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Viracopos: anos 80
Viracopos. Essa palavra sempre teve uma conotação mágica
para mim. Desde criança fascinado por aviões, era para
mim a Terra Encantada dos aviões que vinham do frio, que
vinham de longe. Até o seu nome, único, remetia a
mistérios de além mar. Somente lá se podia ver os
grandes jatos que até então eu só vira em revistas: o
707, o DC-8 e com um pouco de sorte, o 747. Essa é a
história de um garoto louco por aviões e seu caso de
amor com um aeroporto.
A Primeira vez a gente nunca esquece
Em 1971, a primeira visita: esperava meu pai, que
desembarcaria num DC-8 da SAS vindo da Europa. Fazia
frio e muito sol, por volta das 7 horas da manhã. A
primeira coisa de que me lembro ao chegar no terracinho
foi de reparar nas luzes acesas na cabine de comando de
um Viscount da Vasp. Mas o que mais me chamou atenção
foi a presença de um Constellation parado bem de frente
ao terminal, evidenciando sua cauda tríplice, ímpar.
Minutos depois, o DC-8 azul e branco pousou e veio
taxiando em direção ao terminal, suas turbinas
produzindo aquele guincho típico do DC-8, que para mim
soa como música. Quando finalmente vimos meu pai
descendo na escadinha, minha mãe me puxou para o
terminal. Descemos, mas não sem antes olhar para trás,
como que me despedindo do Connie e do Viscount.
Dez anos depois
Passaram-se dez anos, tempo em que a paixão pelos aviões
somente fez crescer. Junho de 1981. Na escola, um
grupinho de amigos fanáticos por aviação decidiu que era
hora de irmos lá para Viracopos fotografar os aviões que
tanto nos fascinavam. A década já era outra: os DC-8 e
707 não eram mais os senhores do ar. Os DC-10 europeus e
747 da Pan Am imperavam. Combinamos de matar aula numa
sexta feira e ir para lá. Problemas: ninguém tinha carro
e os aviões "bacanas" chegavam a partir das seis da
manhã. E não havia ônibus de madrugada. Solução: Fizemos
uma vaquinha, e nos enfiamos num táxi (fusca), sem o
banco da frente. Fora o motorista, fomos eu e os amigos
Nando, Marcos e Boni, que se esticou e foi deitado no
chão.
Saímos as 04:00 da matina. Fazia um frio danado.
Chegamos lá de madrugada, por volta das cinco horas.
Ficamos próximos à pista, num lugar hoje inacessível.
Mas uma hora depois, com sono e frio, começou a
recompensa. Vimos a primeira aterrissagem do dia, um DC-10
da Ibéria, inesquecível. Depois, um 747 da Air France,
outro da Lufthansa. A British Caledonian e SAS também
trouxeram seus DC-10. Mais tarde, chegaram Alitalia e
JAL, 747 e DC-8, respectivamente.
Pulando cercas
Nossa paixão pela aviação e desejo de fazer fotos
melhores nos levaram à uma decisão: resolvermos chegar
mais perto dos aviões. Literalmente, pulamos as cercas
do aeroporto e nos posicionamos a apenas alguns metros
da pista. Os resultados foram espetaculares: você pode
conferir nessas fotos da Lufthansa e Swissair. Não que
eu recomende isso, muito pelo contrário. Éramos
adolescentes e os tempos eram outros. Segurança
aeroportuária era algo que ainda não se fazia como hoje.
Além disso, hoje as cercas são bem maiores...
Anos dourados
Naquela época pré-aeroporto de Guarulhos, Viracopos era
o máximo em aviação comercial no estado de São Paulo.
Operaram nos anos 80, vindos da Europa, a Lufthansa, Air
France, Alitália, KLM, SAS, British Caledonian, Swissair,
TAP e Ibéria. Dos Estados Unidos, a Braniff e a Pan Am.
Da América Latina, a Lan Chile (DC-10, 707 e 737),
Aerolíneas Argentinas (747, inclusive com o SP), Aero
Perú (L1011 e DC-8), LAP (707), Ladeco (727) Da Ásia
somente a JAL, com os DC-8-62.
Os vôos cargueiros eram da Flying Tigers (DC-8 e 747),
Pan Am (747), TAP (707), Lufthansa (707 e 747), German
Cargo (707 e DC-8), Lan Chile Cargo e Fast Air (707),
Lineas Aéreas Del Caribe e Aeronaves Del Perú (DC-8),
Emery e Southern Air (DC-8-63/73), isso em caráter
regular, sem falar nas assombrações, tipo o Shorts
Belfast da Heavy Lift ou o 707 da Caribbean Air Cargo!
Das empresas aéreas brasileiras, a Transbrasil tinha um
vôo que saía cedo para o Rio (727) e depois a VASP fez o
mesmo. A Varig só operava cargueiro, e algumas vezes, um
charter com DC-10. Viracopos era também usado para vôos
de treinamento de tripulações de 727, 737, DC-10,
Electra. Nestas ocasiões, ficavam fazendo vários toques
e arremetidas.
O que é bom dura pouco
Crescemos. Os amigos todos tiraram brevê. Casaram,
tiveram filhos mas se falam e se vêem até hoje, unidos
pelo amor à aviação. Esse artigo vai para eles: Nando,
Tato, Jorge, Boni, Marcos. Companheiros de madrugadas na
pista, vendo o sol nascer e trazer os DC-8, 707, 747 e
DC-10. Amigos que, olhando para o imenso e azul céu de
Campinas, sonhavam com vôos e aviões, viagens que
fizemos com os pés no chão e a cabeça nas nuvens.
(Gianfranco Beting)