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Boeing 707 no Brasil


Embora o primeiro jato comercial registrado no Brasil tenha sido o Sud Aviation Se-210 Caravelle, o primeiro tipo a efetivamente ser considerado um sucesso absoluto foi o Boeing 707. Trazido ao nosso país pela Varig, sua carreira contabilizou décadas de bons serviços, como você vai ver agora.

O Brasil na era do Jato

Em 2 de maio de 1952, entrou em operação o De Havilland Comet 1, primeiro jato comercial da história, inaugurando uma nova era na aviação. O quadrimotor colocou a Grã-Bretanha na dianteira entre os grandes construtores aeronáuticos mundiais. O esguio quadrimotor fez com que as três das grandes construtoras norte-americanas, Douglas, Boeing e Convair, corressem atrás do prejuízo, ou melhor, das pranchetas, em busca da liderança tecnológica perdida. A Boeing saiu na frente com o 707, seguido pela Douglas, que apresentaria seu quadrijato DC-8. Finalmente a Convair desenvolveu o modelo 880 e, posteriormente, o 990A.

Fiel à sua vocação de Pioneira, a Varig foi até os Estados Unidos e colocou, em setembro de 1957, o Brasil na era do jato. O presidente da Varig, Ruben Martin Berta assinou junto à Boeing a compra de dois Boeing 707-441, equipados com motores Rolls-Royce. Não satisfeito, depois Berta desembarcou em Toulouse, França, onde novamente foi às compras. Lá, a Sud Aviation havia lançado um bi-reator especificamente desenhado para vôos de trajetos médios e curtos, o SE-210 Caravelle. Em 16 de outubro de 1957 a Varig assinou o contrato de compra de dois Caravelle I, ao preço unitário de US$ 1.702.000,00. Dos três que a companhia eventualmente receberia, o primeiro, matriculado PP-VJC, chegou à base da companhia em Porto Alegre no começo da tarde de 24 de setembro de 1959.

Em 7 de dezembro de 1959, o Caravelle entrou em operação regular. Com a entrega da segunda aeronave (PP-VJD) em 12 de dezembro, havia condições de iniciar serviços a jato na linha para Nova York. Não que o Caravelle fosse uma aeronave projetada para vôos longos. Ao contrário, foi o primeiro jato desenhado especificamente para linhas curtas. Em 19 de dezembro de 1959, mais uma vez a Varig fez história: decolou o primeiro vôo RG 854, operado com Caravelle, entre Porto Alegre e Nova York. O vôo saía às 8h de Porto Alegre e chegava a Nova York às 21h do mesmo dia.

A despeito de seu sucesso nos serviços para os Estados Unidos, o Caravelle não fora encomendado para linhas intercontinentais. O equipamento deveria operar nas linhas-tronco domésticas e nos vôos para Buenos Aires e Montevidéu. O Caravelle estava sendo improvisado na linha para Nova York enquanto não ocorresse a entrega dos Boeing 707 originalmente encomendados para operar os vôos com destino à América do Norte. A Varig compensou dando um banho de luxo: Em sua configuração inicial, os Caravelle da Pioneira tinham apenas 48 poltronas do tipo "sleeperette" nos vôos para Nova York. O vôo era inicialmente Rio-Belém-Port of Spain-Nassau-Nova York, pois os jatos operavam com grande restrição de carga útil. Além disso, o serviço era exclusivamente de primeira classe.

No caso da versão do 707 encomendada pela Varig, aconteceu um imprevisto no desnvolvimento. Os Boeing 707 da Varig foram encomendados na versão 420, equipada com quatro motores Rolls-Royce Conway 508, os mais possantes disponíveis à época. O problema é que justamente esta versão, encomendada também pela empresa britânica BOAC, precisou de uma modificação nas suas superfícies de controle. Autoridades britânicas acreditavam que eram insuficientes as características de autoridade do leme de direção, em caso de perda de um ou mais motores, insuficientes para manter o jato sob controle em caso de pane. A solução foi aumentar a superfície da cauda, bem como instalar uma "barbatana ventral" próxima ao final da fuselagem. Essas modificações levaram a atrasos inevitáveis. O Boeing 707 teve de se contentar em chegar em segundo lugar na era do jato no Brasil. Pouco tempo depois, no entanto, suas características fariam dele sinônimo de modernidade, conforto, velocidade e segurança.

Chega o primeiro Boeing ao Brasil

O primeiro 707-441 (o sufixo "41" foi a designação reservada à Varig pela fabricante), seria também a primeira aeronave da Boeing, nova de fábrica, a ser entregue no Brasil. Depois dele, centenas de jatos Boeing seriam entregues à empresas brasileiras. Matriculado PP-VJA, saiu da linha de produção em 15 de fevereiro de 1960. Após passar por prolongados testes e modificações, foi finalmente entregue à Varig em 7 de junho de 1960. Coube ao comandante Nº1 da Varig, Geraldo Knippling, trazer o gigante entre Seattle e Nova York e desta, sem escalas, até Porto Alegre. Neste último trecho, um recorde foi estabelecido: 8.161 quilômetros voados non-stop em 09h33, mantendo uma velocidade média de 859 km/h. A segunda aeronave, PP-VJB, foi entregue pelo fabricante em 15 de junho de 1960.

Por seu tamanho, conforto e velocidade, o Boeing 707 converteu-se na estrela maior da companhia gaúcha. Apesar de poder acomodar mais de 150 ocupantes, recebeu configuração interna extremamente confortável: somente 48 assentos na primeira classe e sessenta na turista. Além disso, contava com nada menos que seis banheiros e mais um lavatório. Em 2 de julho de 1960, o PP-VJA voou pela primeira vez um vôo regular, sem escalas, na rota Rio-Nova York. Era simplesmente então a mais longa rota regular, sem escalas, na aviação mundial. Outro feito digno de monta na gloriosa história da Varig.

Os Boeing 707-441 da Varig operavam a rota para Nova York no limite de sua performance. Com tanques cheios ao máximo, muitas vezes era necessário sacrificar a capacidade de carga de porão. Desta forma, os vôos eram feitos sem escalas até Nova York. Isso tinha grande importância comercial. Os Boeing 707 usados pela Pan American, concorrente direta na rota, precisavam fazer uma escala em Port of Spain. Equipados com motores Pratt & Whitney JT4A, de maior consumo, os Boeings da PanAm não conseguiam operar entre Rio e Nova York non-stop. A Varig anunciava com grande destaque as operações sem escalas em ambos os sentidos. Vale lembrar que os Rolls-Royce Conway foram os primeiros motores "by-pass" operados no mundo. Eles reduziam ligeiramente o consumo do avião. Na verdade, foram os primeiros motores "turbofan" a entrar em operação, ainda que com baixa taxa de desvio, na casa de 0,2:1. De toda forma, essa pequena redução de consumo permitia à Varig voar sem escalas, ainda que com muitas restrições entre Rio e Nova York.

Em função disso, nesses vôos para Nova York, os 707 usavam praticamente toda a extensão da pista do Galeão. Álvaro Neto, que foi piloto de Boeing na Varig e hoje é diretor de operações na Azul, relembra algumas histórias magníficas que ouvia dos seus instrutores, veteranos comandantes dos 707 na Pioneira. "Essas velhas águias jamais esqueceram aquelas decolagens críticas, no peso máximo. Essas decolagens eram feitas nos limites máximos, exigindo, além de toda a potência dos jatos, muito sangue-frio e habilidade por parte dos pilotos."

Com a chegada do PP-VJB, um novo padrão de três vôos regulares semanais, sem escalas entre Rio e Nova York, teve início em 20 de julho. Os Caravelle voavam desde dezembro de 1959 duas vezes por semana de S. Paulo-Rio-Belém-Port of Spain-Nassau-Nova York. Mais tarde passou a operar também em Brasília. A Varig manteve após o inicio dos vôos com os 707, em 1960, 4 serviços semanais de Super Constellation para Nova York, dois com escala apenas em Port of Spain (operados somente com aviões com "wing tip tanks") e dois via Belém-Trujillo.

Os vôos com Boeing 707 em 1961 eram feitos três vezes por semana, duas vezes Rio-Nova York direto, e uma vez via Brasília e Port of Spain. A Varig manteve em 1961 dois serviços semanais de Super G de Porto Alegre a Nova York, via Rio-Belém-Port of Spain-Trujillo.

707-320C Intercontinental: o definitivo

A Varig estava muito satisfeita com o desempenho de seus Boeing 707. Mas, em 1961, a companhia absorveu o consórcio Real-Aerovias, então a maior empresa aérea do Brasil. Ao comprar a Real, herdou desta uma encomenda de 3 jatos Convair 990A, recebidos em 1963. Dois anos depois, ao receber parte do espólio da Panair do Brasil, a empresa gaúcha acabaria por receber um par de jatos Douglas DC-8. Em pouco mais de 5 anos, a Pioneira passou do zero para nada menos que 7 jatos operados: dois DC-8, dois Boeing 707 e três Convair 990A. Uma situação única no mundo: nenhuma outra empresa aérea operou simultaneamente com os três principais quadrimotores a jato de grande porte desenvolvidos nos Estados Unidos.

A liquidação da Panair apresentava um desafio à Varig, que "herdara" as rotas européias. Assim, desde 1965, a Varig precisava mesmo de uma aeronave capaz de voar entre Rio e Londres, Madri, Paris, Roma, Frankfurt e Lisboa, as primeiras cidades na malha européia. Isso era fundamental para a Varig, pois as rotas para o Velho Continente da recém liquidada Panair eram uma velha ambição de Ruben Berta.

E como o modelo efetivamente escolhido pela gaúcha era mesmo o Boeing 707, em 1966 a companhia anunciou a compra de seus três primeiros Boeing 707-341C (C de Convertible, de passageiros a carga e v. versa), a versão mais aperfeiçoada dentre todos os 707 desenvolvidos. A versão 320C era equipada com quatro motores Pratt &Whitney JT3D, com 18.000 libras de potência. Apresentava refinamentos aerodinâmicos, maior capacidade nos tanques (96.360 litros) e maiores pesos de decolagem, chegando a 152 toneladas. Como conseqüência, os 707-341C da Varig podiam voar mais longe - aproximadamente 9.900 km, suficiente para voar sem escalas entre o Rio de Janeiro e as principais cidades européias. Não menos importante, a nova versão possuía ainda uma porta de carga no deck principal. Dessa forma, a Pioneira podia retirar todos os assentos e levar somente carga no deck principal, que contava com piso reforçado para este tipo de missão. A companhia recebeu os 707 e imediatamente colocou as máquinas nas rotas para Nova York e Europa. Como o alcance dos 341C era muito maior do que o dos veteranos PP-VJA e PP-VJJ, estes dois últimos foram praticamente confinados a operar as rotas para Miami, Costa Oeste das Américas e sul-americanas.

O comandante Geraldo Knippling mais uma vez foi o escolhido para trazer o novo equipamento para o Brasil. Ele liderou a turma de comandantes e pilotos da Varig que tomaram o rumo de Seattle, nos Estados Unidos, ao final de 1966. Em conversas com este notável aviador, ficou claro o seu encanto pelo Boeing 707 na versão Intercontinental. Os dois primeiros na frota da Pioneira (PP-VJR e VJS) foram entregues em 28 de dezembro de 1966.

Rapidamente outras aeronaves foram trazidas. Em 1967, chegou o PP-VJT. Em 1968, o PP-VJK e o PP-VJX. Em 1969, entraram para a frota o PP-VJH, VJY e VJZ. Em 1971, o PP-VLI e VLJ. No ano seguinte, o VLK, VLL e VLM. Em 1973, o PP-VLN, VLO e VLP. Finalmente, em 1974 o último recebido, matrícula PP-VLU.

É bom notar alguns fatos interessantes. Alguns dos Boeing 707-320 recebidos pouco ou nunca operaram vôos de passageiros, sendo prioritariamente empregados em vôos de carga. Como exemplos, temos o PP-VLJ e VLU. Outros exemplares, apesar da configuração "Cargo", poucas vezes transportaram somente carga. O PP-VJH, VJK e VLO são exemplos. Nota-se que o Boeing 707 conferia à Varig uma desejável flexibilidade operacional. A empresa podia mudar substancialmente sua capacidade de transporte, adicionando cargueiros ou convertendo-os em aeronaves de transporte de passageiros, de acordo com as necessidades de mercado. O Boeing 707 seria, por estas razões, o sustentáculo da entrada, crescimento vigoroso e dominação da Varig nas rotas intercontinentais operadas por empresas brasileiras.

Pode-se dizer que o Boeing 707 foi o "Flagship" da companhia por exatos e longos 14 anos, desde a chegada do VJA a Porto Alegre em meados de 1960 até 1974, quando a Varig receberia seu primeiro McDonnell Douglas DC-10-30. Durante esses longos 14 anos - por sinal, os anos de máxima excelência e prestígio nos serviços e na imagem da Varig - o Boeing 707 foi a estrela maior. E, à medida em que as aeronaves do tipo eram entregues, eles foram gradativamente padronizando a frota de longo curso da Pioneira. Com a entrega do PP-VJT em março de 1967, a Varig retirou de serviço e vendeu o Convair 990A PP-VJE. Com a entrega do VLJ e VLI em 1971, a gaúcha retirou definitivamente de operação os Convair remanescentes, PP-VJF e VJG. Apenas um único DC-8 remanescente dos tempos da incorporação da Panair, o PP-PDS, voaria até 1975.

O Boeing 707 foi o equipamento fundamental da Pioneira em sua vigorosa expansão internacional, que ganhou impulso justamente pela entrega de mais unidades do tipo. Em 25 de junho de 1968, por exemplo, foi inaugurada uma rota herdada da Real: os vôos para o Japão. O vôo RG 830 partiu com um Electra do Aeroporto do Congonhas. No Galeão, troca para o equipamento 707, matrícula PP-VJS, com decolagem às 21h. Após escalas em Lima, Los Angeles e Honolulu, a chegada a Haneda, em Tóquio, ocorreu às 16h (horas locais) dois dias depois, em função dos fusos horários. O vôo inaugural para o Japão esteve sob responsabilidade dos comandantes Carlos Homrich (à época, Diretor de Operações), Schittini e Nagib.

Outro grande momento de nosso país foi protagonizado por um Boeing 707: a honra de transportar a seleção tri-campeã mundial no México coube ao já histórico PP-VJA. Por sinal, esta seria a primeira vez, de três, que a Varig traria de volta ao Brasil a seleção brasileira com as faixas de campeã mundial de futebol. Nesse ano cheio de novidades, a empresa aumentou suas freqüências para a Europa, passando a operar onze vôos semanais, bem como expandiu de dois para três os vôos semanais para Tóquio. Em 30 de junho, mais um vôo semanal para Madri elevou as freqüências para o Velho Continente para uma dúzia por semana. Antes desse memorável ano acabar, em 21 de agosto de 1970, a companhia inaugurou o primeiro vôo para a região meridional da África, um mercado que os Boeing 707 da Varig viriam a desbravar nos anos seguintes. Nessa data, o PP-VJS inaugurou a rota Rio - Johannesburgo - Luanda - Rio.

Perdendo a primazia

O período entre a segunda metade da década de 60 e primeira metade da década de 70 ficou marcado por instabilidades políticas no Brasil e em vários países em todo o mundo. O ideal socialista, que ganhava força nesse período apresentou uma faceta especialmente danosa às companhias aéreas: os seqüestros aéreos. A Varig não foi exceção, sofrendo pelo menos quatro seqüestros. Entre eles, um fato extremamente curioso: o Boeing 707 PP-VJX foi seqüestrado nada menos que três vezes. Essa curiosa sina teve início em 4 de novembro de 1969. O jato voava de Buenos Aires a Santiago do Chile, sob comando de Geraldo Knippling, quando três seqüestradores, todos jovens estudantes paulistas, invadiram a cabine. O Boeing prosseguiu para o Chile antes de voar para Havana. Meses depois, em janeiro de 1970, o VJX foi novamente interceptado, desta vez em um vôo entre Lisboa e Rio. Finalmente, em 12 de março de1970, a aeronave foi seqüestrada durante um vôo entre Santiago do Chile e Buenos Aires. Todas as viagens terminaram em Havana, Cuba, felizmente sem mortos ou feridos.

O ano de 1973 seria marcado por tristes acontecimentos, sobretudo na Varig. Além da primeira grande crise mundial do petróleo, o funesto "Oil Shock", o ano entrou para a história pois aconteceram dois acidentes fatais envolvendo jatos 707. O primeiro com o cargueiro PP-VLJ, que caiu segundos antes do pouso no Galeão, em 9 de junho. A aeronave submergiu na baía de Guanabara, matando dois dos quatro tripulantes.

Além da Varig, somente outra empresa brasileira operou o Boeing 707 em serviços regulares de passageiros: a saudosa Transbrasil. A história do tipo na empresa começou com o arrendamento de uma aeronave da própria Varig, o PP-VJS trazido como cargueiro em setembro de 1982. A aeronave operou na Transbrasil com esta matrícula até novembro de 1984, quando foi devolvida às Pioneira. A Transbrasil gostou tanto do modelo que acabou por definir o tipo como ferramenta para permitir rápida expansão no mercado doméstico. A partir do final de 1984, começou a receber aeronaves de segunda mão, que passou a empregar da mesma forma que a Varig fazia: com total flexibilidade, adaptando as aeronaves para vôos de carga ou de passageirosm, conforme os humores e necessidades do mercado. Em rápida sucessão, a empresa recebeu 10 aeronaves, matriculadas PT-TCJ, TCK, TCL, TCM, TCN, TCO, TCP, TCQ, TCR e PT-TCS, este último entregue em janeiro de 1987.

A Transbrasil operou pelo menos dois de seus Boeing 707 em configuração VIP. O PT-TCK e o PT-TCP foram adaptados para realizar uma série de vôos charter para a Engesa, fabricante brasileira de material bélico. A empresa, à época, exportava material militar (tanques e carros de assalto, entre outros) sobretudo para países no Oriente Médio e África. Esses 707 eram despachados nessas missões únicas, com tripulantes da Transbrasil, que colecionaram boas memórias desses vôos especiais para destinos exóticos. A bordo, os 707 apresentavam camas, sofás, equipamentos de video-cassete e mesas de trabalho, em configuração típica de aeronave executiva. Do lado de fora, as aeronaves eram identificadas com o nome da subsidiária AeroBrasil, criada justamente para operar esses vôos especiais. E levavam ainda discretos logotipos da Engesa.

Por essas e por outras, seria apropriado chamar as aeronaves da Transbrasil de "coleção" de jatos 707, ao invés de frota: praticamente não havia duas iguais. Isso se deve ao fato de que estes jatos vieram usados das mais diferentes procedências. Desta maneira, muitos de seus sistemas, componentes e peças de reposição não apresentavam grande comonalidade. Logo, esta característica mostraria conseqüências muito negativas. Panes constantes dificultavam as operações, levando a atrasos, cancelamentos e dificuldades operacionais de toda sorte. A baixa confiabilidade dos veteranos 707 empregados pela Transbrasil começou a arranhar a imagem da empresa. Afinal, é bom lembrar que os Boeing 707-320C não foram projetados para curtos trechos domésticos, como aqueles que a Transbrasil destinou para a operação do tipo.

Os Boeing 707 operaram vários vôos regulares exclusivamente de passageiros a partir de 1985. O TR 706 partia de Porto Alegre as 09h00 todas as segundas, quartas e sextas, escalava no Rio e Recife antes de chegar as 16h00 à Fortaleza. Retornava como TR 707 pelas mesmas cidades. Os vôos TR 704/705 operavam somente entre Porto Alegre e Rio, às terças e quintas. Em 1986, a companhia alterou o vôo 706: os Boeing 707 passaram a unir Porto Alegre, Guarulhos e Galeão, quando tinha seu número de vôo alterado para TR420, prosseguindo para Brasília. Outro vôo Rio-Brasília, operado de segunda a sexta, era o TR422, que partia do Galeão as 19h30 e chegava ao Distrito Federal as 21h00, retornando como TR423 as 22h00, com chegada ao Rio as 23h30. O TR707 partia diariamente as 17h15 do Galeão escalando em Guarulhos as 18h05, antes de pousar em Porto Alegre as 20h00.

Em 1987, o Boeing 707 passou a servir novos destinos. O TR514 partia de Guarulhos diariamente as 08h00 com destino a Brasília, onde chegava as 09h20. O TR470 partia todos os dias do Galeão as 08h00, escalava em Belo Horizonte, Brasília, São Luis e, ufa, chegava a Belém as 15h05, ao menos no papel. Na prática, estes vôos viviam cronicamente atrasados, fato percebido pelos passageiros mais frequentes. Outro vôo do timetable de 1987 era o TR 706, operado de segunda a sexta entre Guarulhos (partidas as 11h10), Galeão, Salvador, Recife e Fortaleza, com chegada ao Ceará as 18h00. O TR 197 unia diariamente Guarulhos, Galeão e Manaus. O TR 471 operava entre Belém (16h00), Brasília, Belo Horizonte e Galeão, onde pousava as 21h40 diariamente. Mas quem batia o recorde de escalas era o TR500: partia todos os dias as 19h45 de Guarulhos, passava por Rio, Recife, Natal, Fortaleza e Belém antes de chegar a Manaus as 06h50 do dia seguinte! Da mesma maneira, o TR 501 partia diariamente de Manaus às 19h45, escalava em Belém, Fortaleza, Natal, Recife, Rio e chegava a Guarulhos as 09h05 do dia seguinte. Essa maratona aérea era demais para os cansados Boeing 707: as panes eram tão frequentes que os passageiros ligavam para o aeroporto, perguntando "qual o tamanho do atraso" a cada dia.

Até mesmo os pilotos sabiam disso. E cunharam na época um apelido carinhoso para os Boeing 707: "Transformers". Segundo os aeronautas, as panes de motores eram tão frequentes que os Boeing se "transformavam" a cada operação: taxiavam como quadrimotores 707, decolavam como trimotores 727 e pousavam como 737, com apenas dois motores em operação!

O que não teve graça alguma foi um incidente grave: em 1987, durante aproximação final para o aeroporto dos Guararapes, no Recife, um Boeing 707 literalmente perdeu um dos motores. Um dos quatro enormes Pratt & Whitney projetou-se lá do alto, caindo no jardim de uma casa, felizmente sem ferir ninguém, a não ser a já arranhada imagem da companhia. O incidente serviu ao menos para catalizar a atenção da alta adminiatração da empresa, que achou por bem retirar definitivamente o tipo de serviços de passageiros. Com a aceleração de entregas dos Boeing 737-300 a partir daquele ano, a Transbrasil rapidamente resolveu reduzir sua frota dedicada a transporte de passageiros. Ao final de 1987, os 707 foram oficialmente relegados a vôos cargueiros.

Os Boeing 707 ainda voariam por muito tempo no Brasil, mas sempre em missões da carga. Empresas como Phoenix, Beta, Skymaster, Skyjet e outras tantas empregaram o modelo até bem pouco tempo atrás, o que não deixa de ser um testamento e tanto para o tipo. Aeronaves com mais de 100 mil horas de vôo cruzavam até recentemente o céu brasileiro, carregando toneladas de carga, a despeito de todas as dificuldades operacionais e da baixa eficiência de seus motores, se comparados a tipos mais avançados. Mas respeito é bom e a longeva carreira do Boeing 707 no Brasil merece reconhecimento. Um tipo único, elegantíssimo e carismático, que deixa muita saudade. O consolo é que haverá sempre um lugar de honra para o 707 na história da aviação comercial brasileira.

 

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