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Fernando Pinto

O Jetsite entrevistou por telefone Fernando Abs da Cruz Souza Pinto, CEO da TAP Air Portugal. Ele nasceu praticamente dentro da Varig, pois é filho do lendário comandante Lili Lucas Souza Pinto. Seu pai trabalhou pela Pioneira por exatos 49 anos, voando do Junkers F-13 ao Boeing 747. Um executivo brilhante, Pinto poderia ter sido o homem a salvar a Varig. Justamente quando o trabalho que empreendeu começava a dar frutos, teve sua trajetória interrompida pela ingerência da Fundação Ruben Berta. Esta passagem e muitas outras mais você acompanha agora no Jetsite / G. Beting

Jetsite: É para mim uma honra estrevistá-lo, mesmo com um oceano a nos separar.

Fernando Pinto: Parabéns pela iniciativa. Você está fazendo um livro importante com a história da Varig. Eu acompanho as tuas reportagens na Flap. Parabéns a você e parabéns ao Spagat. Preciso agradecer a vocês pelo excelente trabalho que fazem na Flap.

Jetsite: Você nasceu em 1949 em Porto Alegre, RS. Qual é sua primeira memória de aviação?

Fernando Pinto: Meu primeiro contato com aviação foi aos dez anos, quando ainda vivia na capital gaúcha. Um dia fui buscar meu pai no aeroporto de São João, onde ele voava de planador por esporte. Naquele aeroporto, na área da Varig, havia um espaço reservado para aeromodelos, uma pista de vôo circular. Foi amor à primeira vista. Cheguei em casa e e já tentei reproduzir aqueles aviões de balsa que havia acabado de ver. Meu pai depois me trouxe um kit e não parei mais. Até hoje, se tenho um tempinho livre, me dedico a construir aeromodelos.

Jetsite: Aviação continua a ser um hobby?

Fernando Pinto: Quase todo fim de semana vôo ou num TB-10 da Socata ou num Cessna 172. Continuo com os aeromodelos, quando tenho tempo. Meu irmão Geraldo, foi meu instrutor de planador lá em Osório (RS). Depois, tive o prazer de, muitos anos mais tarde, checar meu pai em um planador. E fiquei impressionadíssimo em ver como ele voava bem. E olha que ele era à época piloto de DC-10 na Varig. Voávamos o Neivão e o Blanik L-13. Agora vôo o Grob e Schleiser ASK-21. As vezes, saio de casa aqui em Sintra e quando olho para cima e vejo os planadores, acima da minha cabeça não resisto. Mudo de planos e corro para a Base Aérea de Sintra, que é de onde faço meus vôos!

Jetsite: Larga o que está fazendo e voa pra lá?

Fernando Pinto: Fiz isso este fim de semana e ainda consegui fazer um vôozinho.

Jetsite: E sua formação acadêmica?

Fernando Pinto: Incentivado por meu pai, segui o curso de Técnica de Máquinas e Motores na Escola Técnica Federal do Rio de Janeiro e, posteriormente, me formei em Engenharia Mecânica pela Federal do Rio Grande do Sul. Entrei para a Varig como estagiário em 1973, na divisão de rodas e freios na manutenção. Depois fui para a parte de motores. Desenvolvi a criação como coordenador do banco de provas de motores. Depois passei para as oficinais do Rio de Janeiro, como chefe da Divisão de Motores. A seguir, fui indicado como engenheiro residente na Airbus Industrie, em Toulouse. Lá, era o responsável da Varig pelo acompanhamento da fabricação dos A300 que a companhia havia encomendado e receberia entre 1980 e 1981. Foi uma experiência maravilhosa.

Jetsite: Fale sobre sua passagem pela Rio-Sul.

Fernando Pinto: Em 1988 fui indicado para ssumir como Director Técnico da Rio-Sul. Em relação à Varig, era uma empresa menor, mais ágil, onde pude colocar em prática muitos dos conceitos que havia aprendido. À época, a frota da Rio-Sul começava a se modernizer, com a chegada dos três primeiros EMB-120 Brasília. Estes foram trazidos com ajuda da Varig, que deu seu aval junto ao BNDES para permitir o negócio. Mais tarde, em 1992, fui indicado para ser Diretor-Presidente da Rio Sul, onde permaneci até 1996. Nesse período, empreendemos uma mudança total na empresa, que passou por um profundo processo de modernização. Ao cabo desse período, ela apresentava um crescimento de cerca de 300%. Aumentamos a frota de Brasília. Depois vendemos os F-27 e EMB-110. Padronizamos a frota em torno dos EMB-120, Fokker 50 e mais tarde, os três primeiros Boeing 737-500, o que foi uma verdadeira revolução na companhia.

Jetsite: Mudou muita coisa?

Essa foi uma enorme mudança, a partir de 1992. Aprendi muito lá com o então presidente, Humberto Costa. Figura muito importante, extremamente interessante, um líder muito forte, arraigado com aqueles valores do passado. Então, após sucedê-lo, iniciamos a renovação da frota e a empresa deu um grande salto. A companhia já vinha ganhando dinheiro com o Brasília. Com a frota ampliada e modernizada, a Rio-Sul passou a ganhar muito dinheiro. Teve anos em que o lucro foi de 20% sobre o faturamento. Entramos num mercado muito bom, operando com os 737-500 nos aeroportos centrais.

Jetsite: Nas ligações dos VDC?

Fernando Pinto: Inicialmente, fomos do sul ao nordeste, de Caxias do Sul à Recife, com escalas. A coisa se desenvolveu ao criarmos um hub em Congonhas. Passamos a ganhar muito dinheiro e tínhamos um produto excelente. Alto nível de conforto, (111 assentos) um serviço de primeirissíma. Uma empresa enxuta: sem dívidas, elas só apresentava à Varig bons resultados.

Jetsite: Foram essas as circunstâncias que o levaram à presidência da Varig?

Fernando Pinto: Sem dúvida. O conjunto das obras.

Jetsite: De quem partiu o convite?

Fernando Pinto: O convite partriu do Walterson Caravajal, bem como o enegnheiro Araújo. Os dois me convidaram, emprestando total apoio.

Jetsite: O convite o pegou de surpresa?

Fernando Pinto: Olha, quando estava na Rio-Sul, estava apenas preocupado em fazer meu trabalho. Quando fui escolhido como Diretor Técnico da Rio-Sul, não tinha nenhuma expectativa em assumir o cargo máximo. A mesma coisa ocorreu quando fui chamado para presidí-la. Ao ser chamado para a Varig, não foi diferente. Fui surpreendido. Estava tão bem na Rio-Sul que nem pensava na Varig. Aceitei, claro, pelo desafio que representava.

Jetsite: Qual era o estado da empresa ao assumir seu posto máximo?

Fernando Pinto: Minhas primeiras ações ao assumir o cargo foram constatar alguns números. A companhia alcançava quase 3 bilhões de dólares de faturamento. Mas tínhamos uma dívida de 2.4 bilhões, dívida de balanço. A empresa tinha uma margem EBITDA, ou seja recursos para reinvestir no negócio, de apenas 4%. Ou seja, ela não gerava recursos, não tinha condições para pensar em pagar essa dívida. Isso sem falar que as margene eram muito baixas, quando o ideal seria 15% sobre a receita. A empresa não conseguiria pagar suas dívidas, que não eram poucas.

Além disso, o produto estava muito ruim, defasado em relação à concorrência. O passageiro entrava numa aeronave da Varig e não sentia que era uma companhia à altura de suas concorrentes. Sobretudo no que diz respeito ao conforto. Ele sentia modernidade nos aviões da concorrência que não sentia a bordo de nossos aviões. Além disso, os colaboradores estavam muito, muito desmotivados. Era uma situação complicada, porque a empresa só perdia, perdia, perdia. Então nós fizemos um programa de cinco metas a ser atingido. E saímos vendendo um programa para toda a aempresa, de maneira a convencer o grupo de que a companhia era viável. Alguns pontos importantes doq ue fizemos: o primeiro, com pequenas modificações internas, conseguimos aumentar o número de assentos nas aeronaves sem diminuir, ao contrário, aumentando o conforto nas rotas internacionais e domésticas. Melhoramos o produto, intrtoduzindo o Air Show, video-players individuais, usando sempre outras empresas como benchmark. Fizemos mudanças fortes no sistema de linhas, reforçando o hub de São Paulo.

Na primeira semana fui ainda conversar com o presidente da Lufthansa para ingressar na Star Alliance. A Varig foi a primeira empresa depois das cinco fundadoras (Air Canada, Lufthansa, SAS, Thai e United) a ingressar no grupo. Mostrei nossas idéias e logo entramos para a aliança, o que trouxe outro volume adicional de assageiros para o hub de Guarulhos. Ccom melhor volume de tráfego no hub e aumento de receita, além de melhor produto, conseguimos maior média tarifária.

Jetsite: E quanto à redução de custos?

Fernando Pinto: Melhorou o yield e com o efeito do hub e da Star Alliance, melhorou sensivelmente a ocupação das aeronaves. Fizemos várias ações de redução de custos. Tinha o programa de melhoria de conforto; a mudança de imagem; e tinha um programa de desenvolvimento de RH. Nosso programa de cinco metas. E na redução de custos, tratamos de renegociar as dívidas da empresa, este um projeto mais complicado. Conseguimos, através até de ações judiciais. E ao longo do tempo, com a situação melhor, conseguimos pagar muitas dividas antigas. Mudamos a frota. Os 747, que eram belas máquinas, eram apenas indispensáveis nas rota da Alemanha, Nas outras, como Japão e alguns serviços na Europa, eles perdiam dinheiro, Substituímos todos os 747 pelos MD-11. Tivemos também muitos problemas com o pessoal. Muita gente por muito tempo sem aumentos. Mas na base do diálogo, da transparência, fomos conseguindo reverter esse quadro.

Jetsite: Com bons resultados?

Fernando Pinto: Ah, sim. Com resultados positivos. Tudo isso foi se somando. Mas foram muitas ações duras, como essa de substituir os 747 pelos MD-11. Os resultados, porém, apareceram. O endividamento de balanço caiu de 2.4 bilhões para 950 milhões de dólares. A empresa saiu de uma mrgem EBITDA de 4% e passou para perto de 18%. Números comparáveis ao de uma American Airlines, um de nossos benchmarks. Posso falar, sem erro, que entreguei a empresa assim. Não estava resolvida. Mas a relação de endividamenmto com faturamento estava bem equacionada. Tenho certeza que deixei a empresa com o grupo motiovado, com grandes chances de sobreviver. Tenho tranquilidade de consciência para afirmar isso.

Jetsite: E a nova imagem corporativa, adotata em 1996. Ela foi aceita naturalmente ou houve muita resistência?

Fernando Pinto: Houve muita resistência, sobretudo entre o pessoal mais veterano. Eles vieram me questionar se seria uma boa idéia. E eu respondia: olha, estou cuidando pessoalmente disso, pode deixar que eu vou cuidar disso com atenção. Até porque eu sou uma pessoa com alguma tradição na companhia. Então, no resultado final, a logotipia permaneceu inalterada. O que mudou foi a logomarca, que foi modernizada. Foi dado um sentido de nobreza. E a Varig competia com empresas de cores muito vibrantes. Tínhamos dque dar à Varig uma sensação de nobreza, e escolhemos o dourado, o ouro sobre o azul escuro, que é um a cor tradicional da companhia. Além disso, adicionamos o nome Brasil em letras fluídas, que remetem à leveza e alegria do Brasil. Depois, o design apresentava a barriga azul. No final, colocamos o "map line" a escala cartográfica entre o azul marinho da barriga e o branco da fuselagem. Acho que ficou muito bom, funcionou para a época e, sobretudo, mandou um recado aos colaboradores. O recado de que a empresa estava viva, pulsante, acreditando e precisando de reformas e melhorias. Pessoas antigas na empresa foram convidadas ao evento de lançamento. O avião, era o 747-300 matrícula PP-VNH. As pessoas, mesmo as mais antigas, gostaram muito do resultado.

Jetsite: Depois de dezenas de entrevistas com funcionários antigos, atuais, históricos da empresa, há praticamente uma unanimidade. Todos dizem que a Varig teve três grandes presidentes: Berta, Erik de Carvalho e você. Praticamente todos lamentam a sua saída, e concordam que a sorte da Varig teria siudo outra se você tivesse permanecido à frente da empresa. O que levou você a sair?

Fernando Pinto: Em, primeiro lugar, fico muito agradecido, honrado com essa afirmação. O Berta é hors-concours. O Erik de Carvalho trouxe uma forma de gestão muito avançada para a empresa. Ele entrou numa fase muito difícil, até porque a missão de substituir Ruben Berta não era nada fácil. Mas ele colocou uma forma própria, e extremamente profissional de gerir a empresa. Ao final, conquistou a confiança de todos. O que não foi nada fácil, porque de certa forma, ele veio de fora da empresa.

Jetsite: Quais as circunstâncias que levaram à sua saída da companhia, depois de promover um verdadeiro turn-around na empresa?

Fernando Pinto: Bem, este é um processo. A FRB sempre participou da administração das empresa do grupo, ainda que a uma certa distância. Uns anos antes de eu vir para a Varig, mudou o conceito da fundação, que passou a ser uma holding, com voz ativa de comando executivo na companhia. Quem ficou no comando da companhia foi o próprio Aguinaldo Junqueira, que conseguiu fazer um ótimo trabalho. Mas com o passar do tempo, esse estado de coisas foi sofrendo uma mutação. A FRB passou a ser um órgão politico. E com muita força. A minha leitura é que a FRB achou que era hora dela exercer maior poder de decisão sobre o futuro da empresa. Achou que era hora de trazer alguém ainda mais ligado à Fundação para presidir a Varig. Ligado à FRB eu sempre fui, sempre recebi apoio da FRB. Mas o conselho de curadores, talvez por haver discordado de algumas ações minhas, deve ter decidido que o melhor era buscar outra pessoa. Afinal, eu havia cumprido meus 4 anos conforme combinado. Quem sabe, não valeria tentar uma mudança na presidência?

Eu sabia que o Ozires seria colocado em meu lugar e se a empresa queria assim, e sendo o Ozires quem é, eu pensei: "Bem, ele tem todas as condições para fazer um bom trabalho." O problema é que ele não conseguiu ter o controle da empresa. Aí, a Varig enfrentou sucessivas crises externas e internas sem estar preparada para isso. Aí a situação ficou insustentável. Desmontaram o hub de Guarulhos, tirando muitos aviões para competir em Congonhas. Não aproveitaram todo o potencial da Star Alliance e aí a coisa foi. A coisa foi muito rápida. Uma empresa dessas acaba rápido. Perdeu o controle, ela despenca.

Jetsite: Foi um processo doloroso, não?

Fernando Pinto: O fato é que a minha saída me pegou, de certa forma, desprevenido. Eu estava ouvindo os rumores, estava começando a ficar desconfiado que "iriam sair" comigo. Então no último dia convoquei um reunião das que eu costumava fazer: em auditório, muita gente, reuni o pessoal e fui, discretamente, dando sinais de que meus dias poderiam estar chegando ao fim. Disse que aquela poderia ser a última reunião minha à frente da companhia. Eu havia sido nomeado por um conselho. Se o gestor, se esse conselho não quisesse que eu continuasse, não poderia fazer nada. Eu fui preparando o pessoal. Foi uma crise de choro. O pessoal se alinhou na saída e veio me emprestrar solidariedade, desejando que a situação fosse revertida. Infelizmente, não foi.

Jetsite: Ao sair, logo foi convidado pela TAP?

Fernando Pinto: Eu era muito amigo do Philippe Brugisser da Swissair. Ele, quando soube de minha saída, logo me telefonou e disse: `Olha, que bom que você saiu. Nós vamos comprar a TAP e precisamos de você lá para dirigí-la. O que acha?` Eu falei que teria que pensar um pouco, que nem sabia se continuaria no transporte aéreo. Eu gostei muito da aventura de me dedicar à fabricação de aeronaves (NE: Pinto montou a primeira fábrica de ultra-leves no Brasil). Bem, então refleti um pouco e fui falar com os ministros portugueses. Então decidi aceitar. Em agosto assinei o contrato e começei a trabalhar em outubro.

Jetsite: E os resultados falam por sí, não é, presidente?

Fernando Pinto: Pois é, a empresa estava mal. Naquele ano, havia perdido 120 milhões de euros, e no anterior, outros 109 milhões de euros. Daí as coisas mudaram.

Jetsite: Mudaram não. O senhor as mudou. O senhor e os executivos da Varig que foram consigo: Mór, Torres...

Fernando Pinto: Ora, se eles haviam saído, eu tinha que aproveitar... Mas a perda deles foi mais grave que minha saída.

Jetsite: Aí está proverbial modéstia dos Souza Pinto.

Fernando Pinto: Bem, minha saída deu-se em primeiro lugar, porque fui escolhido pelos donos da empresa para a gestão. Logo, também competia a eles decidir minha saída.

Jetsite: Se o senhor fosse deixar uma mensagem para as futuras gerações sobre o que foi a Varig um dia? Fernando Pinto: A Varig foi uma referência de empresa aérea para todos os brasileiros. Mas, sobretudo, foi uma referência a todos sobre o que um país, que à época nem em desenvolvimento estava, era capaz de fazer, se tivesse garra, talento e determinação.

Jetsite:Muito grato pela sua atenção, presidente.

Fernando Pinto: Obrigado a você, Gianfranco, e aos amigos do Jetsite

 

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