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Braniff: céus
coloridos
O Texas ganha
asas
Thomas E. Braniff e seu irmão Paul, começaram sua
carreira na aviação como sócios na Tulsa-Oklahoma City
Line em 1928, vendida para a Universal Aviation no ano
seguinte. Estabeleceram a Braniff Airways em 1930,
começando serviços com dois Lockheed Vega. A companhia
sobreviveu aos trancos e barrancos, sem contratos de
transporte de malas postais, fundamentais na época para
pagar os custos. Voava de Wichita Falls à Chicago, com
escalas em Lawton, Tulsa, Oklahoma City e Kansas City.
Em 1934, as coisas começaram a mudar: receberam o
contrato para voar correio entre Dallas e Chicago. Em 17
de maio decolaram as malas postais, e 13 dias depois, os
primeiros passageiros. Em 1935, os contratos postais
foram acrescidos de mais uma rota: Dallas-Amarillo. Em
12 de junho de 1937, iniciou serviços com o Douglas DC-2,
avançado para a época. A empresa crescia rápido.
Com a guerra, muitos dos planos ambiciosos de expansão
foram adiados. Mesmo assim, em 1943 recebeu direitos de
tráfego para o México. A empresa logo estabeleceu uma
subsidiária mexicana, a Aerovias Braniff, para
sedimentar sua base política do outro lado do Rio
Grande. Os vôos propriamente ditos só começaram em 4 de
abril de 1945, da Cidade do México para Nuevo Laredo,
conectando-se então à malha doméstica da empresa.
No cenário político, a Braniff conseguiu um golpe de
mestre: o Presidente Truman escolheu a empresa para as
novas rotas oeste da América Latina, dando à empresa
texana o direito de ligar Houston à Buenos Aires, com
direito de tráfego entre Havana, Panamá, Bogotá, Quito,
Lima, La Paz, Asunción, São Paulo e Rio. Em 4 de Junho
de 1948, a empresa tornou-seBraniff International, ao
inaugurar os vôos latino-americanos, batizados de "El
Conquistador", atingindo nesta data, com seus DC-6, a
cidade de Lima.
Crescendo em casa também
No front doméstico, a empresa continuou sua expansão,
embora quaisquer novas rotas fossem apenas autorizadas
pelo CAB. A empresa foi a primeira operadora no mundo do
Convair 340, em 1952. Em 1955 recebeu autorização para
voar para New York. E aproveitou a deixa para ligar, com
um só avião, a cidade aos seus serviços latinos, que
agora também incluíam o vôo batizado de "El Dorado". Em
1957, foram entregues os DC-7C para servir estes vôos.
Em 1959, em 15 de junho, inaugurou os serviços com os
Electras, na rota San Antonio-Dallas-New York.
A empresa entrou na era do jato puro com a compra dos
707-227, modelos feitos sob medida para as operações
latino-americanas em aeroportos quente e altos. Mais
potentes que os 707 então oferecidos, a Braniff fez
bastante ruído na mídia com seus Super 707`s. Para o
mercado doméstico, encomendou em 1961, o primeiro de 14
BAC One-Elevens operados nos Estados Unidos, só
entregues em 1965. Depois foi a vez dos 727-100 e -200,
um modelo que serviria de base para a frota da Braniff
até seus últimos dias.
Personalidades e céus coloridos
Harding Lawrence substituiu Charles Beard na presidência
da empresa. Lawrence foi um dos mais carismáticos,
controvertidos e comentados executivos de aviação nos
Estados Unidos. Um de seus primeiros atos foi encomendar
ao escritório de Jack Tinkler uma nova identidade
visual. O mundo ganhou, finalmente, cores nos aviões:
com o motto "The end of the plain plane", a empresa
lançou sua nova logomarca e imagem corporativa,
acompanhada de agressiva campanha de marketing. Da noite
para o dia, a Braniff virou assunto nacional.
Entusiasmado, Lawrence foi além e teve Emilio Pucci
contratado para desenhar os uniformes. Os assentos dos
aviões ganharam a forração de couro (empresa texana...),
a primeira no mundo a fazê-lo. Muitas dessas novidades
foram obra de Mary Wells, responsável pela conta da
Braniff na sua agência de publicidade. Mary deve ter
feito muito bem o seu trabalho: acabou casando-se com
Lawrence.
O fato é que os Boeings, Electra e BACs começaram a voar
pintados em 8 cores diferentes. Este padrão ficou
conhecido como "Solid Colors" e foi usado até 1971,
quando foi criado um segundo padrão, conhecido como "Two-Tone":
dois matizes da mesma cor eram aplicados, sendo que o
tom mais escuro ficava na parte superior da fuselagem.
As caudas, motores e turbinas deixavam de ser brancas,
como na pintura "Solid".
Big Oranges, Big Art
Em 1971 chegou o primeiro 747 da empresa, uitilizado na
rota Dallas-Honolulu, que havia sido ganha m 1969.
Pintados inteiramente de laranja, eram oficialmente
chamados de "747 Braniff Place" pela empresa, mas
acabaram conhecidos como "Big Oranges". Os 747 foram os
únicos wide-bodies usados pela Braniff.
Mas foi em 1973 que a empresa fez seu mais inesquecível
ato: contratou ninguém menos que Alexander Calder para
pintar - literalmente - um de seus aviões. O modelo
escolhido foi um DC-8-62, prefixo N1805. Calder recebeu
da empresa dez maquetes na escala 1:25, todas brancas.
Sobre elas, o artista debruçou-se e, pincel em punho,
executou diversos estudos. Até ficar satisfeito, foram
dedicadas algumas semanas.
O modelo de DC-8 escolhido e pintado pessoalmente por
Calder foi entregue à administração da Braniff, que
aprovando o padrão, apresentou-o à sua manutenção. Esta
propôs algumas pequenas mudanças de ordem prática.
Finalmente, cores de padrão aeronáutico foram escolhida,
e o DC-8 verdadeiro começou a ser pintado. Calder
pessoalmente dirigiu os trabalhos. E no caso das
nacelles dos motores, fez questão de pintar
pessoalmente, no pincel - os temas que ornamentaram as
turbinas dos jatos.
O desenho original foi ampliado 25x em papel e mascarado
de acordo com cada cor escolhida. Então, cada uma das
cores foi pintada num dia da semana: na segunda, o
vermelho. Na terça o azul, depois o amarelo, o branco e
na sexta feira, o preto. No dia 2 de novembro de 1973 o
DC-8, batizado de "Flying Colors of South America"
começou serviços regulares nas novas cores. Detalhe: não
havia nenhum nome de empresa pintado no avião, apenas a
assinatura do mestre, como toda obra de arte.
Arte voadora
Imediato sucesso, o DC-8 virava pescoços por onde
passasse. A iniciativa rendeu frutos: Calder foi
comissionado para mais dois projetos. O primeiro foi uma
pintura em comemoração ao bicentenário da empresa.
Aprovada e executada, ficou conhecida como "Flying
Colors USA". Aplicada no 727-200 N408BN, este foi
batizado oficialmente pela primeira-dama Betty Carter em
17 de novembro de 1975. O terceiro seria o "Flying
Colors México", que embora tivesse alguns estudos
pintados numa maquete, nunca foi aplicado à nenhuma
aeronave. O artista morreu durante os trabalhos e a
Braniff respeitosamente engavetou o projeto.
Desafios e crescimento
Numa década marcada pela forte expansão, obra do sempre
ambicioso Harding Lawrence, a empresa cresceu - mais do
que podia. Encomendou dezenas de Boeings 727-200 e
vários 747-alguns do modelo SP. Começou vôos para a
Europa em 1978 (Dallas-Londres) e em primeiro de junho
de 1979, de Dallas para Paris, Frankfurt, Amsterdam e
Bruxelas. Depois estas cidades passaram a ser servidas
desde Boston com os DC-8.
A megalomania não tinha limites: foi a Braniff a
primeira empresa aérea norte-americana a usar o...
Concorde! Num acordo com a British Airways, pilotos
americanos voavam (subsonicamente) entre Dallas e
Washington. De lá, os Concordes seguiam para a Europa. A
idéia durou apenas um ano, 1979, até que o bom senso -e
as contas de combustível- prevaleceu.
Nesta época (em 1978), foi lançado o último padrão de
cores da empresa, conhecido como "Ultra-look". Cores
sólidas novamente, em tons mais escuros, pintado por
toda a fuselagem. Na barriga, bordo de ataque da cauda e
na boca das turbinas, três listas finas em um tom mais
claro ou contrastante. O logotipo mudou também, para uma
letra quase manuscrita, em caixa alta e baixa.
Cores apagadas
A desregulamentação no mercado norte-americano ocorreu
justamente nestes dias agitados, ao final de 1978. A
Braniff abraçou a oportunidade com vigor de caubói
texano: vôos para a Ásia, Europa, Pacífico e América do
Sul foram inaugurados a toque de caixa, sem qualquer
estudo prévio. Os 747SP da empresa serviram, entre 1979
e 1982, os destinos de Guam, Honolulu, Hong Kong, Seul,
Singapore, Buenos Aires, Santiago, Rio de Janeiro, S.
Paulo/Campinas, Bogotá, Panamá. Até mesmo serviços para
Manaus foram inaugurados, mas tiveram vida curta: de 1º
de setembro de 1978 a 1980.
Uma dívida de mais de 350 mlhões de dólares, de longo
termo, pesava no balanço da empresa. A recessão de
1979-1980, o segundo "oil-shock" incidindo sobre uma
frota antiga e voraz, a excessiva capacidade dentro e
fora da empresa, yields em queda livre, entre outras
razões, levaram a empresa a uma situação irreversível.
Lawrence foi defenestrado da presidência em janeiro de
1981 e substituído por John Casey. A casa estava muito
desarrumada: Casey cortou todas as rotas do Pacífico e
Ásia, exceto Honolulu. Cancelou toda a Europa, menos
Londres. Demitiu funcionários, vendeu Boeings, reduziu
tarifas. Não foi suficiente. Sangrando, a empresa que um
dia deixou os céus coloridos foi se apagando, qual uma
aquarela lavada. Em 13 de maio de 1982, o último jato da
Braniff pousou em Dallas.
Old Airlines Never Die
Old Cowboys never die. E nem as companhias aéreas do
Texas. Se a Braniff fosse um filme de faroeste, poderia
muito bem se chamar "A empresa que se recusou a morrer".
O estado, os funcionários, até mesmo o cidadão texano,
todos enfim se recusaram a acreditar que a sua Braniff
poderia estar morta. Mas era fato: dezenas de Boeings
parados, coalhavam os pátios e hangares em Dallas.
O Grupo Hyatt, através de Jay Pritzker, fez a proposta
salvadora: investir e criar a Braniff MK2. Com uma frota
de 30 Boeings 727-200, reformados e pintados num
conservador padrão azul-vinho-cinza, a empresa voltaria
a voar desde o aeroporto Dallas-Love Field. Passaria a
se chamar oficialmente Braniff Airways, Inc e serviria
apenas o mercado doméstico, com vôos para 18 cidades,
todos non-stop de e para Dallas.
O vôo inaugural foi em primeiro de março de 1984. A
Braniff 2 cresceu rápido: adquiriu a Florida Express e
sua frota de vetustos BAC 1-11 (vários deles
originalmente operados pela Braniff nos anos 60!) e
montou um hub em Orlando. Comprou velhos 737-200 usados
e com eles estabeleceu outro hub em Kansas City. Frota
velha, diversificada, hubs separados... não era uma
receita que pudesse dar certo. Assim mesmo, a empresa
mantinha o ritmo acelerado e otimista de crescimento:
encomendou Fokkers F100 para substituir os BAC e 50
Airbus A320 para poder retirar os 727 de vôo. Chegou até
a receber alguns, mas já era tarde demais: nova
falência, desta vez em 28 de setembro de 1989.
A Fênix de Dallas
Não, não seria ainda desta vez: um grupo de
ex-funcionários, em 1990, comprou os direitos sobre a
marca e lançou a empresa charter Braniff International,
voando com seus antigos Boeings 727-200 pintados num
padrão que misturava as cores do Ultra Look com a
tipologia da era "Solid-Colors":revival puro. Serviços
regulares foram iniciados em julho de 1991 entre Dallas,
New York e Los Angeles. Em abril de 1992, já eram
novamente 16 cidades servidas.
Mas parece que as lições não foram aprendidas. Meses
depois, em março de 1993, a última das 8 aeronaves da
Braniff parou definitivamente, um triste e melancólico
final. Uma longa tradição, uma empresa de rica história
finalmente saia de cena.
Ou quem sabe não? A qualquer hora, outro texano maluco
aparece e cria a Braniff Mk 4? Afinal, esta parece ser a
empresa que nunca morre. Como num episódio de
"faroeste", aguarde os próximos capítulos...