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SITAR: integrando o Brasil
Há 30 anos, a aviação regional brasileira ganhava novo
sopro de vida através da criação do SITAR. Essa época
foi cheia de desafios e pioneirismos. O sucesso de nossa
moderna aviação regional - e de empresas que surgiram
nessa fase - ganha agora um vôo razante na seção
Nostalgia. Vamos conhecer melhor a operação dos Embraer
EMB-110 Bandeirante nos primeiros anos do SITAR - as
raízes da moderna aviação regional brasileira.
Após a Segunda Guerra Mundial, a aviação comercial
brasileira conheceu seu período de maior expansão.
Várias companhias aéreas nasceram e começaram a operar
vôos de caráter regional, ligando pequenas comunidades à
algumas capitais estaduais. Suas autorizações de
tráfego, em sua grande maioria, limitavam-se às regiões
que serviam. Seus nomes já indicavam esse regionalismo:
S. A. Viação Aérea Gaúcha - SAVAG; Organização Mineira
de Transporte Aéreo; Paraense; Linhas Aéreas Paulistas.
A lista é longa.
No final dos anos 50, nada menos que 354 cidades
brasileiras eram servidas por vôos regulares, mas dentro
de poucos anos, a aviação brasileira entraria num
processo de consolidação. Em meados da década de 50,
começaram a ser formadas as grandes empresas aéreas
brasileiras, resultado de fusões ou incorporações. As
empresas menores, sem condições operacionais ou
financeiras, ou eram compradas pelas maiores e mais
saudáveis economicamente ou deixavam de operar. Naciam
as grandes empresas nacionais: Varig, Vasp, Cruziero,
Panair, REAL. Todas, sem exceção, logo trataram de
buscar a expansão de suas linhas, fosse através da
cobertura de todo o território nacional, sobretudo nas
chamadas linhas-tronco, aquelas que unem as maiores
cidades do Brasil, ou através de serviços
internacionais.
O advento dos jatos, no início dos anos 60, acelerou
ainda mais essa tendência à concentração. O número de
cidades servidas começou a ser reduzido gradual e
continuamente. Para agravar esse quadro, as grandes
empresas aéreas brasileiras iniciaram programas de
reequipamento, sobretudo a partir de meados dos anos 60.
Os Douglas DC-3, Curtiss C-46 Commando e outros tipos
menos famosos, como os Beech D-18, que operavam as
ligações de terceiro nível, foram sendo gradativamente
substituídos por aeronaves maiores e mais sofisticadas.
Essas novas aeronaves normalmente eram incapazes ou, no
mínimo, economicamente inviáveis para operar em
aeroportos pequenos. Fosse por seu tamanho maior, que
implicava numa necessidade de mais tráfego para
preencher mais assentos, fosse por razões puramente
operacionais, sobretudo pelos riscos de se operar nas
precárias pistas dessas pequenas localidades. O fato é
que as comunidades mais remotas do Brasil foram sendo
literalmente abandonadas à própria sorte.
Os anos 70 surgiram na proa e trouxeram uma nova
aeronave. Robusta, econonômica, segura. Simples de
operar e de manter. Capaz de, ao mesmo tempo, gerar
lucros ao operador e servir ao usuário com conforto e
segurança. Essa aeronave desbravou, pelo ar, regiões
remotas do Brasil, abrindo verdadeiros estradas do ar.
Seu nome não poderia ser mais apropriado: Bandeirante, o
primeiro grande sucesso da Embraer.
Sua entrada em serviço deu-se em 1973. O primeiro a ser
entregue à uma empresa aérea foi o PT-TBA, um EMB-110C
(de Comercial) que entrou em operação regular em 17 de
abril de 1973 nas asas da Transbrasil. Essa é mesmo uma
data histórica: pela primeira vez, uma aeronave
brasileira transportava passageiros em vôos regulares.
Os vôos uniam Curitiba a Foz do Iguacú, com algumas
escalas no noroeste do Paraná, além de outras rotas de
Florianópolis para o Oeste Catarinense e de Erechim para
Porto Alegre. O avião começou a voar e o fez muito bem,
com excelente níveis de regularidade e ocupação. Durante
a cerimônia de entrega de seus dois últimos Bandeirante
- de uma encomenda de seis unidades - o presidente da
Transbrasil, Omar Fontana, anunciou que suas quatro
primeiras aeronaves já haviam voado 1.7 milhão de km, o
suficiente para fazer quatro viagens à lua. Ao final de
1973, a Transbrasil tinha seis EMB-110C, matriculados
PT-TBA, TBB, TBC, TBD, TBE e TBF. Em 4 de novembro desse
mesmo ano, a Vasp tornou-se a segunda operadora do EMB-110C
em vôos regulares, ao receber o PP-SBA, primeiro de uma
encomenda de dez aeronaves.
A despeito da qualidades desses novos Bandeirantes do
ar, o número de cidades servidas por transporte aéreo
regular continuava caindo. Em meados dos anos 70, apenas
80 cidades brasileiras eram servidas por vôos regulares.
Analistas previam que esse número cairia à metade tão
logo os turboélices empregados pelas empresas nacionais
fosse desativados. Em 12 de novembro de 1975, o Governo
Federal e as principais empresas aéreas do Brasil
reuniram-se para encontrar uma solução. Nascia ali o o
SITAR - Sistema de Transporte Aéreo Regional. A idéia
era simples: dividir o país em cinco regiões, que seriam
servidas por cinco novas empresas de caráter regional.
Estavam plantadas as sementes da criação de cinco novas
empresas aéreas: Nordeste, Rio-Sul, TABA, TAM e Votec.
Em comum, além da missão de integrar este
país-continente, todas elas tinham algo especial: a
clara preferência pelo Embraer Bandeirante como aeronave
principal na composição de suas frotas.
Inicialmente, essas empresas operaram 32 aeronaves dos
modelos EMB-110C (16 lugares) e EMB-110P (18 assentos),
assim divididas: TAM com nove aeronaves; Rio-Sul com
sete; Votec com seis; Taba e Nordeste, com cinco cada
uma. Ao longo dos anos, porém, esse número praticamente
dobraria: foram operadas 62 aeronaves Bandeirante por
essas cinco empresas.
Não é exagero dizer que a aviação regional no Brasil - e
muitas das mais remotas regiões do Brasil - foram salvas
pelos serviços prestados pelo bravo bimotor. Nos
primeiros anos do SITAR, os Bandeirante responderam por
nada menos que 79,7% dos assentos-quilometro oferecidos
por essas cinco empresas, cujas rotas somadas perfaziam
40.544 km de linhas aéreas regionais regulares e serviam
a 121 cidades. Num mesmo dia, os Bandeirante enfrentavam
todo tipo de condições operacionais, voando desde a
fronteira com o Uruguai até a divisa com a Guiana. Das
temperaturas negativas na Serra Gaúcha ao calor e
umidade infernais da Amazônia, o Bandeirante operava com
regularidade e eficiência impressionantes, em meio ao
nevoeiro, ao granizo, às trombas d`àgua. Pistas de
terra, cascalho, grama ou o pesado tráfego aéreo nos
aeroportos dos grandes centros urbanos, o Bandeirante
passava por tudo. O comandante Marcos Antônio Lacerda de
Athayde, piloto-chefe de Bandeirante na Transbrasil,
recorda esse período: "Esse avião era muito valente. No
solo, encarava qualquer pista. No ar, era uma delícia de
pilotar, muito dócil e estável. A Embraer acertou em
cheio com o Bandeirante." Vamos agora falar um pouco de
cada uma das cinco empresas pioneiras do SITAR e
analisar suas operações na época.
Nordeste
A empresa foi formada oficialmente no dia 8 de junho de
1976, com seu capital constituído por três sócios:
Transbrasil, que cedeu os aviões que integravam a frota
inicial; Governo do Estado da Bahia; e a Votec taxi
Aéreo. A Nordeste começou a operar inicialmente para 11
cidades com cinco Embraer EMB-110C Bandeirante (PT-TBA,
TBB, TBC, TBE, TBF) transferidos da frota da própria
Transbrasil a qual, pouco tempo depois, sairia da
sociedade. A Nordeste foi uma das regionais que mais
cresceu no primeiro ano, com taxa de expansão de 22%. Ao
final de 1977, já voava para 21 cidades nos estados da
Bahia, Pernambuco, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de
Janeiro e chegava ao sul até São Paulo. Esse crescimento
exagerado talvez explique vários incidentes e acidentes,
que macularam a imagem da empresa, mas sobretudo,
marcaram - injustamente - o próprio equipamento.
Posteriormente, para acomodar o crescimento de suas
linhas e aumento de suas freqüências, bem como para
substituir alguns EMB-110 perdidos em acidentes, a
empresa utilizaria nada menos que 14 outras aeronaves
dos modelos EMB-110C, 110P, 110P1, 110P2, 110E, 110EJ e
110SJ. No total, foram operados 19 aeronaves entre 1976
e 1995, a empresa que mais aeronaves Bandeirante voou e
pelo maior período de tempo.
Rio-Sul
A Rio-Sul foi fundada oficialmente em 24 de agosto de
1976, tendo por sócias a Varig e a Top Táxi Aéreo, do
grupo Atlântica-Boa Vista. Com a entrega dos dois
primeiros EMB-110P (PT-GKB e GKC), os primeiros vôos
foram realizados em 8 de setembro de 1976, ligando Porto
Alegre ao interior gaúcho, e Rio de Janeiro a São José
dos Campos (SP). As rotas logo foram ampliadas. A
Rio-Sul assumiu a antiga malha da Transbrasil para o
oeste catarinense e oeste do Paraná. Ampliou serviços
para Vitória (ES), incluiu as cidades de Lajes e
Florianópolis, também de ligações herdadas da
Transbrasil, e ampliou para 11 as cidades servidas no
Rio Grande do Sul. Em dezembro de 1976 o número de
cidades servidas já totalizava 24, servindo todos os
estados da região sul, além de cidades nos estados do
Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo. No total, a
companhia operou 9 aeronaves Bandeirante, todas do
modelo P (uma do modelo P1), até aposentar a última
aeronave (PT-GKD) em 1992.
Votec
Depois de operar durante vários anos como Votec Táxi
Aéreo S.A., em 12 de outubro de 1976, a empresa
transformou-se em Votec Serviços Aéreos Regionais, ao
entrar no SITAR. Logo recebeu seus dois primeiros aviões
EMB-110C Bandeirante (PT-GJB e GJG), dos 11 que viria a
operar. A companhia começou a operar basicamente na
região centro-oeste, embora uma descrição mais apurada
mostre que a Votec foi eminentemente uma operadora
norte-sul. Suas linhas iam de São Paulo à Belém. A
companhia operava em nada menos que 39 cidades em 8
estados: Pará, Maranhão, Goiás, Mato Grosso, Distrito
Federal, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Mas
empresa não teria vida longa: foi a primeira companhia
criada pelo SITAR a mudar de identidade, quando foi
incorporada pelo grupo TAM, que comprou suas ações e
ativos, incluindo toda a sua frota. Em 1º de agosto de
1986 a Votec transformou-se na Brasil Central Linha
Aérea Regional S/A. Naquela época, operava para 24
cidades, voando do Paraná ao Maranhão, num total de 10
estados.
TABA
A TABA - Transportes Aéreos da Bacia Amazônica, foi
fundada em 1º de janeiro de 1976, pelo Coronel Marcílio
Jacques Gibson, para atender ao SITAR. Para as
operações, encomendou cinco Embraer EMB-110P
Bandeirante, com opções para mais dez. O primeiro da
encomenda inicial, matriculado PT-GJN, foi entregue em
setembro de 1976, e entrou em operação imediatamente, na
linha Belém-Manaus, com várias escalas internediárias.
Ao final do primeiro ano, eram 20 ciaddes operadas em
seis estados e territórios. Cinco anos mais tarde, a
TABA já servia 37 cidades em todos os estados da região
norte, mais diversas localidades na região nordeste e
centro-oeste. A frota de Bandeirante chegou a totalizar
simultaneamente 10 unidades, dos 13 que ela veio a
operar.
TAM
Em 12 de julho de 1976 decolava o primeiro vôo de uma
nova empresa aérea: a TAM - Transportes Aéreos
Regionais, que tinha por parceiras a Taxi Aéreo Marília
e a Vasp. Esta havia cedido 9 EMB-110C, direitos de
tráfego e instalações aeroportuárias no interior de São
Paulo. O crescimento foi muito rápido. Em janeiro de
1977 a TAM já servia 21 cidades nos estados de São
Paulo, Minas Gerais, Paraná, Mato Grosso, Goiás e Rio de
Janeiro. Esse número aumentaria para 25 cidades em pouco
tempo e a TAM teria a primazia de poder dizer que foi a
primeira regional a transportar um milhão de
passageiros, marca atingida em 16 de setembro de 1981.
Operou no total 13 Bandeirante até 1992.
Robustos, valentes, versáteis. Mais de trinta anos
depois de entrarem em serviço, os EMB-110 continuam
desbravando este país, unindo pessoas e comunidades nos
quatro cantos do Brasil. Verdadeiros Bandeirantes.
Gianfranco Beting