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BRA
Matéria originalmente publicada em 2002, re-publicada em
2005 atendendo a pedidos.
O Jetsite tem um compromisso com você leitor: fazer
flight reports com todas as companhias aéreas
brasileiras, sejam regionais, nacionais ou até mesmo
cargueiras. Nossa atenção havia se concentrado na BRA,
(pronuncia-se Bê-Erre-Ah), iniciais de Brasil Rodo
Aéreo, uma companhia associada à Rotatur do Grupo Varig.
Tendo operado anteriormente junto com a Passaredo, a
empresa de Humberto Folegatti vem ganhando espaço no
segmento de fretamentos, os famosos vôos charter.
Nos últimos anos, é notável o crescimento das operações
da BRA, que passou a servir destinos antes não
explorados pelas linhas aéreas nacionais, ligando-os sem
escalas, principalmente ao Aeroporto Internacional de
Guarulhos. Como o nome diz, a proposta da BRA é mesmo a
de competir com o transporte rodoviário, e para tal,
cobra tarifas bem acessíveis a uma parcela da população
que antes tinha de enfrentar um, dois, até três dias de
viagem. Hoje, os jatos da BRA cumprem estas mesmas
ligações em questão de horas. E foi num vôo entre
Guarulhos e Recife, com escala em Maceió, que conhecemos
a BRA - e ficamos positivamente impressionados.
Começamos com a apresentação no Ticket Office de GRU,
para assinar o contrato de viagem, pois a BRA não
poderia vender passagens diretamente ao público, algo só
possível por uma portaria do DAC permitindo a venda a
pessoas, além dos tradicionais grupos fechados. Com o
contrato assinado em mãos, segui para o balcão de
check-in, que estava vazio, a despeito de faltar menos
de duas horas para a partida. Logo entendi o porquê:
eficiência no processo. Em segundos e com muita
simpatia, o funcionário Marcos me atendeu e emitiu um
boarding-pass, num cartão padronizado da Varig. Único e
sério senão: não há assentos marcados. A BRA opta pelo
sistema de free-seating, em que o passageiro escolhe sua
poltrona ao embarcar, o que cria alguns problemas.
Por exemplo: na tentativa de conseguir um bom lugar, os
passageiros na sala de espera aguardam ansiosamente de
pé, em fila, para poderem ser os primeiros a embarcar.
Não fosse isso, teria sido tudo absolutamente normal.
Seja como for, as 16:35, 25 minutos antes de nosso STD
(17:00) fomos chamados para embarque no PR-BRE, um
737-300 arrendado da Euro Atlantic portuguesa.
Originalmente entregue à TAP Air Portugal em 1989, em
1993 ele migrou para a companhia charter portuguesa e em
2002 chegou à BRA. Configurado para 148 assentos
(alta-densidade), não se pode chamar de confortável. Mas
este é o preço que temos de pagar para voar de São Paulo
a Maceió por R$ 313,00. Eu topo.
Embarquei e, preocupado em conseguir ficar numa boa
posição, fundamental para poder acessar a cabine de
comando com facilidade, perguntei ao chefe de equipe
Feitosa, que nos recebeu na porta, se poderia sentar na
poltrona 1A. Com absoluta gentileza, prontamente acedeu
ao pedido. Sentei-me e observei o embarque, um retrato
do Brasil. Gente simples, visivelmente desacostumada à
viagens aéreas, formava a maior parte do grupo.
Estudantes, casais, famílias inteiras completavam o
perfil demográfico do B1 (código IATA da BRA) 9088.
Feitosa, Tatiana, Bruno e Júnior, a equipe escalada para
o vôo, atendiam e acomodavam os passageiros de forma
genuinamente amistosa.
Um passageiro atrasado fez com que as portas do PR-BRE
só fossem fechadas as 17:00, cravado. A bordo, 148
almas, uma informação conhecida em aviação como POB (Persons
ou People On Board), que inclui os tripulantes MAIS os
passageiros. Dois minutos mais tarde, o trator deu o
push-back no Boeing. Motores girando, as 17:06 taxiamos.
Feitosa fez o speech de instruções de segurança de cor,
falando com a segurança e firmeza de um profissional
experiente, com 20 anos de VASP e mais 4 de BRA.
Enquanto isso, a comissária Tatiana demonstrava os
procedimentos na parte dianteira da cabine e Júnior
fazia o mesmo na parte traseira. Por falar nisso, a
tripulação da BRA me deixou, em diversos momentos,
positivamente impressionado quanto à seriedade e
aderência às normas de segurança. Por exemplo, a BRA
publica instruções adicionais de segurança e as coloca
nos assentos próximos às saidas.
Eram 17:09 quando o PR-BRE ganhou sua aposta contra a
gravidade: com 56.700kg na decolagem, peso máximo para o
Boeing nos escaldantes 36ºC que castigavam GRU, ao
atingir 150 nós de velocidade, o Cmte. Lisarb puxou o
manche e espetou o nariz do Boeing contra os céus azuis.
Mantendo inicialmente 17 e depois 15º de alfa (o ângulo
de subida formado entre o eixo longitudinal da aeronave
e o horizonte), o 737-300 queimava na decolagem 2.500kg
de combustível (por motor/por hora), consumo este
reduzido para 1.190kg/hora quando na altitude (10.000m)
e na velocidade econômica de cruzeiro de 850 km/h ou
Mach 0.75. Nossa velocidade em relação ao solo era em
média de 440 nós.
Estabilizamos e ouvimos o Cmte. Lisarb fazer seu speech
em português e inglês, informando as condições de rota e
waypoints, as principais posições a serem sobrevoadas em
nossa rota. Após nossa saída padrão por instrumentos
(SID) NEVE, o Boeing utilizaria as aerovias Upper Whisky
13 até Confins e de lá, entraríamos na Upper Bravo 678
até Salvador, prosseguindo pela Upper Alfa 314 até
Aracajú e então, em proa direta para Maceió.
Com 30 minutos de vôo, a tripulação iniciou o serviço de
bordo: uma caixinha de lanches com um croissant, um doce
e um bombom, acompanhados de refrigerantes, sucos,
cerveja e água. O service-flow da BRA foi o seguinte:
dois trolleys foram colocados nos corredores, o primeiro
na parte central da fuselagem e o segundo na altura da
última fileira, e foram servindo os passageiros de trás
para a frente. Terminada a primeira passada com entrega
das caixinhas de lanche e bebidas, os trolleys voltaram
e passaram uma segunda rodada de bebidas. Só depois é
que o serviço foi recolhido. Nesta hora, com prévia
autorização da tripulação, fui para cabine de comando,
para trazer a você, leitor do jetsite, as impressões da
parte mais técnica do vôo.
Com pouco menos de duas horas de vôo, nossa posição nos
fazia passar no través de Vitória da Conquista, já no
estado da Bahia. O Cmte. aproveitou e fez um speech
lembrando aos passageiros que em pouco mais de uma hora
e meia passávamos pela cidade, "uma viagem que se fosse
feita de ônibus, levaria pelo menos um dia e meio, não
uma hora e meia". Em marketing, o importante é não
perder as oportunidades...
Conversamos sobre os sistemas da aeronave, sobre as
experiências de vôo do Cmte Lisarb (ex- Transbrasil,
onde voou 727 e 707), Weston Taxi Aéreo e Itapemirim,
novamente no 727. Depois, migrou para a Passaredo/BRA,
onde comandou os A310-300 e agora os Boeings 737. Seu
primeiro oficial, Assis, é Fabiano: egresso de nossa
gloriosa FAB, pilotou Buffalo, C-130, e finalmente,
trabalhou como piloto-checador de 737 pelo DAC. Enfim,
uma tripulação técnica igualmente experiente e
preparada.
O tempo literalmente voou e já estava escuro quando
iniciamos nossa descida para MCZ, que nos aguardava com
céus claros e 29ºC. Pela aproximação por instrumentos
padrão (STAR) DELTA 3, o PR-BRE foi navegando até
encontrar-se com a pista 12 de Maceió exatamente as
19:42. Pouso suave, reversos acionados até desacelerar o
737 para menos de 80 nós, quando então foram aplicados
os freios. A BRA tem por norma limitar, quando possível,
o uso dos freios, preferindo fazer maior uso dos
reversíveis dos motores, que queimaram 6.700kg de
combustível desde que partimos de Guarulhos, duas horas
e 33 minutos antes.
Após um back-track na pista de 2.100m, Lisarb cortou os
motores no Box 03, dois minutos depois do pouso.
Desembarque local, embarque local: tudo em ordem com o
Boeing, não havendo necessidade de reabastecimento para
a curta etapa até Recife. Portas fechadas, POB de 109
nesta etapa, Assis solicitou às 20:12 ao controle de
solo de MCZ autorização para Recife. Imediatamente
autorizados, fomos tratorados de volta ao pátio para
início do taxi. Motor dois girando, a Torre nos autoriza
para Recife, cumprindo a subida CARD, alternando Natal,
no nível de vôo 130 (13.000 pés). As 20:14 taxiamos rumo
à pista 12, decolando dois minutos depois.
Nossas velocidades nesta operação foram: V1 (velocidade
para permitir frenagem com segurança, também conhecida
como decision-speed) de 123 nós; VR (velocidade de
rotação, puxando o manche) de 125 nós; V2 (ou
safety-speed) de 136 nós. Nivelados, o curto vôo sobre o
belo litoral pernambucano foi rápido: não houve serviço
de bordo aos passageiros. As 20:43, sete minutos antes
do horário previsto, Lisarb colocou as rodas do PR-BRE
com a mesma suavidade que o fizera em MCZ. Foram apenas
27 minutos de vôo.
Os passageiros embarcados em São Paulo desceram.
Rapidamente deu-se o embarque local, ao mesmo tempo que
o Boeing era examinado pelos mecânicos e os tanques eram
completados para o retorno a GRU. No pátio, faziam
companhia ao Boeing da BRA um F100 da TAM, um A310 da
TAP (que logo depois partiria para Lisboa) e um
recém-chegado 767-300 da Lauda Italy, trazendo 300
turistas para a folia que começaria no dia seguinte.
Portas fechadas, POB de 93, o PR-BRE com 55.800kg de
peso é tratorado as 21:17 (3 minutos antes do horário
previsto) e recebe autorização para Guarulhos no nível
350, subida JACA. Nossas velocidades seriam: V1:142, VR:
144 e V2: 150.
Esta etapa foi feita pelo primeiro oficial Assis, que
agora estava sentado à esquerda. É praxe entre as
tripulações dividir as operações, comandantes fazendo
metade dos pousos e decolagens e primeiros oficiais
completando as operações. Às 21:20 cravado, Assis
empurrou as manetes e o 737 começou a taxiar. Deixamos a
Veneza Brasileira as 21:25. Logo após estabilizarmos,
serviram um lanche igualzinho ao do vôo da ida, em
idênticas caixinhas. Com menor ocupação, o serviço foi
ainda mais rápido.
Deu tempo até para prosear com o Feitosa, já que a
maioria dos passageiros cochilava na cabine, mantida com
baixa iluminação. Cruzávamos a noite clara enquanto
conversávamos sobre aviões e aviadores, sobre a BRA e
sobre a aviação brasileira. Como de costume, o tempo
passou voando e mal percebi a viagem. Senti uma pontinha
de inveja daqueles tripulantes: meu coração está lá no
alto com eles. Tanto mais quando o Lisarb me convidou
para voltar à pista e assistir a chegada em Guarulhos.
Amarrado ao jump-seat, observei o tráfego já mais calmo,
as aerovias ocupadas principalmente pelos cargueiros: a
BRA dividia os céus com jatos da BETA e da Total.
Assistia calado, encantado, ao progresso dos momentos
finais do vôo. Na noite excepcionalmente clara,
sobrevoamos Belo Horizonte, que brilhava lá embaixo.
Recebemos a informação para descida TUCA, com 21ºC de
temperatura e céus claros. Já chegando, pudemos ver o
sambódromo iluminado, pronto para o Carnaval. Curva à
esquerda, interceptamos o ILS para a pista 09R. Assis
fez um ótimo pouso aos 00:25 da sexta-feira, véspera de
Carnaval. Calçados na posição H08, as 00:30 os motores
foram cortados.
Me despedi dos grandes profissionais com quem tive o
prazer de voar. Saí do Boeing e fiquei pensando: para o
meu coração de aviador, folia mesmo é voar numa noite
clara assim, ir e voltar para o Nordeste mesmo sem sair
do avião. Isso sim é que é farra.
Avaliação: notas vão de zero a dez.
1-Reserva: Sem nota.
Feita pela BRA.
2-Check-In: Nota 10.
Impecável, em questão de segundos.
3-Embarque: Nota 8.
Ficar de pé na fila por 40 minutos nunca é agradável.
4-Assento: Nota 5.
Apenas tolerável: o preço a pagar.
5-Entretenimento: Sem nota.
Não há.
6-Serviço dos comissários: Nota 10.
Simpatia, eficiência, profissionalismo: impecáveis.
7-Refeições: Nota 5.
Um lanchinho frio... ainda é melhor que uma barrinha de
cereal.
8-Bebidas: Nota 6.
Razoável para um vôo padrão charter.
9-Necessaire: Sem nota.
Não há.
10-Desembarque: Nota 10.
Rápido e eficiente.
11-Pontualidade: Nota 10.
Chegamos cravados ou até adiantados aos horários
publicados.
Nota final: 8,42
Comentário final: Tripulação: impecável. Operação como
um todo: irrepreensível. Tudo no horário, avião bem
conservado, por dentro e por fora. Refeições poderiam
ser melhores e poltronas mais confortáveis? Talvez. Para
quem não voa frequentemente, que é o público-alvo da BRA:
pagar 3 vezes a mais para ter estes benefícios? Acredito
que não. A BRA ocupa um nicho de mercado, com o produto
certo, pelo preço certo. Se entender isso e mantiver
este padrão, a BRA pode estar certa que será sempre uma
boa opção.
Gianfranco Beting