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La Belle Caravelle
A França é conhecida por muitas virtudes. Uma delas é a
elegância, traduzida nas linhas do Caravelle, para
muitos o mais belo jato comercial já construído.
O pioneiro
Com suas linhas limpas e arredondadas, o Caravelle não
foi apenas bonito, foi um avião bem sucedido: afinal,
foi o primeiro jato no mundo desenhado especialmente
para linhas curtas.
Suas origens remontam ao ano de 1946, mas seu
desenvolvimento foi apenas autorizado pelo governo
francês em 1951. Mais quatro anos se passaram na
construção do protótipo, que foi pioneiro na instalação
de motores na cauda, uma característica que seria
posteriormente imitada por várias outras aeronaves.
Em 27 de maio de 1955 o protótipo fez seu vôo inaugural,
tendo por engenheiro de vôo Roger Beteille, que anos
mais tarde se tornou diretor geral da Airbus. Três anos
se passaram no programa de desenvolvimento,
aperfeiçoando os sistemas e evitando, com exaustivos
testes, que se repetisse a tragédia dos Comet ingleses,
que sofreram graves acidentes no início de carreira.
Por sinal, foi deste avião que a Sud-Aviation, pagando
por isso royalties, copiou o desenho da cabine de
comando. Somente a partir da versão VI-R é que se
modificaram as janelas da cabine.
Finalmente, a SAS inaugurou os serviços com o modelo em
26 de abril de 1959. Logo os Caravelle estavam voando ao
redor do mundo, inclusive no Brasil. Em 31 de agosto do
mesmo ano, decolou o décimo Caravelle construído,
matriculado PP-VJC. Com ele, a Varig inaugurou a era do
jato em nosso país, quando recebeu a aeronave do
fabricante no dia 16 de setembro.
Caravelle no Brasil
O PP-VJC deu início à uma longa história de operação do
tipo no Brasil. A Varig recebeu mais dois, com eles
voando até 1963. Em seguida veio a Panair, que
encomendou quatro do modelo VI-R. O primeiro da empresa,
de prefixo PP-PDU, como todos as outras aeronaves da
Panair, foi batizado com o nome de um Bandeirante, Antão
Leme da Silva. Fez seu primeiro vôo em 15 de junho de
1962 e foi entregue em 17 de julho.
Em seguida, foi a vez da Cruzeiro do Sul, que recebeu
seu modelo VI-R matriculado PP-CJA em 10 de dezembro do
mesmo ano. Estas aeronaves operaram até julho de 1975,
quando foram desativadas e colocadas à venda.
O quarto operador brasileiro do tipo foi a
LASA-Engenharia e Prospecções Ltda, que arrendou um
Caravelle VI-R (registrado PT-DUW) especialmente
modificado para missões de aerofotogrametria, utilizado
principalmente na Amazônia entre maio de 1971 e maio de
1973. Essa aeronave foi devolvida aos donos, nos Estados
Unidos, e foi fotografada pelo jetsite no Pima Air
Museum, Arizona. Hoje, a operação dos Caravelle
sobrevive somente na África e na Colômbia.
Caçando Caravelles
Em 1997, fui para a Colômbia especialmente para
fotografar os Caravelles. Consegui autorização para
entrar na área de manutenção da empresa Lineas Aéreas
Suramericanas, então a maior operadora do tipo no mundo,
com três aeronaves da Série 10B. Lá fotografei os três
aparelhos: o "El Sultan", de prefixo HK-3756-X, comprado
da Sultan Air e o "Ataturk" da Istambul Airlines. Além
destes dois a empresa operava com o HK-3932-X "Napoleão
Bonaparte". este se acidentou trágicamente em 31/01/01
em Yopal, Colombia. Leia sobre o desastre na seção
"acidentes e incidentes".
Outra viagem incrível foi feita no ano de 2000, quando
viajei para Cincinnati, Ohio, apenas para fotografar o
ex-PP-CJA, que é preservado lá como guardião do corpo de
bombeiros. Foi emocionante entrar no antigo Caravelle da
Cruzeiro e ver dentro da cabine, as placas e avisos
ainda em português... Eu e Álvaro, amigo e primeiro
oficial de 767 na Varig, saímos de São Paulo numa sexta
à noite, chegamos em New York, passamos o sábado lá e no
domingo fomos a Cincinnatti para fotografar o Caravelle.
Voltamos segunda à noite e terça estávamos de volta ao
Brasil! O que não fazemos por uma paixão...
Crepúsculo do pioneiro
O desenvolvimento do Caravelle não parou na Série VI. Um
novo modelo, o Série 10 foi construído a partir de 1964.
Sua missão era enfrentar os competidores
norte-americanos que surgiram a partir de 1963, o Boeing
727 e o DC-9. Empregou motores norte-americanos Pratt &
Whitney JT8D ao invés dos Rolls-Royce Avon e teve sua
capacidade aumentada para um máximo de 104 passageiros.
Outra versão ainda maior e mais pesada foi desenvolvida:
o modelo 12 para 140 passageiros, também equipada com
motores Pratt & Whitney. Apenas doze destas foram
produzidas.
No dia 8 de março de 1973, o último Caravelle
construído, um modelo 12, fez seu primeiro vôo de
testes, encerrando assim 18 anos de fabricação. Pelas
linhas de montagem da fábrica de Toulouse passaram 282
Caravelles, o maior sucesso da indústria aeroespacial
francesa até então.
Com a entrada em operação de jatos mais modernos, o
Caravelle foi perdendo espaço. Hoje, apenas nove
heróicos exemplares resistem em operação. Na África, são
dois na Gabon Express e dois na Waltair. Na Colômbia,
temos dois na Aerosucre, dois na Lineas Aéreas
Suramericanas e um na LANC. Aproximadamente mais doze
aeronaves estão paradas, em diversos países, porém em
condições de vôo. Algumas outras estão em museus.
Estas lindas aeronaves francesas estão estacionadas na
memória de quem teve o prazer de ver suas linhas
elegantes, de ouvir o silvo estridente de suas ruidosas
turbinas Avon, de olhar a paisagem passando através de
suas exclusivas janelas triangulares.
Adieu, La Belle Caravelle.
Gianfranco Beting