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Qantas QF28
A chegada ao enorme terminal de Chek Lap Kok não podia
ser mais típica de uma genuína viagem à Hong Kong.
Arquitetura de vanguarda em contraste com relações
humanas pautadas por gestos de traços milenares. Por
dentro do cavernoso e moderníssimo terminal, aço
escovado e vidro por todos os lados. Nas calçadas bem à
frente, o vozerio dos motoristas e passageiros chineses,
embarcando com familiares, animais de estimação,
crianças, panelas.
Não se engane o leitor: Hong Kong é uma das minhas
cidades favoritas. Partíamos após quatro dias
sensacionais, mas com uma grande viagem pela frente: na
Primeira Classe da Qantas, com destino à Sydney.
Seria meu primeiro vôo na empresa aérea de bandeira
australiana, a Qantas (QF no código IATA). A expectativa
era grande, pois a tradição de excelência no atendimento
e segurança de suas operações já ultrapassou até os
limites da aviação, sendo imortalizada por Dustin
Hoffman em seu personagem no filme Rainman, que em
determinado momento afirma, com razão: Qantas never
crashed....
Começando pelo check-in, que é uma das grandes razões
para se voar na primeira classe. É abominável ficar
horas numa fila apenas para colocar sua mala na esteira
e receber um pedaço de papel. Na primeira classe, você
normalmente já é tratado com deferência ao encostar a
barriga, que no meu caso é protuberante, no balcão.
Foi assim desta vez. Fomos atendidos com presteza e
cordialidade, por uma funcionária que trazia na lapela
de seu uniforme mais bandeirinhas (indicando as línguas
que falava) do que muita Assembléia Geral na ONU.
Em minutos, estávamos livres de nossas malas e iniciando
a longa caminhada até a belíssima sala VIP da Qantas,
que fica no mezzanino do terminal. Sem teto, tendo por
cobertura a belíssima estrutura metálica que cobre o
edifício, mais parecia um gigantesco lobby de hotel
modernoso do que uma sala de espera de aeroporto. Ao
fundo, dois andares abaixo, ouvia-se o som distinto de
um terminal em ebulição. Era uma quinta-feira e os vôos
para a Europa, Ásia e Estados Unidos partiam com pouca
diferença entre sí.
Fomos finalmente chamados e escortados para a porta da
aeronave por uma atendente, que observei, era dedicada a
acompanhar cada passageiro (no nosso caso, eu e minha
mulher) até não somente a porta da aeronave, e sim ao
próprio assento.
Fomos recebidos na porta de nosso 747-400 por uma figura
inesquecível, a purser (chefa de cabine) encarregada de
toda a tripulação de cabine do vôo. Já senhora, com mais
de 50 anos, devia medir seguramente mais de 1.75m.
Elegantérrima em seu uniforme azul marinho, abriu um
sorriso-kolynos de matar. Era uma mulher ainda muito
atraente, lembrava uma Audrey Hepburn loira. E era
sueca, notava-se pelo sobrenome e pela primeira
bandeirinha em sua lapela. As outras bandeiras eram
francesas, alemãs e inglesas, língua que usou para nos
saudar: "Welcome to Qantas, Mr. and Mrs. Beting, welcome
to Australia".
De fato, daquele minuto em diante, nós éramos dela.
Éramos seus passageiros. Éramos sua razão de ser, de
existir. Receber é uma arte e ela fazia de seu ofício um
balé, movendo-se com elegância pela cabine, coordenando
sua equipe, atendendo os passageiros com classe e
distinção.
Cabe um longo parentesis. Um fato que chamou a atenção
nos cinco vôos da Qantas que fizemos naquele mês: a
exemplar atitude de todos os tripulantes. Eles combinam
a educação de um povo desenvolvido com calor humano,
típico dos australianos, num balanço que me pareceu ser
próximo da perfeição. É sabido que os passageiros de
diferentes culturas tem distintas expectativas quanto ao
comportamento dos tripulantes. Latinos tendem a
valorizar uma certa informalidade e simpatia, enquanto
saxônicos prezam eficiência e um certo distanciamento. A
Qantas, como nenhuma outra, me pareceu perfeita: servem
sem ser subservientes, são polidos e bem-humorados. Só
voando pra entender. E olhe que depois de 5 vôos, todos
longos, é difícil estar enganado. É mesmo fruto de
treinamento e seleção rigorosa de pessoal.
Tomamos nossos lugares nas famosas poltronas-cama, recém
instaladas nas aeronaves naquele ano (1999) e ainda uma
grande novidade. Forradas de couro azul-marinho e
dispostas de forma mais convencional na cabine, achei-as
um pouco melhores que suas similares na British Airways,
empresa que inventou este conceito.
Porta fechadas, nosso comandante fez um speech curto e
simpático, em inglês. Teve a delicadeza de saudar os
passageiros em mandarin também. O trator atracou-se na
bequilha do 747 e lentamente pôs-se a empurrá-lo para
sua posição no pátio de HKG. Eram 21:45, e saímos de
nosso gate exatamente no horário previsto de partida (Scheduled
Time of Departure, ou STD). Taxiamos quatro minutos
depois e deixamos Hong Kong as 21:57 minutos.
O horário de partida fazia do jantar uma atração
perfeita para o entretenimento de bordo, que era
completado com video-players individuais no formato Hi8
mm. Aparentemente os videos individuais não exibiam
filmes naquela noite, e a Qantas providenciou
video-walkmans para quem quisesse. Escolhi um flime de
Stanley Kubrick, meu diretor predileto, e deixei a festa
rolar.
O cardápio foi apresentado e impressionou pela classe.
Uma capa dura, reaproveitável, envolvia o miolo, podia
ser descartado e trocado em segundos. Como refeição
naquela noite, canapés quentes foram colocados nas
mesinhas, e estavam muito bons. Em seguida, o chef
australiano Neil Perry sugeriu pratos com influência
local (no nosso caso, China) e espírito culinário Aussie
(australiano). Para ser sincero, senti falta do caviar,
embora hoje sejam poucas as empresas servindo a iguaria.
Começamos com uma opção entre uma sopa wonton com
cogumelos (escolhida e aprovada) e um antipasto de
vegetais grelhados (leviana demais pra mim). Como
principais, quatro opções: escolhi um filé mignon com
molho de feijões pretos e chili, que ao contrário do que
parecia, estava extremamente elegante e até, diga-se,
leve. Havia ainda um sea bass com lentilhas, peito de
galinha com coconut milk e especiarias e uma torta de
tomate e alcachofra com geléia de cebolas caramelizadas,
escolhida e aprovadíssima pela patroa, que lambeu os
beiços... Tábua de queijos da estação e uma torta de
pera e chocolate com creme de leite fecharam a refeição.
Baco estaria feliz se fosse passageiro naquela noite.
Uma bela carta foi selecionada pela Qantas. Para mim, os
vinhos australianos são uma longa e antiga paixão. Há
mais de 7 anos dou preferência a eles sobre cepas
italianas ou francesas. Neste vôo da Qantas, foi com
satisfação que constatei que a empresa prestigia a
indústria vinícola de seu país.
Comecei por um Chardonnay 1998 Constable and Hershon
(Hunter Valley), leve na madeira, elegante. Para os
brancos, havia ainda um Riesling de Wolf Blass e um
Pinot Grigio Iron Pot Bay, todos 1998. Entre os tintos,
escolhi um Wolf Blass Gold label Shiraz 1994, que estava
pronto e muito bom, acima da média. Opções eram um Cape
Mentelle Cabernet Merlot 1996, um Lindemans Padhtaway
1997 Pinot Noir. Como vinho de meditação, um Noble One
Botrytis 1994 Semillon, que não experimentei e me
arrependo até hoje. Na carta havia ainda 4 opções de
licores e até o Porto era Oz, chamado Para de Barossa.
Também não provei, que besta...
Findo o lauto jantar, troquei-me e coloquei o pijaminha
que a Qantas oferece aos passageiros. Dormi umas 5
horas, acordando apenas para o café. O dia ia raiando do
lado de fora, quando foi servido o melhor café da manhã
que já comi fora da terra firme. Um ítem é inesquecível:
um iogurte fresco de leite de cabra com mel, que estava
de matar.
Pelas janelas, entrava uma maravilhosa alvorada,
deixando a cabine toda alaranjada. Com Sydney na proa,
minha purser tomando conta de mim como se realmente eu
fosse seu filho e eu sabendo que iria fotografar aviões
pelos dias seguintes, estava prá lá de satisfeito. Se
existe paraíso na terra, ou melhor, no céu, não podia
ser muito diferente disto.
Sobrevoamos a cidade, passando sobre o centro justamente
quando o sol começava a nascer. Pousamos as 08:15, dez
minutos antes do previsto e logo estávamos
desembarcando. Antes de sair, agradeci à nossa purser.
Seu sorriso estava lá, igualzinho na partida de Hong
Kong.
Foi um vôo perfeito da Qantas, que desde então está
entre as minhas favoritas. Em outro Flight Report,
descreveremos um longo transpacífico da empresa, entre
Auckland e Los Angeles.
Avaliação: notas vão de zero a dez.
1-Reserva: Nota 10.
Feita bem antes, via BA, e confirmada em Hong Kong, com
atenção e cordialidade.
2-Check-In: Nota 10.
Tudo como deveria ser, com rapidez e educação.
3-Embarque: Nota 10.
Levados quase de mãos dadas.
4-Assento: Nota 10.
Que grande invenção essas camas. Obrigado para sempre,
British Airways!
5-Entretenimento: Nota 9.
Boa seleção musical e de video, exibida em telas pela
cabine. Filmes individuais nos video walkmans, pois o
sistema não funcionava... há tempos?
6-Serviço dos comissários: Nota 10.
Excelente: nossa purser de sonho é inesquecível. Sua
equipe também foi impecável.
7-Refeições: Nota 9.
Pra ser 10, só faltou o caviar.
8-Bebidas: Nota 10.
Pela ousadia de dispensar vinhos franceses e italianos,
prestigiando a indústria vinícola nacional.
9-Necessaire: Nota 7.
Boa, mas não havia logotipos da empresa em nenhuma das
peças contidas na bolsinha.
10-Desembarque: Nota 10.
Rápido e eficiente.
11-Pontualidade: Nota 10.
Tudo no horário, até mesmo a chegada - antecipada.
Nota final: 9,0
Comentário final:
"Qantas never crashed" (Dustin Hoffman)
"Qantas never failed" (Gianfranco Beting)