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Vasp VP4014
Até quem não conhece aviação sabe que a ligação entre os
aeroportos de Congonhas (SP) e Santos Dumont(RJ),
popularmente conhecida por Ponte Aérea, é a rota mais
nobre de nossa aviação comercial. Não é surpresa também
que seja uma das rotas mais disputadas de nossos céus.
Os donos das empresas aéreas tentam utilizar sempre as
melhores e mais modernas aeronaves. Os tripulantes
adoram os vôos, pois podem fazer várias etapas e ainda
por cima, pernoitar em suas próprias casas depois de um
dia de trabalho. Os diretores financeiros também ficam
satisfeitos, observando o caixa engordando.
Não é para menos: a bordo, boa parte do PIB brasileiro,
de terno e gravata, enche as aeronaves que ligam as duas
mais importantes cidades brasileiras. Portanto,
acredita-se que qualquer empresário da aviação trate de
fazer de seu produto nesta rota um verdadeiro cartão
postal de sua empresa. Ou pelo menos, tente.
Há anos a Vasp resolveu adotar um posicionamento de
mercado baseado numa política agressiva de pricing: o de
cobrar as tarifas mais baixas entre as grandes empresas,
uma "low-fare" ainda que não seja exatamente uma
low-cost. E, de fato, cobrando R$169,00 pelo trecho
(ante R$ 299,00 ou até R$309,00 de suas rivais), pode-se
afirmar que a Vasp esteja seguindo à risca o seu
posicionamento. Isso é compreensível e louvável. Mas
descuidar de características fundamentais do serviço,
como a tramitação em solo e a refeição? É difícil
entender.
Apresentei-me em Congonhas para o curto trecho até o Rio
de Janeiro, normalmente feito em 35 minutos de vôo. Pois
foi exatamente este o tempo que passei na fila,
aguardando para ser atendido. Trinta e cinco minutos de
pé no saguão, numa fila única que misturava passageiros
com destino a Belo Horizonte, Salvador e ao Rio.
Beira o inacreditável: a Vasp, que tem feito os maiores
esforços para dar lustro à sua imagem, comete um erro
desta magnitude, bem no meio do saguão de nosso "templo
maior" da aviação. Enquanto nos balcões das outras
empresas as filas eram pequenas ou inexistentes, chamava
a atenção dos passantes essa enorme jibóia humana que
serpenteava pelo ambiente, tentando se acomodar
desajeitadamente no limitado espaço. Era pouco mais de
meio-dia e, percebi depois, os vôos não estavam lotados.
Seja como for, os procedimentos de check-in foram lentos
e irritantes.
A situação ficava ainda mais angustiante pela presença
atrás de mim, da passista / sambista/ atriz / modelo /
manequim Solange Couto, que espremida num justíssimo
vestidinho, gritava ao celular, como se estivesse no
balcão de seu botequim. Ela falava tão alto com sua
filha no Rio De Janeiro, que seria até possível
dispensar o celular: provavelmente até na Cidade
Maravilhosa poder-se-ia escutar sua voz.
Seja como for, chegou minha vez de fazer o check-in,
acompanhado de meu amigo Drummond da Revista Tecnologia
e Defesa. Apresentei os bilhetes e os documentos de
identificação e solicitei dois assentos juntos, de
preferência nas poltronas Alfa e Bravo, para assistir
melhor à chegada no Rio. O funcionário que me atendeu
fez aquele ar de funcionário público: franziu o cenho,
enterrou a cara fechada no computador e já foi dizendo:
ih, tá difícil... vôo lotado... vamos ver se consigo
alguma coisa... enfim, devolveu os bilhetes junto com o
boarding pass, com aquela expressão de quem fez um
grande favor: "Deu pra conseguir o 8E e 8F. Boa viagem.
Próximo!"
Sala de embarque: tempo para tomar uma água e já fomos
para o pátio: hora de embarcar no Vasp 4014. A aeronave
que faria o vôo naquele dia era o PP-SOT, um veterano
737-300 da Vasp, que embora tenha sido entregue em 1991,
encontra-se excepcionalmente bem mantido, por dentro e
por fora. Afinal, se há algo de que a Vasp pode
justificadamente se orgulhar é de sua manutenção.
Embarcamos no vôo "lotado" conforme informara o rapaz do
check-in 20 minutos antes. Para nossa surpresa, o Vasp
4014 teve suas portas fechadas "lotado" com 29
passageiros, menos de 20% dos 132 assentos ocupados. Na
porta da aeronave, três jornais estavam disponíveis para
quem quisesse: Valor Econômico, Jornal do Brasil e
Estado de São Paulo. Esse é um detalhe muito bom dos
vôos da Ponte, e um ponto positivo para a Vasp.
Ah! Embora já tivesse embarcado e estivesse sentadinha
em seu assento, nossa gloriosa Solange Couto ainda
matraqueava a plenos pulmões pelo celular, embora o uso
do aparelho fosse proibido à bordo. Ah, os privilégios
de pertencer à Venus Platinada...
Portas fechadas, o Cmte. Ari e sua tripulação dão as
boas vindas e o 737 é tratorado do box para o pátio, em
mais uma operação on-time. Três minutos depois, está
taxiando para a cabeceira 35 de Congonhas, e o faz
rapidamente, pois este é um horário de tráfego
relativamente leve em CGH. O 737 nem pára na cabeceira:
o comandante prefere fazer o que se chama de "rolling
take-off", que acontece quando a potência vai sendo
adicionada aos motores gradativamente, enquanto a
aeronave ainda taxia em direção ao eixo da pista. Leve,
o PP-SOT subiu como um rojão, e foi ganhando altura na
manhã quente e clara que fazia em São Paulo. Subimos e
estabilizamos em minutos.
Começou o serviço de bordo. Como era um vôo que decolava
as 13:15, provavelmente 99% dos passageiros não tiveram
tempo de almoçar. A agenda apertada combinava com a
fome, certo? Sim, e a Vasp nos apresentou... um misto
quente.
Agora vai a visão de quem foi diretor de marketing e de
serviço de bordo de uma companhia aérea. De quem, por
dever de ofício, contratava frequentemente pesquisas de
opinião junto aos passageiros. Vai aqui um manifesto e
um pleito de quem está do lado de cá do balcão, do lado
dos passageiros. Senhores
presidentes/administradores/diretores de serviço de
bordo de nossas companhias aéreas: saibam que no mundo
todo, mas em especial no Brasil, avião é enxergado pela
esmagadora maioria dos passageiros como um restaurante
alado. Não é minha opinião. É resultado de várias
pesquisas que apontam a alimentação como um dos fatores
primordias na avaliação dos serviços de uma empresa
aérea.
Ora, um mirrado misto-quente à guisa de almoço, para um
público que está a trabalho e provavelmente não terá
tempo de comer em terra? Não estamos pedindo Lagosta ao
Thermidor, camarão no espeto, fraldinha no sal grosso
(embora não fosse uma má idéia). Mas pagando R$ 4,82 por
minuto voado (R$169,00 / 35 minutos) a gente merece
mais. E sabendo então que um lanche bastante razoável
não custaria à Vasp mais do que R$ 7,00 ou R$ 8,00 (ou
dois minutos voados), ficou a clara sensação, aumentada
pelas borboletas que voavam em minha rotunda e então oca
cavidade abdominal, que eu e os outros passageiros
estávamos no lado credor da equação.
Acorda, Vasp. Ou então, vá lá: cobre dos passageiros por
lanches mais elaborados. Eu pagaria R$ 10,00 para matar
minha fome e poder sair do Santos Dumont sem ter de me
preocupar em comer alguma coisa em terra. Mas não: é o
esquálido sanduichinho e bebidas. E Papa Tango,
saudações.
Então, bolas, neste flight report só nos restou olhar
pra fora e assistir uma das mais belas paisagens
desfilando lá embaixo, sob um lindo dia de sol. Ficamos
vendo os lagos de Paraibuna, o belíssimo litoral norte
paulista, divisa com o litoral sul fluminense. Angra e
suas praias e ilhas e enseadas mágicas, esmeraldas e
azuis. A restinga da Marambaia vai passando, a gente
esquecendo a fome... e iniciamos a descida.
Daí o espetáculo maior que sempre é a chegada em São
Sebastião do Rio de Janeiro. Quarenta e um minutos após
nossa saída, o PP-SOT fez um pouso macio e taxiou para o
mais belo e charmoso aeroporto do mundo. Motores
cortados, o Boeing "lotado" com 29 passageiros foi
rapidamente esvaziado. Caminhando pelo pátio sob um sol
de 35ºC, lembrei da imortal frase de Noël Coward, quando
certa vez perguntaram-lhe como havia sido seu vôo. Sua
lapidar resposta: "aeronauticamente, foi um sucesso.
Socialmente, deixou muito a desejar."
Avaliação: notas vão de zero a dez.
1-Reserva: Nota 10.
Sem problemas.
2-Check-In: Nota 0.
Imperdoável.
3-Embarque: Nota 10.
Rápido e eficiente
4-Assento: Nota 7.
Bancos de couro, pitch correto.
5-Entretenimento: Sem nota.
Não há, mas pontos pelos 3 jornais oferecidos.
6-Serviço dos comissários: Nota 7.
Pouco a fazer, mas sem muito entusiasmo ou simpatia.
7-Refeições: Nota 2.
Se eu tivesse dado aquele sanduíche para meu cachorro,
provavelmente ele me morderia.
8-Bebidas: Nota 6.
Razoável: cerveja, água, suco, refrigerantes.
9-Necessaire: Sem nota.
Não há.
10-Desembarque: Nota 10.
Todo desembarque em SDU é nota dez.
11-Pontualidade: Nota 10.
Tudo on time.
Nota final: 6,88
Comentário final: Ô, Vasp, capricha mais, Vasp... O
check-in demorou tanto quanto o vôo. E cortem custos em
outras áreas que não o serviço de bordo, por favor. Sim,
eu sei que ao final de um ano, cada azeitoninha na
empada acaba resultando em milhões e milhões de reais de
economia. Mas quem aí já mediu quanto a política de
cortar custos não acaba por cortar a Vasp da lista de
preferências dos passageiros?
Não estamos pedindo muito: nos vôos cedo de manhã, um
cardapiozinho de desjejum, e um reforcinho na hora do
almoço e do jantar. Combinado?
Gianfranco Beting