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David Barioni Neto
O VP Técnico da Gol, David Barioni, recebeu o jetsite em
seu escritório em São Paulo, para um animado bate-papo
sobre seu trabalho e seu maior hobby: a aviação.
Com 43 anos, acumulando as funções de executivo e
comandante, David é um verdadeiro amante da arte de
voar. Com 23 anos de carreira, teve seus primeiros
contatos com a aviação aos 16 anos, quando em uma
conversa com um amigo, acabou interessando-se pelo curso
de piloto. Daí para o Aeroclube de São Paulo e a VASP
foi uma questão de tempo. Acabou fazendo carreira na
empresa paulista, saindo de seus quadros no ano de 2000,
na posição de comandante de MD11.
Apaixonado pela também pela arte de ensinar, sempre
pronto a dividir seus conhecimentos, seja como instrutor
(como várias vezes ocupou cargos de instrução e cheque
nos equipamentos em que foi habilitado) seja dando aulas
de regulamentos e de navegação em uma escola de aviação
paulistana. Quando não está "pilotando" sua mesa na Gol,
ou no "escritório" a 35.000 pés, o 737-700, pode ser
encontrado no aeroclube de Jundiaí, onde pratica o
volovelismo.
Jetsite: Como surgiu o interesse pela aviação?
DB: Sou o primeiro piloto de minha família e em
conversa com um conhecido sobre o curso de piloto e me
interessei bastante pelo assunto, isso com 16 para 17
anos. Acabei me matriculando no ACSP aonde me formei e
acabei sendo instrutor e mais tarde fiz parte da
Diretoria.
Jetsite: O passo seguinte acabou sendo a comercial
então?
DB: Sim, em 1979 entrei na VASP, aonde passei por
toda a família 737, do -200 ao -400, Airbus A300 e MD-11.
Também fiz parte da parte administrativa, com cargos de
Chefe de Equipamento do 737, Gerente Geral de Instrução
e checador do DAC dos equipamentos em que voava.
De qualquer forma, tudo que esta relacionado com aviação
me agrada, aquelas vertentes da aviação que não fiz
ainda, não foi por falta de interesse mas de
oportunidade. Minha verdadeira busca é o conhecimento,
sempre gosto de aprender algo novo, seja na aviação ou
em geral. Pelas minhas funções administrativas, é cada
vez mais necessário possuir uma visão global da
indústria, algo nem sempre presente na maioria dos
pilotos, que acabam muitas vezes vendo apenas os
aspectos técnicos.
Jetsite: Imagino que seus passatempos também acabem
caindo na aviação?
DB: Planadores. Com certeza. Minha visão é inclusive
mais profunda que a maioria das pessoas têm em relação
ao vôo de planador. Na verdade ele te ensina a trabalhar
em equipe, pois não existe o vôo se não houver uma
equipe para empurrar, recolher, segurar a asa, etc. E
por outro lado você aprende a respeitar a natureza, o
que é maravilhoso, pois muitas vezes alguns pilotos
acreditam que são eles que impõem os limites, quando na
verdade quem impõe é a natureza. Muitas vezes há um
grande CB sobre a cabeceira e a diferença entre o piloto
que decola assim mesmo e o que espera 3 minutos é o fato
dele respeitar ou não a natureza. O planador te ensina
isso. Todo o piloto deveria começar voando em
planadores.
Jetsite: A instrução hoje em dia não é boa, é isso?
DB: O treinamento deveria sim ser reformulado, pois
a noção que ainda é passada de que o piloto deve ser
treinado para voar sozinho não é mais correta nos dias
de hoje, já que hoje em dia, capacidades gerencias são
muito mais importantes. O lado técnico continua sim
importante, porém o que faz com que uma pessoa seja ou
não contratada na atual conjuntura é sua capacidade de
ouvir, de gerenciar e de trabalhar com diversas opções,
sempre escolhendo a certa. Para isso, o planador é
fantástico porque desde moleque você aprende a comer
poeira com os outros, aturar o cara falador, o cara
chato. A vida é assim.
Jetsite: Qual o planador que você voa?
DB: Atualmente eu vôo o Pucax, embora o Aeroclube
tenha o PW-5, um planador Classe Olímpica.
Jetsite: E as empresas, como se encaixam no ciclo?
DB: As empresas têm a obrigação moral de realimentar
a aviação nos seus estágios iniciais, mantendo vivo o
interesse pela indústria nos jovens: seja com palestras,
seja com incentivos financeiros via Lei Roannet, seja
fomentando acordos operacionais com pilotos, seja
admitindo pilotos que tenham sido instrutores nesse ou
naquele Aeroclube. Tudo é na verdade um ciclo só: se não
tem aluno não tem aeroclube, se não tem aeroclube, não
tem piloto e se não tem piloto não tem empresa aérea.
Jetsite: E o mercado?
DB: Eu vejo o mercado como eu sempre vi: desde que
estou na aviação o mercado é cíclico, em todos os seus
setores, instrução, empresas aéreas, fabricantes. A
oscilação dele é diretamente proporcional ao PIB:
aumenta o PIB, a aviação cresce e vice-versa. Para cada
1% de aumento do PIB a aviação aumenta 1,8%. Tem sido
assim há 40 anos. Sempre é o momento para se entrar no
mercado, porém as pessoas têm que entender que nem todo
mundo pode querer ser piloto comercial. Devem perceber
que existem outras opções, como a agrícola, executiva,
instrução. O Brasil, apelando para a máxima manjada, é
um país continental e que não pode prescindir da
aviação, o que não pode é todo mundo ser comandante de
Boeing ou Airbus. E isso é algo que nós mesmos pilotos
temos que admitir. Aí voltamos ao estágio da instrução,
mostrando desde o início quais são as opções disponíveis
para o futuro piloto e deixando ele escolher.
Jetsite: Então não tem crise?
DB: Não tem crise não. Apesar da aviação estar numa
baixa, esse é o momento exato para entrar na indústria,
pois daqui a três ou quatro anos, já com as carteiras e
horas de vôo, o mercado estará novamente aquecido. O
errado seria começar na aviação quando ela está em alta,
porque teoricamente o aspirante passaria por uma baixa e
somente depois outra alta.
Jetsite: Foi seu caso?
DB: Sim, nós demos muita sorte, pois entramos numa
baixa, empresas demitindo. Quando o mercado reaqueceu,
estava com as carteiras no bolso, tanto que entrei na
VASP com 20 anos. Minha geração toda entrou muito cedo,
foi basicamente uma questão de timing. Claro, você
precisa ser profissional e acreditar. Não precisa ser
super-homem para chegar lá, nem depender de peixada.
Jetsite: E defendendo tanto a aviação básica, os
planadores, a aviação "pé-e-mão", qual sua visão em
relação à automação nas cabines de comando?
DB: A automação é excelente, desde que usada com
parcimônia. Tanto que a segurança de vôo aumentou
consideravelmente graças a ela. O que o aviador precisa
lembrar é que ele é um piloto e não um operador de
fliperama. Hoje a instrução está muito voltada para o
piloto saber até onde ele deve ou não deve usar a
automação. O piloto não pode ficar heads downno FMC e
esquecer de voar o avião! A automação é como água, se
você tomar demais você morre afogado. Se não beber,
morre de sede.
Jetsite: Falando um pouco mais da Gol, como você
explica o fenomeno low-cost no Brasil?
DB: O low-cost começou quando todos nós reparamos
que o Brasil não era um país rico como os EUA e os
países da Europa e que devíamos, brasileiros em geral,
buscar uma otimização, buscando maiores resultados com
menor investimento. E isso em vários setores da
sociedade. Foi aí que a Gol veio preencher esse espaço
de otimização, no setor de transporte aéreo. A grande
vantagem da Gol é que a maioria de seus colaboradores,
desde o início, tinha a mentalidade da mais-valia,
procurando, mesmo na vida privada, mais por menos. Esse
espírito foi transferido para a empresa.
Jetsite: O que há por traz da operação do 737-700?
DB: De início a modernidade e segurança do modelo.
Além disso, todo o pessoal da manutenção e vôo da Gol,
vindos da VASP e TransBrasil, tem grande experiência no
737, barateando sua operação e principalmente,
garantindo uma maior segurança e confiabilidade na
operação do avião. A Gol hoje tem uma regularidade de
99,7 a 100% mês após mês. Faz seis meses, inclusive, que
somos a empresa mais pontual do país.
Jetsite: A linha Airbus foi descartada de imediato?
DB: Sim, pois, apesar de serem excelentes aviões, os
similares da Airbus são ideais para etapas de duas ou
mais horas de vôo e nossos setores têm em média uma
hora.
Barioni ainda completa dizendo algo muito conhecido para
nós da equipe do jetiste: "Na realidade eu não trabalho
nenhum minuto por dia, eu trabalho com meu hobby e
portanto sou muito realizado, pois nada melhor do que
trabalhar com o que se ama."
Mais uma vez nosso muito obrigado pela excelente
recepção nos escritórios da Gol em São Paulo e que tanto
a empresa como nosso amigo Barioni tenham sempre ótimos
ventos de cauda.
Renato Salzinger