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Pan Am PA212
Fazer 18 anos é um grande momento na vida de qualquer
pessoa: significa a maioridade, a confirmação, pelo
menos aos olhos de Brasília, que você finalmente é de
maior e vacinado. E não poderia jamais esquecer minha
festa de 18 anos, que agora divido com você, neste gora divido com você, neste
Flight Report que é antes de tudo duplamente nostálgico.
Pelo anteriormente exposto e porquê ele foi comemorado
na Primeira Classe de um Boeing 747SP da Pan Am.
Putsgrila, como se dizia no longínquo janeiro de 1982.
Voar num 747 (e da Pan Am!) já valeria como um presente
de aniversário inesquecível. Toda essa viagem foi feita
a convite de Omar Fontana, presidente da Transbrasil.
Omar, com sua generosidade contumaz, estendeu o convite
ao meu pai, mãe e irmão, que viajavam comigo, além de
mais 7 convidados. Mas Omar Fontana foi bem além em sua
generosidade: o grupo de doze pessoas estava viajando
para um programa de sete dias, em que o ponto alto era a
visita à Boeing, para assistir a cerimônia de lançamento
do novo modelo, o Boeing 757, que seria oficialmente
apresentado em 13 de janeiro. Imagine o que isso
significou para mim, louco por aviões. Iria conhecer a
fábrica dos Boeings!
Mal se nota e lá se vão 21 anos! Mas cada minuto desse
vôo está guardado em três lugares distintos, o que
garante a precisão dos fatos. Em primeiro, em minha
cabeça, para sempre marcada pelo vôo extraordinário. Em
segundo, porque tenho desde cedo o hábito de anotar tudo
nos vôos que faço, como se fossem flight reports
pessoais. E em terceiro, porque meu irmão, que viajava
comigo, anota absolutamente tudo em cada viagem que faz
- até mesmo as placas dos taxis. É, ninguém regula bem
lá em casa...
Um dia extraordinário
Começo a narrativa com a antiga Via Crucis que era
necessária para se viajar ao exterior, naqueles
longínquos anos do começø da década de oitenta, em
tempos pré-Guarulhos. Antes, para se sair do Brasil,
ia-se para Viracopos ou, mais comumente, para o Galeão.
Assim, a Pan Am operava seu vôo PA211/ PA212,
New-York-Rio-São Paulo com os 747 até o Galeão. De lá,
os passageiros com destino ou origem em Sampa
completavam a viagem num Boeing 727 arrendadado da
Transbrasil, que operava o serviço usando o call-sign
Clipper 212, oficialmente da Pan Am. Já pensou na fonia
em Congonhas nessa época? "Clipper 212 pronto para o
táxi, 115 a bordo, alterna Congonhas..."
Foi isso que a torre CGH ouviu naquele sábado, 10 de
janeiro de 1982, precisamente as 20:33. Autorizado, o
Boeing 727-100, prefixo PT-TCB, começou a taxiar para a
pista 16 (naquela época) pilotado naquela noite por
ninguém menos que o próprio Omar Fontana. No jump-seat,
coração na boca, estava eu mesmo, sorvendo a experiência
como quem acorda no meio de um sonho: taxiando na
cabine, vendo a pista iluminada de Congonhas desfilar
devagar diante de meus olhos! Estávamos a bordo de um
727-100QC, que por coincidência, ja havia sido um
Clipper verdadeiro: tendo iniciado sua carreira em 1966,
voou na Pan Am como N342PA antes de ser vendido à
Transbrasil em 1974.
Parados na cabeceira, víamos os carros passando na
avenida abaixo, e eles pareciam pertencer a outro mundo.
Aguardamos o pouso de um 737 da Vasp e a Torre Congonhas
autorizou o Clipper 212 a decolar. Manetes fechadas na
sua mão enorme, Omar olhou para a tripulação e
certificou-se que tudo estava em ordem. Checks
completos, empurrou as três alavancas. O Boeing gritou
nos freios e, liberado por Omar, iniciou sua decolagem
na quente noite paulistana. Eram 20:38 e estávamos no
ar, tomando a proa leste, rumo ao Galeão. Confesso que
não vi o vôo passar. Também, foram apenas 35 minutos no
ar.
O que se passou antes do pouso jamais esquecerei: ao
fazer o flare ou "arredondamento" para o pouso, Omar
começou a falar baixinho para o Boeing, com uma ternura
na voz mais própria para uso com uma amante, não com uma
máquina de 70 toneladas. Ele ia sussurrando "iiisssooo...
assssiiim... asssimmm..." até tocar na pista 15 do
Galeão com uma suavidade tão impressionante que arrancou
aplausos dos passageiros lá na cabine, aplausos que
pudemos escutar antes da entrada em ação dos reversores.
Inesquecível. Enquanto taxiávamos ao gate, ele olhou
para mim e vendo meu assombro, disse: "Gianfranco, uma
aeronave deve ser tratada sempre assim, exatamente como
se deve tratar uma dama: com firmeza E delicadeza".
A primeira vez...
Primeira ida aos Estados Unidos, primeiro vôo num 747,
primeiro vôo na Pan Am, primeiro vôo na First Class... e
primeira noite na maioridade! Como faço aniversário em
11 de janeiro, aquela meia-noite seria única: estaria
entrando de vez no mundo dos adultos, e diga-se, em
grande estilo. Fomos chamados para embarque no N538PA,
Clipper Fleetwing, um dos 12 747-SP que a Pan Am tinha
encomendado a partir de 1975. Embarcamos e subimos para
o Upper Deck, que na época e neste tipo de aeronave,
acomodava os assentos de Primeira Classe. A seção foi
ocupada apenas por pessoas de nosso grupo, o que criou
um clima ainda mais especial.
Em 1982, a Pan Am ainda conservava boa parte da aura de
charme e elegância que tinham feito dela a maior
companhia aérea da história. Como uma grande dama de
tempos passados, a Pan Am ainda sabia receber. Champagne
foi oferecida em taças de cristal, durante o embarque.
As comissárias, a princípio um pouco distantes, mas
muito elegantes, observavam nosso grupo e nos saudavam
com forte sotaque: Bua noití, bua noitíí!
Acomodamo-nos em assentos confortabilíssimos - para a
época e para quem nunca havia voado de First Class. As
porta foram fechadas e o Comandante anunciou a partida
com um forte sotaque texano. Estávamos em território
americano! O Clipper Fleetwing sacudiu levemente ao ser
empurrado pelo trator. Eram 22:35 e nossa jornada
começava. Três minutos depois, o Clipper Two-One-Two
iniciou seu taxi para a pista 09 do Galeão. Eram 22:45
quando as 18 rodas do jumbo deixaram a terra firme, só
vencendo a gravidade quando o Boeing já passava pelo
través do hangar da Varig.
A subida foi rápida pois o 747-SP (Special Performance)
não era brincadeira. As 23:05 as luzes de "no-smoking"
se apagaram e a tripulação começou a circular com os
cardápios. Apenas para se ter uma idéia do que voar na
primeira classe significava naquele tempo, a Pan Am
oferecia nada menos que seis (06) pratos principais,
isto se contar as entradas, sobremesas, canapés, tábua
de queijos... Uma refeição durava facilmente três horas!
Entre os seis pratos principais, naquele vôo, um da
culinária brasileira: Fresh Pork with Black Beans, isto
é, uma feijoada disfarçada. Entre nós, brazucas, ninguém
escolheu a iguaria, e acabamos optando pelas outras
opções: Churrasco Do Dia (fatiado na sua frente),
Escalope de Vitela à la Parma, Supremo de Frango Smitane,
Espetos de Camarão à Portuguesa e mais uma especialidade
surpresa do Chef. Isso sem falar nos acompanhamentos:
batatas à moda, arroz com açafrão, legumes na manteiga e
salada verde. Variedades de queijos e frutas numa tábua
e mais os doces se seguiam, num verdadeiro festim
pantagruélico.
Nada menos que 40 minutos se passaram apenas saboreando
os canapés e cocktails (ninguém preparava um Whiskey
Sour como a Pan Am) e as entradas - que eram
apresentadas num carrinho à parte, o cart service, uma
tradição cada vez mais difícil de se encontrar neste
planeta cada vez mais "light". Duas lagostas inteiras,
gigantes, ornamentavam o bendito carrinho. Cascatas de
camarões-pistola, ostras, uma enorme lata de caviar de
meio kg imersa em gelo picado, vodka russa ao lado...
enfim: todos foram tratados como se fossem da realeza
britânica ou, cúmulo do exagero, como deputados do
PFL...
Deu meia-noite... e as luzes da cabine foram diminuídas:
entraram as duas aeromoças trazendo um bolo de
aniversário com 18 velinhas, em mais uma delicadeza do
Cmte. Omar. Findo o "Parabéns a Você a 33.000 pés,
altitude inicial de cruzeiro do Clipper Fleetwing, Omar
levantou-se e fez ele um discurso em minha homenagem! É
mole? A tripulação então entrou no clima e veio me
parabenizar. Voltamos aos assentos e o jantar foi
finalmente servido: eram já mais de 01:00. Quarenta e
cinco minutos depois, e a Purser me convoca, via
auto-falante, para o tradicional corte do bolo.
O grupo, já devidamente "calibrado", exigiu um discurso.
Fui breve, até porque o sono começava a se instalar, bem
como os efeitos da champagne, misturada ao Whiskey Sour,
ao vinho, a mais champagne. Recolhi-me para a passagem
da noite, sem assistir aos dois filmes de longa-metragem
programados para o vôo.
Fui despertado às 06:35, hora do Brasil, ou 04:35 hora
local em New York. Uma toalhina quente no rosto e um
suco de laranja me trouxeram de volta à vida. Fomos
despertados para um lauto café, uma hora e quinze antes
do pouso. Nosso breakfast apresentava várias opções de
pratos frios e quentes, omeletes, fritadas, frios e pães
diversos. Provei um pouquinho de tudo, que me pareceu
bem apresentado e apetitoso, apesar de não estar com
muita fome.
O Clipper Fleetwing começou a descer as 05:25, horário
local, ainda noite fechada. lembro da emoção de ver as
luzes do aeroporto reletidas na jamaica bay, sgundos
antes de pousarmos no solo gelado e escuro do aeroporto
Kennedy, precisamente às 05:50, após nove horas e cinco
minutos de vôo.
Fazia um frio intenso ao desembarcarmos no Worldport da
Pan Am. Tinha sido uma noite memorável, cheia de
primeiras experiências e que, mais do que eu sabia, me
moldaria como ser humano, me fisgando definitivamente
para o mundo da aviação comercial. Mais: desde então, a
Pan Am tornou-se um ícone em minha vida, uma entidade
acima do bem e do mal. E mal sabia eu que, naquela data,
11 de janeiro de 1982, "The World`s Most Experienced
Airline" não duraria nem mais 10 anos...
Avaliação: notas vão de zero a dez.
1-Reserva: Sem nota.
Feita pela Transbrasil.
2-Check-In: Nota 7.
Congonhas era muito acanhado para embarques
internacionais.
3-Embarques: Nota 10.
No 727, tratamento de tripulante. Na Pan Am, de rei!
4-Assento: Nota 10.
Era o máximo para a época - e ainda bom para os dias de
hoje.
5-Entretenimento: Nota 8.
Dois filmes de longa metragem, fones de ouvido
pneumáticos...
6-Serviço dos comissários: Nota 10.
Que simpatia! Ganhei muitos beijos e abraços das
comissárias e da purser. Além disso, elas foram não só
cordiais, como eficientes.
7-Refeições: Nota 10.
Das melhores já feitas num avião. Comparada com a
pobreza de hoje, é nababesca.
8-Bebidas: Nota 8.
Tudo feito com classe... bons tempos!
9-Necessaire: Nota 8.
Era excelente para a época, e em couro legítimo.
10-Desembarque: Nota 10.
Rápido e eficiente, mas antes da imigração abrir. Quem
mandou chegar adiantado!
11-Pontualidade: Nota 10.
Chegamos 10 minutos adiantados.
Nota final: 9,10
Comentário final: Um vôo absolutamente inesquecível para
mim, e com certeza, para os outros passageiros:
impecável, irrepreensível. A Pan Am era um grande
empresa, feita por grandes profissionais. Deixa saudade
desses tempos em que cada passageiro era tratado mesmo
como um cidadão de primeira classe!
Gianfranco Beting