acidentes, fusões... Raras foram as que surgiram neste período e sobreviveram. Mais raras ainda são as que realmente prosperaram. Chegou a vez de conhecer a grande exceção.

Southwest, a Mãe de Todas As Low-Costs

Em junho de 1971, surgiu uma companhia intra-estadual no Texas, operando com dois Boeings 737-200. Pintados numa inconfundível cor ocre, os jatos traziam o nome de Southwest Airlines, operando apenas entre as cidades de Houston, Dallas e San Antonio. O começo não foi fácil: ainda em 1977 a frota era de apenas 6 jatos. Mas no DNA da companhia já se encontrava o gênio por detrás da filosofia única da empresa. Um advogado, de nome Herbert Kelleher, fora contratado pelo primeiro presidente da companhia, Lamar Muse, para defender nas cortes a abertura da Southwest: a existência da empresa era combatida nos tribunais pela American Airlines. O trabalho do advogado foi tão bom que Muse convidou Herb, como prefer ser chamado, para ficar.

A dupla se mostrou infernal, e começou a desenhar um plano irresistível: competir contra automóveis e não contra as outras empresas aéreas. Fazendo contas, eles chegaram à conclusão que voar não precisaria custar uma fortuna: dava para pagar todas as contas, os acionistas, empregados e ainda encontrar um dinheirinho no caixa, cobrando US$ 69,00 por trecho, desde que os vôos saíssem lotados, e que todos na empresa entendessem um princípio básico: simplifique! Keep It Simple! No non-sense!

Não que, no dia em que se encontraram numa churrascaria e deram origem à idéia de começar a empresa, eles tivessem de cara chegado ao modelo vencedor: Ei, Lamar, que tal abrirmos uma empresa aérea low-cost/low-fare?Longe disso: o que eles planejavam era abrir uma empresa de transporte aéreo. Para levar pessoas e mercadorias de A até B da maneira mais acessível, rápida e eficiente que conseguissem.

Nos anos seguintes, mesmo sem saber (até porquê não era do ramo) Herb foi quebrando, um a um, todos os paradigmas da indústria. Como ele não sabia o que era "proibido" ou "impossível", ia lá e com seu faro inato para negócios, ia fazendo. Histriônico, carismático e grande gozador, Herb certa vez disse: não se voa para comer lagosta. Voa-se para ir de A até B. Este negócio não precisa ser "chic." Precisa é ser engraçado para se trabalhar, para se conviver, para se voar. O clima tem que ser bom para o funcionário e para o passageiro. Abaixo a Gravata!

E desde esse dia, a Southwest não parou de crescer e de lucrar. Já são 33 anos de vida, a esmagadora parte deles voando com os balanços no azul. Cobrando US$ 69,00? Como é possível? perguntavam-se atônitos e verdes de inveja os executivos da empresas concorrentes, que mesmo cobrando US$ 400,00 pelos mesmos trechos onde competiam com a Southwest, perdiam dinheiro.

O próprio Herb não escondia o fórmula. Só que ninguém consegue reproduzir o sucesso da WN (o código IATA da Southwest) com êxito. E não adianta copiar apenas partes do esquema, como muitos tentaram: a história mostrou o que Herb já sabia: que não iria funcionar.

 

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