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A380: Very Large Jet
Aumentar a capacidade é uma necessidade cada vez
mais presente nos meios de transporte. Apesar de crises,
bombas e atentados, a demanda pelo transporte aéreo não
pára de crescer.
Estimativas de tráfego feitas nos dois lados do
Atlântico, prevêem (no mínimo) a duplicação do volume
depassageiros e carga para os próximos 20 anos. As
vendas estarão garantidas, além deste crescimento, pelo
gradativo envelhecimento da frota mundial, criando a
necessidade de substituição das aeronaves atuais por
novos modelos mais econômicos.
Para atender à crescente demanda, três caminhos são
possíveis: aumentam a freqüência dos vôos em rotas já
existentes ou então abrem novos "city-pairs", ligações
entre cidades atualmente servidas em vôos com escalas
entre elas. A terceira opção seria a operação de
aeronaves de grande capacidade. É isso que nós veremos
agora.
Aumentar a quantidade de vôos com a infra-estrutura
aeroportuária e de aerovias é praticamente impossível:
muitos dos aeroportos do mundo já têm limitações de
número de movimentos por hora (slots) e poucos têm
capacidade para ampliações.
Aumentar o número de city-pairs servidos é sem dúvida
atraente para o passageiro. Por exemplo, com vôos
diretos entre Curitiba e Nova York ou Londres e
Fortaleza. mas nem sempre econômicamente viaávelk para
as empresas. Além disso, congestionaria ainda mais os
céus.
Substituindo ou complementando os aviões em operação por
outros maiores, as empresas poderão adiar um aumento no
número de freqüências, ou inibir o surgimento de novos
city-pairs. E de quebra operar de maneira mais
econômica: os novos mega-jatos consumirão menos
combustível por passageiro/quilômetro.
VLA - Very Large Annoyance?
De acordo com estudos da Boeing, 75% da frota mundial de
jumbos opera em apenas 20 aeroportos espalhados pelos
cinco continentes. Sendo assim, o planejamento desta
nova família de aviões, chamados genericamente de VLA -
Very Large Aircraft, seria feito levando em conta estes
destinos e outros 20 com potencial de crescimento nas
próximas décadas. Destes 40 aeroportos, 31 foram
construídos antes da entrada em operação do Boeing 707,
em 1958. Em relação ao 747, um deles foi construído
antes e cinco depois de sua entrada no mercado.
Na maioria dos casos, apesar das contínuas reformas
feitas em alguns destes aeroportos, a operação de aviões
maiores que um 747 certamente trará problemas.
Enquanto a maioria das pistas e taxiways usadas
atualmente poderá acomodar os VLAs, o gargalo estará
dentro dos terminais. Pergunte ao passageiro que acaba
de chegar em Los Angeles vindo de Tokyo, nas últimas
fileiras da classe econômica, se ele gostaria de gastar
ainda maistempo para desembarcar do avião? Ou então
estariam os terminais aptos a receber dois ou três vôos
com tais equipamentos simultaneamente? E quanto ao
carregamento e descarregamento de bagagens e cargas,
comissaria para 600 passageiros? Vários "pequenos"
detalhes, que colocados juntos destes mamutes voadores
podem se transformar em dores de cabeça paquidérmicas...
Na Europa, poucos aeroportos poderiam hoje receber um
VLA: entre eles, apenas Heathrow, Frankfurt e Charles de
Gaulle. Tokyo e Nova York juntam-se ao seleto grupo.
Quase todos os outros precisarão de reformas. Não é de
se estranhar que as autoridades aeroportuárias não
receem a idéia dos VLA com muito entusiasmo.
Toulouse acelera e ultrapassa Seattle
A saída da McDonnell Douglas do mercado enterrou
definitivamente o proposto MD-12, versão final do
sucessor do MD-11 e resposta de Long Beach à necessidade
de uma aeronave VLA. Planos para um avião desta
categoria corriam pelos corredores da MDC desde a década
de 60, em diferentes configurações. Chegou-se até a
planejar uma "asa voadora".
Com a incorporação da Douglas pela Boeing os planos
foram abandonados, num momento que Seattle estava mais
preocupada com o 777. A idéia de uma aeronave VLA voltou
às mesas de discussão anos mais tarde, primeiro como
estudos conhecidos como NLA - New Large Aircraft. O
projeto novo não foi adiante: querendo economizar alguns
bilhões de dólares, a Boeing acabou optando por uma
"funilaria e pintura" no seu "Flagship" de longa data: o
747.
Surgiram as versões 500X e 600X do quadrimotor.
Basicamente versões alongadas, com melhores motores e
mais capacidade de combustível. Novidade mesmo somente a
asa, que seria maior e com novo desenho. Caso saísse do
papel, a -600X, por exemplo, poderia transportar 550
passageiros em uma configuração de três classes, sobre
distâncias de até 14.400 km. Apesar dos ganhos
prometidos, muitas empresas não estavam felizes com a
idéia de comprar um avião baseado em um projeto da
década de 60. Como o tempo mostrou, a pressão feita pela
Airbus e seu VLA, não foi suficiente para convencer a
Boeing em desenvolvê-lo desde zero. Finalmente em 2001,
a empresa anunciou uma guinada de 180° em sua
estratégia, preferindo apostar suas fichas na velocidade
ao invés da quantidade. O NLA foi engavetado de vez. Na
visão da empresa o mercado para os VLAs não seria tão
grande como a Airbus previa.
A Airbus, porém, apostou tudo no seu gigante. O mercado
recebeu o megajato, conhecido inicialmente como A3XX de
duas maneiras: se por um lado havia ceticismo e dúvidas
quanto à sua operacionalidade, por outro via-se o
gigante com grande entusiasmo. Com capacidade para 555
passageiros em 3 classes, e voando 7.650NM, o A3XX
prometia custos de operação 20% inferiores por
passageiro transportado em relação ao 747.
Toulouse também preocupou-se com os aeroportos: apesar
de pesar 140 toneladas a mais que um 747-400, teria
apenas 3 metros a mais de comprimento. A mágica só seria
possível com a adoção de um trem de pouso principal de
três eixos, resultando numa distribuição de peso
semelhante àquela do Boeing. Mas, principalmente, por
ser o A3XX o primeiro jato a ter dois andares em toda a
extensão da fuselagem, acomodando seus passageiros na
configuração 2-2-2 (deck superior para a primeira classe
e business class) e 3-4-3 no deck principal. O acesso ao
andar superior será feito por escadas nas duas
extremidades do deck principal. Em outras palavras: 49%
a mais de área de piso em relação ao 747, algo que
seguramente aguça a imaginação dos analistas, que já
imaginam spas, shoppings, cassinos e até creches a
bordo.
Lançado oficialmente como A380-800 em 2000, o Leviatã
arrematou encomendas da Virgin Atlantic, Singapore, Air
France, Qantas, Lufthansa, Emirates, Qatar Airways e
ILFC, todas tradicionais clientes de Seattle. A Qantas,
por exemplo, jamais havia encomendado aviões de grande
capacidade do fabricante europeu. Sua versão cargueira,
com 50% a mais de payload que um 747-400F, também foi
encomendada: a Fedex com 10 (mais 10 opções) tornou-se a
empresa lançadora do modelo, batizada de A380-800F. Dez
unidades com capacidade de 150t de carga paga foram
encomendadas, principalmente para os vôos transpacíficos
da empresa. O protótipo fará seu vôo inaugural em 2005.
Até lá, o mundo da aviação vai acompanhar ansiosamente a
gestação do novo gigante dos ares.
(Renato Salzinger)