|
Emirates EK205
O dia 14 de março raiou agradabilíssimo em Hamburgo,
norte da Alemanha. Na véspera, havia feito dois
magníficos vôos com a Lufthansa entre Guarulhos, Munique
e Hamburgo, os quais você vai ver em breve aqui no
Flight Report. Hoje, porém seria um dia especial: faria
minha primeira viagem na Emirates Airlines. Agora
convido você a embarcar e voar comigo nessa notável
empresa aérea de bandeira dos Emirados Árabes Unidos.
O check-in foi feito três horas antes do horário
previsto de partida, 14h40. Não havia ninguém à frente e
os procedimentos foram rápidos e quase perfeitos. Único
deslize da funcionária foi esquecer de preencher o
convite de acesso à sala VIP do aeroporto, que a
Emirates divide com outras 16 empresas aéreas. Deslize
que ela própria corrigiu, quando já me dirigia ao
controle de passaportes.
Lá estava no portão A18 o Boeing 777-300ER da empresa,
matriculado A6-EBK. Uma aeronave novíssima com apenas 13
meses desde que foi entregue pelo fabricante à companhia
aérea. Com 12 assentos na primeira classe (2-1-2), 42
poltronas na Business e 310 assentos na classe
econômica, o Boeing oferecia nada menos que 364 lugares,
o mesmo que os modelos 747-200 que o birreator hoje
substitui. Naquela tarde, o "triplo sete" da Emirates
estava praticamente vazio. Além dos 16 comissários e
três tripulantes técnicos, apenas 63 passageiros
escolheram voar pela "EK" neste serviço, ou 18% da
ocupação. O mau aproveitamento explica-se pela época de
baixíssima estação e pelo fato de que a Emirates opera
dois vôos diários e non-stop entre Dubai e New York com
equipamento A340-500. Já o trecho entre Hamburgo e Dubai
está sempre lotado, mesmo nesta época, fui informado
pela empresa.
Embarquei e ocupei a minha poltrona, 9A. Logo um drink
de boas vindas, acompanhado por canapés frios, foi
servido. Enquanto bebia, observava o estilo da decoração
interna do 777, que é, digamos, bem particular. Acredito
que seja bem ao gosto dos donos da companhia, digamos
assim. Para um olhar ocidental, os padrões de cores e
tecidos, bem como das divisórias e painéis internos
parecem no mínimo "exóticos". Mas há vários pequenos
detalhes que mostram que esta não é uma companhia igual
às outras. Há orquídeas nas divisórias internas e nos
banheiros. Há perfumes da casa francesa Rochas nos
toaletes. Há muitos revisteiros lotados de títulos em
quase todas as línguas, do espanhol ao urdú.
Impressionante.
A tripulação logo mostrou-se impecável. Dois comissários
vieram cuidar de mim, oferecendo-se para tornar minha
viagem o mais agradável possível. Com pouquíssimos
passageiros a bordo, o procedimento de embarque não
levou nem 10 minutos e as 14h59, este que é um dos mais
longos jatos em operação no mercado comercial foi
tratorado para o pátio. Seus enormes reatores são dois
GE90-115B, os mais potentes em serviço em toda a
aviação: em testes, alcançaram a marca de 127 mil libras
de empuxo, embora em utilização normal sejam utilizados
até 115.000 libras. Com os dois gigantes girando, logo o
cmte. Daniel Sundstedt colocava o imenso jato em marcha.
Iniciamos o breve táxi para a cabeceira 23 às 15h03. O
Boeing pesava 254.1 toneladas no momento da saída, sendo
que seu peso máximo é de 340.194 quilos.
Nossas velocidades nesta operação (V-1, V-R e V-2)
seriam de 159, 161 e 164 nós, respectivamente. Todos os
81 ocupantes firmes em seus assentos, a pista livre à
frente, o Emirates 205 foi autorizado a partir. Até esse
instante, os dois motores pareciam apenas gigantes
sussurrantes. Nesse momento, precisamente as 15h08:15,
os gigantes despertaram. Ficou claro para todos a bordo
a potência que os dois enormes motores podem gerar -
mais que o dobro dos cavalos de cada um dos reatores que
equipavam os 747 originais. O ruído de 330.000 cavalos
de força entrando em ação encheu a cabine. O 777
estremeceu levemente enquanto o Cmte. Sundstedt aplicava
pressão nos dois pedais de freio. Com as rotações lá no
alto, o Boeing protestou por alguns segundos e iniciou a
corrida de decolagem. Levamos exatos 41 segundos para
rodar e sair do chão, com gosto. Nariz para cima, os
felizardos ocupantes do EK205 podiam acompanhar a
decolagem de uma câmera instalada no nariz da aeronave,
transmitindo para cada poltrona a bordo do Boeing a
inebriante visão da longa pista 23 sendo gradativamente
vencida. Uau.
Trens de pouso recolhidos, V2+10 nós ultrapassada, o
Boeing subia seguindo a SID WSR 7G (sem transição) em
busca de sua primeira altitude de cruzeiro, 33.000 pés.
Tempo de viagem estimado em 07h35 minutos. Sem perder um
segundo, a tripulação iniciou o serviço de refeição, no
caso, um almoço. Duas entradas: charque (típico do norte
da Alemanha) ou atum defumado. Uma excepcional salada
acompanhava - e olha que eu odeio saladas. Depois,
quatro opções de pratos principais: peito de frango com
um molho de mel e chili; cordeiro com cuscus marroquino
ao açafrão (excelente); robalo com molho de laranja e
uma opção diet (248 cal): linguado no molho de limão.
Todas excelentes e muito bem apresentadas.
Libações: champagne Pierre Jouët, Grand Brut. Brancos:
Sancerre 2005, Domaine Henry Natter; La Crema Sonoma
Valley, California, Chardonnay 2005. Tintos: Sarget de
Gruaud Larose, um St. Julien 1996 que parecia excelente.
No entanto, arrisquei e fiquei com um Syrah da Columbia
Winery, um vinho produzido no estado de Washington, não
muito longe de onde o próprio 777 em que voava havia
sido fabricado. Já havia lido bastante sobre os vinhos
da região e resolvi matar a curiosidade. Esplêndido,
elaborado com a uva shiraz (Syrah na América do Norte),
cheio de frutas vermelhas e um toque de aniz. Encorpado,
longo na boca, um senhor vinho, provavelmente vendido
por uma pechincha. Valeu arriscar e deixar o porto
seguro do St. Julien de lado. Para fechar, um Porto
Tawny, Barros Colheita 1996, muito bom.
Depois dos pratos, servidos em louça Noritake (óbvio) e
prataria inglesa, (of course) vieram as sobremesas.
Começando pelos doces, com quatro opções. Optei por uma
tortinha quente de pistache com cobertura de framboesas.
Para arrematar e acompanhar o porto, não resisti e
ataquei (de leve) o carrinho de queijos - duas pequenas
fatias de Tilsiter resolveram.
Café expresso e pralinés da Godiva encerraram
definitivamente os trabalhos. Naquele ponto, já havíamos
deixado para trás a costa da Irlanda. O Emirates 205
naquela tarde operou uma rota bem mais ao sul e à oeste
do que imaginei que faria. Após decolarmos, fomos para
cima da Holanda, sobrevoando Gronningen. Depois de
cruzar o canal da mancha, sobrevoamos Sheffield e
Manchester (Reino Unido), Dublin (Irlanda) e então, às
16h42 cruzamos a costa irlandesa e entramos na parte da
travessia do Atlântico Norte propriamente dita.
Hora ideal para conferir as poltronas do jato. Apesar de
seu desenho conservador, são muito confortáveis. Não se
transformam em camas de 180º, mas mesmo assim permitiram
um descanso profundo. Fiz uma breve siesta e logo
acordei para experimentar as maravilhas do sistema de
entretenimento de bordo da Emirates, o ICE - sigla dos
três benefícios básicos do sistema: Information +
Communication + Entertainment.
Nada menos que 500 (por extenso, quinhentos) canais de
programação estão disponíveis. Falta espaço para
descrever as opções. Vale comentar alguns detalhes: os
fones são excelentes e enormes, com sistema de
cancelamento de ruído. O sistema é totalmente interativo
e intuitivo, controlado através de toques diretos no
monitor. Muito fácil de navegar. A quantidade de opções
de programas e jogos faz com que uma pequena revista
seja necessária para dar aos passageiros uma visão do
volume de atrações disponíveis.
Pode ser que até outra companhia aérea (Singapore)
ofereça um sistema semelhante ao ICE da Emirates. Mas
aposto que não há nada melhor. O bacana é que qualquer
passageiro tem seu monitor individual e telefone via
satélite instalado na poltrona em frente, nas três
classes, e pode aproveitar a incrível oferta de
entretenimento da Emirates.
Falando agora das necessaires, muitíssimo bem equipadas.
Esta é uma das raras que realmente fornece tudo que um
viajante possa precisar. De desodorante a barbeador (não
descartável) e espuma de barba, enfim, tudo mesmo. E na
classe econômica, cada passageiros recebe uma versão
"light" numa simpática bolsinha de nylon que depois pode
ser reaproveitada como porta-câmera digital, por
exemplo.
Por falar em econômica, com a aeronave vazia, fui
experimentar os assentos da classe Y. Excelentes e
confortáveis, com boa reclinação de encosto e apoio para
os pés. A configuração de fileiras é 3-4-3, que não é
das mais populares, mas certamente o 777 da Emirates
oferece níveis de conforto bem acima da média.
O Senior Flight Supervisor (SFS) da Classe Executiva,
Daniel Schwarz, foi meu "guia" pela aeronave, mostrando
vários diferenciais de produto. Por exemplo,
passageiros-mirins são fotografados por uma câmera
instantânea tipo "Polaroid" e ganham a foto emoldurada
como recordação do vôo. Há uma série de brinquedos e
jogos que são distribuídos a bordo, também como
lembranças, entre eles mochilas, bichos de pelúcia,
bonecos, etc. Como constatei, as crianças recebem
tratamento de gente grande na Emirates.
O SFS Schwarz me explicou a composição de uma tripulação
típica no 777-300ER da Emirates. São três SFS, um para
cada classe, sendo que o Purser "dobra" como SFS na
Primeira Classe. Três comissários na Primeira Classe,
três na Executiva e sete na econômica. Total neste vôo,
18 tripulantes (16 comissários e dois pilotos) e 53
passageiros, perfazendo um POB de 81. Durante todo o
vôo, sempre havia um comissário percorrendo os
corredores e oferecendo algum snack, sorvete ou bebida.
Eles "patrulharam" o vôo todo, sempre à disposição dos
passageiros, mantendo uma atitude excelente, prestativa
e afável.
O Boeing 777-300ER queimava 8 toneladas de combustível
por hora. Com tantas coisas para ver e admirar, a
travessia do Oceano pareceu passar em velocidade
supersônica. Chegamos à costa do Canadá, passando
algumas milhas ao norte de St. John, Terra Nova,
precisamente as 20h45. Ou seja: atravessamos o
Atlântico, da Costa irlandesa ao Canadá, em exatas 4
horas e 3 minutos. Ao chegar à costa canadense a hora
local era 15h45. O céu estava ainda claro, permitindo
ver, entre buracos nas nuvens, as florestas cobertas de
neve.
Antes de pousarmos, outra refeição foi servida. Havia
tanto opções quentes como sanduíches frios abertos. E
muitos petit-fours e outros delicados doces,
acompanhados de bebidas a escolher. Realmente,
excepcional. Este foi um dos raros vôos em que,
honestamente, torci para a viagem não acabar. Um padrão
de entretenimento inacreditável: refestelado num assento
super-confortável, sendo servido o tempo todo com
comidas e bebidas dignas de Emires.
Realmente, a Emirates não apenas correspondeu como
superou minhas mais altas expectativas. Mas uma hora
tinha de acontecer: atingimos o TOD, Top of Descent. O
Cmte. Sundstedt (ex-Cmte. de 747 na Atlas Air) reduziu a
potência dos dois enormes motores. Negociamos o pesado
tráfego de JFK nesse horário, quando muitos vôos chegam
da Europa e Oriente Médio e após uma série de curvas,
entramos na aproximação Canary para a pista 13, onde
tocamos suavemente as 23h25, horário de Hamburgo, ou
18h25 em New York, hora local, completando as 3812
milhas de vôo em 08h17. Paramos no novo terminal
internacional (Terminal 4) no portão 07 e concluímos
este excepcional vôo.
Avaliação: notas vão de zero a dez.
1-Reserva: Nota 10.
Eficiente, feita sem problemas pela net.
2-Check-In: Nota 9.
O único pecado foi esquecer o convite para a sala VIP.
3-Embarque: Nota 10.
Rápido e sem filas.
4-Assento: Nota 9.
Há melhores na classe executiva aqueles que reclinam
180º. Mesmo assim, muito confortável e bem equipado.
5-Entretenimento: Nota 10.
Não há nada igual no céu.
6-Serviço dos comissários: Nota 10.
Soberbos.
7-Refeições: Nota 10.
Magnífica. Comparável à algumas primeiras classes de
boas empresas.
8-Bebidas: Nota 10.
Tudo impecável. Excelentes escolhas numa carta suscinta.
9-Necessaire: Nota 10.
Pode anotar como benchmark do setor.
10-Desembarque: Nota 10.
Rápido em função do vôo vazio.
11-Pontualidade: Nota 10.
Saiu alguns minutos atrasado e chegou antes do horário.
Nota final: 9,81
Comentário final: A Emirates, juntamente com a Etihad e
a Qatar Airways, eram as jóias que eu queria ter na
minha coroa de viajante frequente. Especialmente a
Emirates, que nos últimos anos é a empresa aérea mais
comentada do mundo. A qualidade de seus serviços, que
sem disfarçar, a empresa tenta colocar em primeiro lugar
em todo o mundo. A localização de seu hub principal,
Dubai, já permite que a empresa voe para qualquer
destino de sua malha sem escalas, de Dubai para Los
Angeles, Sydney e a partir de outubro de 2007, São
Paulo.
Depois de voar com a Emirates, cheguei à conclusão de
que não faltam mesmo motivos para tanto se falar na
companhia: sua impressionante encomenda de 43 Airbus
A380 - e o desgosto público com os constantes atrasos do
programa; Sua expansão agressiva no mundo todo (a
empresa está recrutando 450 brasileiros); O sistema de
entretenimento imbatível; As tripulações multinacionais,
impecáveis. Enfim, a Emirates destaca-se das outras pela
aparente intenação de fazer de cada passageiro um
verdaeiro Emir, nem que seja somente pelas horas voadas.
Parabéns, Emirates. Você agora tem neste vetusto e
alquebrado jornalista um novo e ardoroso fã.