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Transbrasil TB1876
Este Flight Report é especial - e um tanto nostálgico.
Ele relembra um vôo especial da Transbrasil, que em 1995
escreveu mais um capítulo da história da aviação
comercial brasileira: pela primeira vez, uma aeronave
matriculada no Brasil pousou em território chinês.
A Transbrasil na China
Um a cada cinco habitantes do planeta é chinês. Num
território de 9,5 milhões de quilômetros quadrados (15%
maior que o Brasil) vivem um bilhão e trezentos milhões
de chineses. Vivendo um bem sucedido processo de
abertura ao mundo capitalista e ocidental, a China,
experimenta um desenvolvimento e modernização sem
precedentes. Conseqüentemente, o número de passageiros
voando para a China cresce drasticamente.
Em 4 de novembro de 1995, o governos dos dois países
assinaram o acordo bilateral que permitia vôos entre os
dois países. Imediatamente, Vasp, Varig e Transbrasil
pediram autorização para operar dois serviços semanais
para China. A TR via Amsterdam, a Varig via Frankfurt e
a Vasp via Bruxelas. O vôo especial da Transbrasil
serviu, naqueles tempos, para demonstrar ao governo
brasileiro sua capacidade técnica para operar até o
outro lado do planeta.
O vôo dos empresários
A visita do presidente Fernando Henrique Cardoso foi uma
ótima oportunidade para o estabelecimento de novos laços
comerciais e para a criação de novos negócios. O vôo
especial da Transbrasil, TR1876/1877, foi procurado por
executivos do Rio, São Paulo, Brasília e do sul do país.
Ao final, mais de 80 assentos foram vendidos, cobrindo
os custos da operação.
Cruzando o Atlântico
Domingo dia 10 de dezembro. pilotado pelo comandante
Omar Fontana, decolamos de São Paulo às 15 horas. Mais
precisamente, taxiamos às 15 horas, pontualmente, e às
15h04, o trem de pouso principal do PT-TAI descolou do
asfalto da pista 09 de Guarulhos. E 11h24 minutos
depois, às 05:28 minutos da manhã, hora local, tocou na
fria Amsterdam, percorrendo uma distância de 9.783 Km,
consumindo no caminho 50.3 toneladas de querosene.
Durante o vôo, nossos passageiros tiveram um serviço
unificado para as três classes, seguindo o novo padrão
Rainbow. Escolha de três pratos, os mesmos vinhos, a
mesma atenção e cortesia da tripulação da cabine
chefiada pelo purser Jackson.
Os passageiros tiveram a oportunidade de assistir ao
Diário de Bordo, o telejornal de bordo da Transbrasil,
curtas-metragens, concertos de Artur Moreira Lima,
programas humorísticos com o Mr. Bean, desenhos animados
Disney, etc. E ainda dois filmes longa-metragem: Forget
Paris e Don Juan de Marco.
O PT-TAI foi sobrevoando Fortaleza, as Ilhas Canárias,
Madeira e Funchal, entrando na Europa por Lisboa,
Zamorra na Espanha, Nantes na França, e de lá direto
para Amsterdam. Antes do pouso, foi servido o
café-da-manhã, com uma gostosa omelete, frios, queijos,
frutas frescas, iogurtes e sucos, além de chá e
cafezinho. Os passageiros, então, foram levados de
ônibus para hotel próximo ao aeroporto e lá tiveram a
opção de descansar ou então visitar a cidade. No fim da
tarde, hora de embarcar!
China, aqui vamos nós
Sob um frio de quatro graus abaixo de zero, o trator
azul da KLM começou a empurrar lentamente o 767,
afastando-o do gate F7. Eram 18:23 minutos da segunda
feira, 11 de dezembro de 1995. Cinco minutos após, o
Comandante Omar Fontana puxou gentilmente o manche do
PT-TAI, deixando para trás o continente Europeu. Tomamos
o rumo leste, passando por Hamburgo, Copenhagen,
sobrevoando o mar Báltico e passando próximo à Riga.
Entramos na terra dos Czares, passando ao Sul de São
Petersburgo, antiga Leningrado. A bordo, Jackson,
Pazzito, Frediani, Arlette, Vanessa e Rafaelle estavam
ocupadíssimos, servindo o jantar aos nossos passageiros.
Sempre sob os olhares atento de Eliana Elias, a Lica,
enviada nesta missão para supervisionar os trabalhos de
"catering" dos vôos. Terminado o jantar, mais dois
filmes foram exibidos: o Casamento de Muriel e Bullit.
Atravessamos a longa noite, 12 quilômetros acima da
gélida Sibéria. Nunca antes um avião com um arco-Íris na
cauda havia se aventurado por região tão inóspita e
distante do nosso país. Amanheceu. Os passageiros foram
acordados pela tripulação com o café-da-manhã. Abaixo de
nós, Ulan Bator, capital da Mongólia, infelizmente
coberta por uma camada de nuvens. Um pouco à frente do
PT-TAI, um 707 da comitiva presidencial ia trocando
informações pelo rádio com o segundo oficial Luís
Tavares.
Finalmente as nuvens abaixo de nós cederam, quando o vôo
TR1876 adentrou o espaço aéreo chinês, sobrevoando
Xuanhua. Um dia lindo com 6 graus Celsius, recebeu o
Boeing 767, que suavemente, às 11:33 minutos da manhã
tocou em solo chinês. Motores cortados às 11h38 minutos,
nossa aeronave foi recebida pelas autoridades. Nas 10
horas e 5 minutos de vôo, consumimos 45.4 toneladas de
combustível nos 7.839 quilômetros percorridos. O PT-TAI
chegou como saiu: em perfeito estado, sem nenhum ítem
que precisasse de atenção especial. Mas se houvesse
necessidade, estava a bordo uma "ferramenta" capaz de
consertar qualquer defeito. O engenheiro mecânico Hsiao
Tao, que aproveitou e desenferrujou o idioma natal.
De Beijing para Shangai
No dia 14 de dezembro, o PT-TAI decolou de Beijing para
Shangai, a maior cidade chinesa, com mais de 8 milhões
de habitantes. Push-back às 21:05, decolagem às 21:19.
Subida ao nível 370, jantar a bordo, tendo após a
sobremesa, um toque especial: aos passageiros foram
oferecidos os tradicionais biscoitos da sorte chineses.
Com o Comandante Omar aos controles, uma hora e trinta e
três minutos depois tocamos o solo, pousando às 22:52
minutos. Motores cortadores às 23 horas, consumindo na
etapa 7.4 toneladas de combustível.
Bye Bye China
Começou o longo regresso: dia 17, domingo: o Comandante
Adilson empurra as manetes do TAI, taxiando para a
pista, as 17:25. Precisamente às 17:41, o 767 decolou de
Shangai rumo a Amsterdam. Sobrevoamos Beijing e a
Mongólia, e entramos no espaço aéreo russo. A
temperatura externa marcava 65 graus abaixo de zero. Tão
baixa que não pudemos passar de 35.000 pés de altitude,
sob o risco de subirmos mais, encontrarmos temperaturas
capazes de congelar o combustível nos tanques. E fomos
sobrevoando a Rússia, onde a aviação tem peculiaridades.
Por exemplo, lá se utiliza o sistema métrico: altitude é
definida em metros, não em pés. Por vezes, tivemos que
alterar a rota para sobrevoar áreas onde os
controladores de vôo falassem em inglês. Ou ainda,
existem áreas que só podemos sobrevoar contando com a
presença de um observador russo na cabine de comando!
Enfim, sobrevoamos São Petersburgo, Malmo e finalmente
pousamos em Amsterdam às 23:32 minutos, hora local.
Foram 9.237 km percorridos, consumindo 49.7 toneladas de
querosene.
Dois arco-íris na noite de Amsterdam
Paramos no gate G7, ao lado do PT-TAJ, que realizava o
vôo regular TR876. Pela primeira vez, dois Boeings da
empresa estavam lado-à-lado em solo holandês. Fazia
bastante frio quando o ônibus levando os passageiros
partiu para o hotel. No dia seguinte, embarcaramos no
mesmo portão, para a etapa final que cruzou o Atlântico
Sul. Push-back as 11:19, decolamos às 11:30. Almoço a
bordo, assistimos mais alguns filmes, trabalhamos ou se
divertiram. Fizemos uma leve refeição antes do pouso no
Galeão, às 19h31 da noite.
Desembarque rápido dos passageiros locais, e às 20:09 o
PT-TAI decolou para sua última etapa do vôo, e a mais
curta: Apenas 340 km, vencidos em 50 minutos.
Precisamente, tocamos o solo do aeroporto internacional
de Guarulhos às 20:59 minutos da noite de 18 de dezembro
de 1995. Esse foi o mais longo vôo realizado na história
da Transbrasil. Foram 37.300 km ou 23.177 milhas, 6
etapas, 50 horas e 20 minutos de vôo, consumindo 222.8
toneladas de combustível.
Avaliação: notas vão de zero a dez.
1-Reserva: Sem nota.
Feita pela empresa.
2-Check-In: Nota 10.
Perfeito: simpáticos e atenciosos com todos.
3-Embarque: Sem nota.
Como era um grupo, teve tratamento especial.
4-Assento: Nota 7.
Pitch correto para uma classe econômica.
5-Entretenimento: Nota 7.
Boa seleção musical e de video.
6-Serviço dos comissários: Nota 10.
Foi um vôo especial: a Transbrasil escalou alguns de
seus melhores profissionais.
7-Refeições: Nota 10.
Serviço de primeira classe, com três opções de pratos,
para todos os passageiros.
8-Bebidas: Nota 8.
Era bastante boa a carta da transbrasil nessa época: 6
vinhos, entre eles dois Grand Crús.
9-Necessaire: Nota 8.
Kit que se transformava em prática bolsa para sapatos,
para todos os passageiros.
10-Desembarque: Nota 10.
Rápido e eficiente em todas as escalas.
11-Pontualidade: Nota 10.
Saídas e chegadas no horário.
Nota final: 8,88
Comentário final:
Um vôo histórico, pois pela primeira vez uma aeronave
comercial brasileira tocou em território chinês, merece
nota 10. Este Flight Report fica como uma homenagem
póstuma à Transbrasil, que nos seus 46 anos de vida teve
a sorte de contar com muitos profissionais de primeira,
a quem dedico esta matéria.
(Gianfranco Beting)