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Viscount


O Vickers Viscount, que fez seu vôo inaugural há 60 anos, foi o primeiro turboélice comercial a entrar em serviço, e um dos poucos modelos britânicos a conseguir vendas significativas nos Estados Unidos. O sucessão da aeronave foi em grande parte atribuído aos seus confiáveis motores Rolls-Royce, os quais foram capazes de fornecer mais potência para as versões maiores do avião, que foram surgindo durante a sua evolução. Foi um dos aviões civis britânicos mais bem-sucedidos do período de após guerra, pois as suas vendas só não foram maiores que as do de Havilland Dove.

Os antecedentes

O Viscount, ou projeto Vickers VC2, como foi inicialmente chamado pelo fabricante, foi batizado pelo projetista chefe da companhia Rex Pierson, em dezembro de 1944, durante discussões com o Comitê Brabazon, o qual tinha sido formado o ano anterior com a finalidade de investigar as futuras necessidades do mercado britânico da aviação comercial.

O VC2 foi proposto como um avião comercial de segunda geração, descrito nas especificações Tipo IIB do Comitê como uma aeronave de curto a médio alcance, equipado com os novos e revolucionários motores turboélice. A especificação Brabazon Tipo IIA referia-se a uma aeronave semelhante equipada com motores a pistão, que deu origem ao Airspeed Ambassador.

O projeto proposto em 1945 era de um quadrimotor para 27 passageiros com um peso bruto de 15.455 kg, um alcance de 1.610 km e uma velocidade de cruzeiro de 485 km/h a uma altitude de 6.155 m. O MAP (Ministry of Aircraft Production ou Ministério de Produção de Aeronaves) aceitou essa proposta, mas com a condição de que a fuselagem fosse pressurizada.

O projeto original de Pierson previa uma fuselagem em bolha dupla com trem de pouso convencional, mas quando George Edwards foi promovido a projetista chefe, decidiu que seria melhor utilizar um simples fuselagem circular com trem de pouso triciclo e aumentar para 32 a capacidade de passageiros. A necessidade de pressurização apresentou alguns problemas para a nova fuselagem e grandes janelas elípticas ajudaram à resistência da estrutura, além de proporcionar ótima visibilidade para os passageiros. Uma boa estabilidade direcional foi conseguida com o grande diedro dos estabilizadores.

Como motores, Edward escolheu os Rolls-Royce Dart RDa-1 com potência de 841 kW (1.130 shp) que tinham compressor centrífugo, por acreditar que isso poderia proporcionar melhor serviço operacional e confiabilidade que os Armstrong Siddeley Mamba de compressor axial.

Em abril de 1946, o MoS (Ministry of Supply ou Ministério de Abastecimento) emitiu a Especificação 8/46 aceitando o conceito de avião comercial Tipo IIB e solicitando à Vickers , a construção de dois protótipos com a condição de que ela financiasse o terceiro. As especificações exigiam uma carga paga de 3.410 kg e capacidade de 25,6 m³, com um peso bruto de 17.270 kg, o que exigia uma fuselagem mais longa que a do modelo proposto e com maior envergadura.

Como a recém criada companhia aérea BEA (British European Airways) deveria ser a primeira a receber o VC2, seu desenvolvimento foi feito em estreita cooperação com essa operadora. Porém, as estimativas do período de após guerra para a capacidade de passageiros da indústria de aviação civil foram subestimadas e, como se viu, o Viscount teve de ser alongado mais de um vez para poder atender à crescente demanda.

Em produção

Os trabalhos começaram em Weybridge, Surrey como Vickers Tipo Número 609 em 1946, mas em agosto de 1947, a Rolls-Royce já havia aumentado a potência do seu motor original para 931 kW (1.250 shp), com a designação de RDa4. Esses motores melhorados foram instalados no primeiro protótipo (G-AHRF), conhecido como Tipo Número 630 o qual, nessa época foi batizado oficialmente de Viscount (Visconde). Inicialmente tinha se pensado em chamá-lo de Viceroy (Vice-Rei), mas como a Índia tinha acabado de se tornar independente, o cargo de Vice-Rei não existia mais.

Entretanto, um sério revés aconteceu após a BEA começar a duvidar sobre os aspectos econômicos da operação do Viscount. Seus cálculos indicavam que o avião precisaria ser maior e, além do mais, sob pressão do governo, a companhia encomendou 20 Ambassador, que transportavam mais de 40 passageiros.

Por alguns meses, o projeto do Viscount praticamente parou, enquanto a Vickers procurava a forma de aumentar a capacidade de passageiros. Com o primeiro protótipo terminado em 1948, "Mutt" Summers, o piloto chefe da companhia decolou pela primeira vez com o G-AHRF do Aeroporto Wisley, em Surrey, no dia 16 de julho. Os testes de vôo demonstraram seu excelente desempenho e o bom funcionamento dos motores Dart. Enquanto isso, o desenvolvimento do Ambassador tinha se atrasado devido a problemas estruturais e, por acaso, a Rolls-Royce tinha sido capaz de oferecer mais potência com seus RDa3 Mk503 de 1 043 kW, o que tornou prática a proposta de uma versão alongada do Viscount.

O Viscount 700

Como resultado dessa novidade, o Viscount Tipo 630 foi deixado de lado e surgiu o Viscount Tipo 700, com uma envergadura aumentada em 1,70 m e a fuselagem alongada em 2,30 m. Ele tinha um peso bruto de 20 455 kg, podia transportar 43 passageiros e os novos motores permitiam-lhe atingir 540 km/h. O MoS encomendou um protótipo em fevereiro de 1949 e esse avião, o G-AMAV voou pela primeira vez em agosto de 1950.

Tendo atingido as 15 horas obrigatórias de testes de vôo, o Viscount 700 foi enviado, no mês seguinte, para o Farnborough Air Show onde o agradável assobio dos seus motores Dart atraiu a atenção do público presente. As grandes janelas ovais eram únicas na indústria dos aviões comerciais e, posteriormente, o peso bruto operacional foi aumentado para 25.910 kg, com capacidade para 53 passageiros.

A BEA ficou tão satisfeita com o desempenho do protótipo do Viscount 700, que considerou que ele era o avião certo na hora certa e encomendou 20 exemplares, que mais tarde passaram a 26. O primeiro avião de série (G-ALWE) voou em agosto de 1952 e as entregas começaram em janeiro de 1953. A companhia aérea inglesa usou o protótipo do Viscount 700 para competir na corrida aérea Inglaterra-Nova Zelândia. A aeronave voou com um peso bruto de 29.545 kg, cobrindo os 19.355 km em 40h45. Uma etapa sem escalas de 5.695 km foi feita a uma velocidade média de 553 km/h.

No final de 1951, começaram a surgir encomendas de países estrangeiros para o Viscount: Air France e Ear Lingus encomendaram quatro e 12 aviões respectivamente e, no mês de junho, a Trans Austrália Airlines adquiriu seis aeronaves, permitindo à companhia voar sem escalas na rota de 2.100 km entre Adelaide e Perth. Um importante avanço aconteceu em novembro de 1952, quando a Trans Canadá Airlines (hoje, Air Canadá) fez uma encomenda de 15 aviões. Essa venda envolveu consideráveis modificações destinadas a atender às normas norte-americanas, incluindo uma tripulação de dois pilotos e um sistema automático de controle de vôo.

Em fevereiro de 1953, o protótipo do Viscount 700 foi o primeiro turboélice a voar sobre o Atlântico na rota do norte para realizar testes em clima frio no Canadá.

O "Vaicão": chega o Viscount 800/806
Enquanto isso, a Rolls-Royce continuava a melhorar as capacidades do Dart, e a BEA, empolgada pela perspectivas de mais potência, solicitava à Vickers a construção de um Viscount com fuselagem 4 m mais longa para poder transportar 86 passageiros. Essa variante não foi construída, pois a Vickers achou que poderia obter quase os mesmos resultados deslocando 2,84 m para trás o anteparo traseiro e alongando a seção dianteira da fuselagem em 1,20 m, o que proporcionaria acomodações para até 65 passageiros.

Esse projeto foi o Viscount 800, inicialmente equipado com os Dart RDa6, com potência de 1.143 kW (1.535 shp), e a BEA encomendo 12 exemplares em abril de 1954. Uma notável inovação na série 800 foi a instalação de grandes portas retangulares, em lugar das antigas ovais, o que proporcionava a possibilidade de transportar carga. Muitos Viscount 700 foram modificados com os motores RDa6 sendo designados Viscount 700D, diferenciando-se dos outros 700 pelo capôs dos motores, os quais eram abaulados, em lugar de totalmente retos, como até então. Outras encomendas importantes de 1953, foram as da Hunting Clan, da British West Indian Airways, da Iraqui Airways e da Força Aérea Indiana, enquanto a TCA encomendava mais cinco Viscount 700, mas com motores RDa6. Na medida em que aumentavam as encomendas, a Vickers precisava de mais capacidade de produção e abriu mais uma linha de montagem em sua fábrica de Bournemouth/Hum, em Dorset, Inglaterra.

Em 1954, a holandesa KLM encomendou nove Viscount 800 - um evento fora do comum, já que a companhia aérea normalmente preferia aeronaves fabricadas nos Estados Unidos. Mas a negociação mais significativa daquele ano foi a da companhia aérea norte-americana Capital que encomendou três Viscount 700, seguida poucos meses depois por um pedido de 37 Viscount 700D e, em dezembro por mais um de 20 exemplares do mesmo modelo. No total, a Capital chegou a opera com 600 Viscount.

A indústria da aviação comercial norte-americana ficou atordoada com as encomendas da Capital, principalmente a Consolidated Vultee, a qual fabricava o Convair CV-340, considerado o principal concorrente do Vickers Viscount na América do Norte. A American Airlines introduziu rapidamente em serviço o Douglas DC-6, para tentar igualar a velocidade do Viscount, mas o modelo britânico continuava a ganhar popularidade.

Em 1956, um novo motor Dart com turbina de três estágios foi apresentada pela Rolls-Royce como RDa7.Mk520, que produzia 1.218 kW (1.635 shp) de potência. A BEA que acabara de encomendar 19 Viscount 800, decidiu utilizar neles os novos motores. Designadas Viscount 806, deveriam transportar 58 passageiros. A Aer Lingus e a New Zealand National Airways também decidiram adquirir essa versão para suas frotas.

Viscount 810

A Vickers sabia que um Viscount que pudesse voar mais rápido, mais longe e com mais peso, seria muito procurado. Por volta de 1957, a Rolls-Royce tinha mais uma vez aumentado a potência do Dart, modificando o RDa7 para produzir 1.564 kW (2.100 shp), mas que para o Viscount desenvolvia 1.482 kW (1.990 shp) como RDa7.Mk525. Importantes mudanças estruturais foram necessárias para a variante proposta, a qual ficou conhecida como Viscount 810 para fazer face às maiores velocidades e cargas, e o primeiro protótipo decolou de Weybridge em dezembro de 1957.

As previsões da Vickers começaram a se tornar realidade com uma encomenda de 15 exemplares feita pela Continental Airlines, de Denver, no Colorado, Estados Unidos, cujas entregas começaram em abril de 1958. A nova variante tinha um peso máximo de decolagem de 30.454 kg, podia transportar uma carga útil de 6.818 kg e mantinha uma velocidade de cruzeiro de 588 km/h. A encomenda Continental foi seguida pelas de outras companhias aéreas e a produção total chegou a 84 unidades.

Em 1958, as encomendas do Vickers Viscount tinham chegado a 400 exemplares, dos quais 300 já haviam sido entregues. Quando a Vickers encerrou a produção do Viscount, em 1964, um total de 444 aviões haviam sido entregues a 50 importantes companhias aéreas. A última aeronave foi entregue à CAAC, a companhia aérea nacional da República Popular da China.

De acordo com a edição 2007 do Survivors, um guia de antigos aviões comerciais ainda existentes, ainda sobrevivem 47 Viscount no mundo. Deles, 15 estão preservados em museus, como um Viscount 789D usado no Brasil como transporte presidencial com a designação VC-90, que se encontra em perfeito estado no Musal, no Rio de Janeiro, e o Viscount 701C que está em estado lamentável no Museu de Armas, Veículos e Máquinas, em Bebedouro, SP.

No Brasil, além dos dois Vickers Viscount (um 742D e um 789D) usados como transportes presidenciais na década de 1960, a Vasp operou com 16 dessas aeronaves sendo quatro da série 701 (PP-SRI, SRJ, SRL e SRM), seis 701C (PP-SRN, SRO, SRP, SRQ, SRR e SRS), cinco 827 (PP-SRC, SRD, SRE, SRF, SRG) e um 810 (PP-SRH). Os da série 800 acabaram conhecidos no Brasil como "Vaicão" e os série 700 eram chamados de "Vaiquinhos". O ruído agudo do último Vaicão em operação no Brasil, o PP-SRH, calou-se definitivamente quando o PP-SRH deixou de operar na Ponte Aérea, no longínquo 1975. Deixou muita saudade esse nobre tipo britânico.

 

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