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Trip Fernando de Noronha
Quatro e meia da manhã e estou acordado, olhando para o
despertador programado para tocar as 04:45. Coisa de
quem tem bebê de dois meses. A temperatura externa de
11ºC, não estimulava muito a saída da cama, mas quando
pensei na jornada adiante, dei um salto para o chão.
Corte seco. Agora são 06:15 da manhã e o táxi acabou de
me deixar, sonolento, em frente ao Aeroporto de
Viracopos, Campinas. O dia timidamente ensaia raiar,
ainda está escuro no interior paulista. Entro no
novíssimo terminal, vazio. Afinal, era domingo e Dia dos
Pais.
Apresento-me no balcão da TRIP Linhas Aéreas e sou
recebido por Fernando, encarregado de me conduzir ao vôo
8R 9601, uma vôo especial non-stop da cidade sede da
empresa, Campinas, para Fernando de Noronha, que
completava 500 anos justamente naquele dia.
Rumava para FEN a trabalho, para fotografar os dois
aviões ATR da empresa, que estariam juntos no solo da
paradisíaca ilha por algumas horas, trazendo convidados
para as festividades dos 500 anos. Nosso trecho de 1670
milhas (2688 km) seria cumprido sem escalas numa das
duas aeronaves que são o orgulho da frota da TRIP, os
ATR 42. Programado para aquele vôo estava o PP-PTC,
fabricado em 1986 e entregue à regional paulista em
dezembro de 1999.
Fernando logo me entregou o boarding pass e me
apresentou aos meus companheiros de viagem: o comandante
Guardiola e o F/O Isidoro. Voando conosco estaria também
Ricardo, irmão do Cmte. Guardiola. Seríamos os únicos
ocupantes do ATR 42 no longo trecho até a nossa maior
ilha oceânica. Um vôo e tanto. Ao tomarmos juntos um
cafezinho no terminal, já quebramos o gelo e começamos a
discutir animadamente o dia à nossa frente: chegar à FEN
na data dos 500 anos, num vôo direto de VCP, tornava a
jornada ainda mais especial, mesmo para os veteranos
tripulantes.
O ônibus da Infraero nos deixou no Box 01 do pátio em
VCP, e a baixa temperatura externa garantia movimentos
rápidos da turma de pista, que preparava o PTC para o
longo trecho. Nossa partida estava prevista para as
07:00, justamente quando o trator começou a empurrar a
aeronave para a posição de onde ele sairia taxiando as
07:03.
Com os tanques cheios até o limite de 4.500kg, mas
apenas eu e Ricardo de "passageiros", o ATR apresentava
um TOW de 15.500kg, 1.200kg abaixo de seu peso máximo de
decolagem. A torre de VCP informava ao F/O Isidoro as
condições de nossa decolagem: vento de 180 com doze nós,
temperatura de 11ºC, ajuste QNH 1023. Subida SID
Bragança, com proa direta para o aeroporto de Confins
(CNF).
Eram 07:06 e Guardiola posicionou o ATR na pista 15,
junto à intersecção alfa, não havendo necessidade de
usar os 3.240 m para nossa decolagem. Afinal, o ATR foi
desenhado para usar pistas curtas. Potência aplicada,
nossa longa jornada começa: com pouco mais de 600m, o
ATR está correndo na pista ao atingir sua V1/VR de 96 kt,
quando vence Newton e sua Lei. V2 de 104 kt logo
ultrapassada, o trem de pouso recolhido, subimos
continuamente até o FL 210 (21.000 pés) e entramos na
aerovia Upper Whisky 13, que nos levaria diretamente à
vertical de CNF.
Queimando 550kg de combustível, média normal na primeira
hora de vôo do ATR, chegamos à altitude de cruzeiro de
21.000 pés e nivelamos, quando então começamos o nosso
vôo em regime de quase autonomia máxima. Em seguida,
após queimarmos mais combustível, subiríamos para o
nível 230 e finalmente, 250, nosso FL até o destino
final.
Guardiola estudava os ventos e as proas do ATR, de
maneira a diminuir ao máximo o consumo de combustível.
Afinal, o nosso ATR não seria reabastecido em FEN, tendo
de voltar para REC naquela noite, antes de regressar
para Viracopos, onde pousaria nas últimas horas daquele
Dia dos Pais. Os ventos não estavam à nosso favor,
soprando com intensidade em nossa proa. Guardiola então
solicitou ao centro Brasília manter o FL 210, onde
tínhamos ventos frontais de menor intensidade. Nossa
velocidade em relação ao solo estava na faixa de
195-200kt, uma sensível redução em relação aos cruise
speeds normais num ATR, por volta de 240-250kt. Para
diminuir um pouco a minha sensação de saco, resolvi
trabalhar também e fui servir o café aos tripulantes.
Afinal, para aquele vôo de traslado, não havia
tripulações de cabine a bordo do ATR. A comissaria,
porém, havia colocado a bordo refeições suficientes para
os quatro ocupantes.
Entrei no cockpit trazendo o café e, pela receptividade,
acho que não me saí tão mal assim. A viagem prosseguia,
observando atentamente os procedimentos de pilotagem.
Guardiola e Isidoro me explicavam os sistemas e
procedimentos da aeronave, que eles não disfarçadamente
adoram.
E prosseguíamos ouvindo os relatos de Guardiola, nos
tempos em que voava bandeirante nas extintas VOTEC e
Brasil Central. Nosso comandante fala com o entusiasmo
das pessoas que têm a sorte de amar o que fazem. Filho
de um piloto de P-47 e B-26 na FAB, ele ama os aviões e
a aviação, e passa esse entusiasmo para aqueles com quem
convive. Isidoro, também um grande apaixonado pelo que
faz, veio da Interbrasil, onde pilotava os EMB-120
Brasília, até seu melancólico fechamento.
Nosso comandante, ou "aviador", como prefere ser
chamado, aproveitou para destacar os pontos altos do ATR:
versatilidade operacional, conforto ao passageiro e o
Hotel Mode. Este é um sistema que utiliza parte da
potência da turbina PW120, instalada no motor direito,
para fornecer energia ao avião quando em solo,
substituindo um APU. Com um consumo de 80kg de
combustível por hora, o Hotel Mode dá total
auto-suficiência em solo ao ATR. Guardiola também
elogiou a docilidade de comando do ATR e suas baixas
velocidades de estol e aproximação, que são de 88kt com
pouco peso ou apenas de 80kt com flaps 45.
O vôo prosseguia e 20 milhas depois do través de
Varginha, Isidoro solicitou ao centro Recife, que
controlava nosso vôo, uma proa direta para FEN, no que
foi gentilmente atendido: voaríamos até o fixo ARUBI (no
través de Caravelas, sul da Bahia) e de lá direto para
FEN, o que diminuiria nosso tempo de vôo.
O domingo passava e da janela, via as cidades e vilas lá
embaixo. Deu uma pontinha de saudade da família, mas foi
só olhar para fora e ver Salvador brilhando ao sol que o
banzo se desfez, apagado pela magia de voar. Então
fiquei olhando para as 46 poltronas vazias do ATR, uma
sensação engraçada e estranha ao mesmo tempo, pois não é
sempre que se voa num avião comercial totalmente vazio.
Continuamos num clima descontraído, falando de aviões e
de aviação. Os pilotos revezavam-se no comando e nas
comunicações de rádio, e mantinham total atenção ao
consumo. Guardiola estimou que chegaríamos a FEN com
1.800 kg de combustiível restante.
A fome apertou e fui para a galley, onde peguei uma das
caixas de lanche colocadas à nossa disposição. Meu
solitário almoço no Dia Dos Pais foi em algum lugar
entre Recife e Natal. O som dos dois motores PW120 mudou
finalmente às 12:49, quando o PP-PTC chegou ao TOD (Top
of Descent) o ponto de abandono do regime de cruzeiro.
Com as turbinas emitindo menor ruído, o ATR iniciava sua
descida à ilha. Era com emoção que chegava a FEN, pois
aguardava há muito tempo uma opertunidade de conhecer
Fernando de Noronha, um lugar que habitou minha
imaginação desde os tempos de garoto, quando ouvia Omar
Fontana (sempre ele?!) falando com entusiasmo da Ilha
que sua Transbrasil servia com os BAC 1-11 e, depois,
com os Boeing 727. E como mergulhador, tinha ainda mais
vontade de conhecer de perto este que é um dos lugares
mais belos do Brasil, como você pode ler na seção
Destinations.
Fui despertado de minhas fantasias de Noronha pelo PA: a
voz de Guardiola, carregando no seu sotaque gaúcho,
comandava:
Bah, Guri! Mas vais perder o pouso na cabine? Vem pra
frente, Gian, que já estamos chegando!
Ordens são ordens. Segundos depois já estava me
amarrando ao jump-seat da cabine do PP-PTC. E a
espetacular visão da ilha foi preenchendo o visor à
nossa frente. O mar de um azul profundo recortava as
baías e enseadas protegidas, os costões de pedra, os
picos verdejantes. Noronha é deslumbrante.
Entramos pelo setor Echo, a leste da ilha e contornamos
o arquipélago pelo norte. Guardiola avisou que iríamos
pousar direto, para economizar combustível. E às 13:39,
hora de Brasília, ou 14:39, hora local, as rodas do
PP-PTC tocaram na pista 12 de Noronha, encerrando essa
etapa de 06:33 de vôo.
Fizemos o Back-track, que é a manobra de taxiar de volta
ao terminal pela própria pista, já que FEN não tem
taxiways ao longo de toda a extensão da mesma. Paramos
no pátio e Guardiola cortou os motores. Observando os
mostradores, havia ainda 1.800kg de combustível nos
tanques. Guardiola sorriu, comprovando que existe uma
grande diferença entre aqueles que são meramente pilotos
daqueles que são verdadeiramente aviadores.
Avaliação: notas vão de zero a dez.
1-Reserva: Sem nota.
Feita pela própria TRIP.
2-Check-In: Nota 10.
Rápido e impecável.
3-Embarque: Nota 10.
Não houve fila alguma...
4-Assento: Nota 8.
Já mostrava algum desgaste. O pitch é correto.
5-Entretenimento: sem nota.
Não há, mas havia várias revistas de interesse geral a
bordo.
6-Serviço dos comissários: Nota 10 com louvor...
He he he... Sem queixas dos tripulantes...
7-Refeições: Nota 10.
Lunch-boxes a vontade, inclusive quiches e tortas
quentes... que sobraram.
8-Bebidas: Nota 10.
Um enorme container de isopor no fundo da cabine, em
caráter self-service.
9-Necessaire: Sem nota.
Não é distribuída.
10-Desembarque: Nota 10.
Nos 500 anos da mais bela ilha do Brasil? Queria qual
nota?
11-Pontualidade: Nota 10.
Pequeno atraso provocado pela administração de "fuel
flow".
Nota final: 9,0
Comentário final: Um vôo especial, um dia especial, um
destino especial. A gente arredondou a nota pro 10,
mesmo!
Gianfranco Beting