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HS.121 Trident, três tentativas

 

Hatfield, 1962. A monotonia daquela terça-feira nublada, 9 de janeiro, foi quebrada quando John Cunningham acelerou as manetes do G-ARPA, para o primeiro vôo daquele que seria mais um dos fracassados projetos da aviação inglesa, ainda que na época, a idéia obviamente não fosse essa. Porém a repetição de erros acabou custando o futuro do Havilland D.H.121, ou simplesmente Trident, e em última análise, contribuindo para que a indústria inglesa mais uma vez perdesse espaço ante a Boeing e Douglas. Vejamos em detalhes sua história...

Gestação e nascimento

A história do Trident começou praticamente junto com o desenvolvimento do BAC 1-11, quando a de Havilland apresentou-o como resposta a um requerimento feito pela British European Airways, isso em agosto de 1956. As especificações dadas pela empresa pediam por um jato puro com capacidade para até 100 passageiros, operando desde pistas com menos de 2.000 metros e com alcance para operar em rotas de até 1.800km. Preferencialmente, os motores deveriam ser dispostos na parte traseira da fuselagem e pela primeira vez pediu-se também a capacidade de operar em condições de visibilidade reduzida, a neblina inglesa causava, com freqüência, atrasos e cancelamentos. O novo avião, o primeiro jato puro nas linhas da BEA deveria permitir a aposentadoria dos Vickers Vanguard e Viscount.

A de Havilland apresentou três desenhos, conhecidos pelas siglas D.H.119, 120 e 121. O primeiro era uma versão quadrimotora, de configuração semelhante ao VC-10. O modelo 120 tinha duas variantes, uma de curto alcance e outra de longo alcance, já sonhando-se com uma possível encomenda da BOAC e finalmente a versão 121, trimotora. Tanto a Bristol como a Avro também apresentaram propostas, o Bristol 200 e o Avro 740. Finalmente o contrato para a construção de 24 unidades, com opção de mais 12, acabou indo para a de Havilland e seu D.H.121 (que como seus dois concorrentes era um trimotor), sendo assinado em 12 de agosto de 1959. No entanto, por questões políticas, o avião seria construído pelo consórcio Airco, composto pela Hunting, Fairey e a de Havilland.

Neste estágio de seu desenvolvimento, o DH.121 era motorizado por três Rolls Royce RB.141-3 Medway, levando até 111 passageiros sobre 1.800km, no meio do caminho - não surpreendentemente? - a BEA mudou de idéia e mudou os pre-requisitos básicos: agora o novo jato deveria levar um máximo de 105 passageiros sobre apenas 1.500km. Certainly Sir, devem ter ditos os engenheiros da de Havilland. O futuro mostraria que essa concessão a BEA custaria "apenas" o fracasso da maioria dos esforços de exportação do Trident, já que ele tornara-se bem menos conveniente a muitas empresas, principalmente depois do advento do Boeing 727, factualmente melhor. De qualquer maneira, com a configuração finalizada em 1959 (com a mudança no conceito do projeto o avião diminuiu de tamanho e sua configuração de cauda foi alterada, de uma semelhante aquela do SE.210 Caravelle para a já em voga cauda-em-T), os trabalhos de engenharia, projeto construção da primeira unidade tiveram continuidade já com a nova configuração em mente e o primeiro vôo realizado em nove de janeiro de 1962, três anos depois.

 

Tri de Trident

Faltava um nome para o novo modelo, algo que fizesse dele facilmente reconhecido, aviões ingleses tradicionalmente tem um nome. Finalmente em 08.08.1960 foi escolhido, através de um concurso patrocinado pela BEA o nome: Trident Realmente, parecia bem escolhido para um avião que teria três motores, três sistemas elétricos e hidráulicos e finalmente três sistemas de piloto automático. Sua paternidade não seria unicamente da de Havilland, pois a empresa havia desaparecido com a fusão da Hawker, Armstrong Whitworth, Blackburn e Avro formando a Hawker-Siddeley. Sairiam dos hangares então 117 HS.121 Trident, construídos em três variantes básicas. Um número modesto se comparado com os 1832 Boeing 727 construídos.

Algumas das características do Trident são no mínimo curiosas. A começar pelo seu trem de pouso, nada convencional. O conjunto principal por exemplo, ao recolher, girava 90° em relação à direção de vôo para em seguida ser recolhido no seu compartimento. O trem dianteiro também era "curioso" recolhendo lateralmente ao invés de para frente ou para trás. Para poupar espaço, diziam os engenheiros. Sei...

Apesar dessas esquisitices, uma das prerrogativas do seu desenvolvimento foi efetivamente conseguida e o Trident foi o primeiro avião a ser homologado para pousos automáticos, equipado com o sistema Smiths Autoland, primeiro com mínimos Cat II (em 1968) e depois para mínimos Cat IIIA (no final de 1971).

Vendendo, ou pelo menos tentando

A primeira versão entregue foi a 1C, e desta, apenas 25 unidades foram construídas, de 1961 a 1966. Seu primeiro vôo comercial, nas cores da única cliente, a BEA, foi feito em 11.03.1964. Visando aumentar o número de encomendas, a Hawker instalou um tanque central de combustível, aumentando um pouco o alcance. Conhecido como Trident 1E e Trident 1E-140 (esta com MTOW maior), vendeu pouco, com apenas 14 unidades operadas pela Iraqi Airways, PIA, Kuwait Airways, Channel Airways e Air Ceylon. Apesar da imensa aceitação do tipo, ficou em produção por 5 anos, de 1964 a 1965

Talvez percebendo que seu produto não era exatamente um best seller, a Hawker tratou de desenvolver uma versão que tivesse mais capacidade e alcance e com isso torna-lo mais atraente para as empresas aéreas. Conseguiu, em parte. O modelo Trident 2E voaria pela primeira vez em 27.07.1967. Como empresas lançadoras despontaram a BEA e a Cyprus Airways porém as encomendas feitas pela CAAC durante a década de 70 foram as que salvaram o dia, totalizando 33 unidades. Não que sua operação pelos chineses tenha sido livre de problemas, com pelo menos quatro perdas completas e toda a sorte de incidentes menores. Aqueles vendidos para a BEA passaram para a British Airways de abril de 1974 em diante, quando a BEA deixou de existir e a maioria deles acabou seus dias no ferro velho ou usados para treinamento de combate a incêndios em aeroportos ingleses. Alguns no entanto, foram preservados em museus. Nos 11 anos que esteve no mercado, de 1967 a 1978, 50(!) unidades foram construídas, uma marca considerável para a industria britânica, e o último Trident entregue, justamente para a CAAC, em 28.06.1978 era da série 2E.

Atendendo solicitação da BEA, a Hawker ainda desenvolveu duas versões melhoradas, para mercados de alta densidade, com maior comprimento de fuselagem, maiores pesos operacionais porém menor alcance. A primeira delas, a 3B, foi produzida de 1969 a 1973, com 26 unidades entregues. Sua capacidade era de até 180 passageiros e para melhorar o desempenho na decolagem - algo do qual o Trident nunca pode se gabar - foi instalado um quarto motor na cauda, sobre o motor principal, servindo como booster. Britanicamente engenhoso.

Foi justamente um modelo 3E que protagonizou um dos piores acidentes nos céus da Europa por anos, quando em 10.09.1976 o G-AWZT, voando de Londres para Istanbul, colidiu em pleno vôo com o DC-9-31 YU-AJR da Inex Adria sobre Zagreb, causando a perda de 166 vidas. A última versão produzida, com apenas duas unidades entregues em 1975, foi a Super 3B, produzida a pedidos da Força Aérea Chinesa, tinham maior alcance em relação à versão básica. Os dois modelos ficaram em operação até o início da década de 90, quando foram retirados armazenados em Guangzou.

Apesar do avanço técnico que representou, como vários exemplos na rica prole da indústria britânica, o Trident foi vítima de si próprio, criado para atender as necessidades de uma única empresa e sujeito aos mandos e desmandos desta. Três versões mau sucedidas e 117 unidades que saíram dos hangares de Hatfield em 17 anos de produção não deixam dúvidas quão errada foi a decisão da Hawker. Trident por seus três motores, Trident por seus três fracassos...

Renato Salzinger

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