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British Airways
A coluna vertebral de um ser humano pode sofrer vários
tipos de desvios ou, se preferir, má formações
congênitas. Entre estes, três são muito comuns: sifose,
lordose e escoliose. Sem entrar demais nos detalhes, são
três maneiras distintas de sentir dor e incômodos
diversos. Sua conseqüências variam de má postura a
enormes dificuldades de locomação. E principalmente,
resultam em noites de sono mal dormidas, especialmente
em aviões.
Porque eu sei? Porque, caro leitor, sofro exatamente
essas três deformações. Sim, o barbudo lá no firmamento
quiz um pouquinho de cada uma das três. Quiz que eu
andasse pelo planeta como um rodízio ambulante de
deformações, um showroom para fazer qualquer quiroprata
salivar.
E o que isto tem a ver com este Flight Report? Tudo, meu
caro leitor. Porque se não fosse a British Airways, (a
partir de agora, simplesmente BA) a minha lordose,
escoliose e sifose estariam ainda em melhor forma.
Afinal, foi a BA quem lançou as camas a bordo de
aeronaves comerciais modernas. E, tendo feito um sucesso
arrasador na sua Primeira Classe com camas, repetiu a
receita em sua Classe Executiva (na BA, chamada Club
World ). Absoluto, avassalador sucesso, que depois teria
de ser copiado por toda empresa aérea que se preza. Se
hoje as boas empresas aéreas têm camas nas suas classes
superiores de serviço, nós passageiros sifóticos,
lordóticos e escolióticos devemos muitos agradecimentos
à BA.
Portanto, devo começar este artigo repetindo como um
mantra: Sou eternamente grato à BA por haver devolvido
ao transporte aéreo um conceito absolutamente esquecido,
quando do surgimento da era do jato: conforto.
Sim, os jatos encurtaram as jornadas. Mas com eles, as
empresas aéreas mudaram o padrão do transporte aéreo
intercontinental. Saíram de cena os vôos e serviços de
elite e entraram nas cabines - e na mentalidade dos
tripulantes - a idéia do transporte de massa. Ou seria
de amassa? Fique 12 horas numa poltrona do meio na
classe econômica e me diga se você não chega parecido
com a foto do seu passaporte.
Vão minhas críticas aqui. Em busca de maximizar os
resultados, algumas empresas exageraram na dose e vôos
longos se transformaram num suplício. Mas sem mais
delongas, o que vale dizer é: antes da BA, o nível de
conforto permanecia basicamente o mesmo desde o advento
do jato - há 50 anos atrás!
Portanto, fui satifseito para Guarulhos embarcar no
777-200ER da British Airways, em seu vôo diário entre
Rio, São Paulo e London Heathrow. Check-in feito a jato,
sem fila e com cortesia. Malas despachadas para Madrid,
meu destino final, após conexão em Londres. Os dois
boarding passes na mão, assentos escolhidos, fui para a
sala VIP da BA em S. Paulo que, a exemplo do próprio
aeroporto, não é lá grande coisa.
Fomos chamados para embarque depois dos demais
passageiros e o procedimento também durou apenas o tempo
de caminhar da sala ao assento 13K. Assento não: à suite
13K. Instalado na poltrona, drink de boas vindas na mão,
sorriso da comissária e dez dias de aviões pela frente:
um desses raros, fugidios momentos em que a vida é bela.
Nosso 777, matriculado G-YMMJ, sairia praticamente
lotado, com 90% de ocupação na econômica ou, como chama
a BA, na "World Traveller". E na empresa há uma quarta
classe, a " World Traveller Plus" com 30 assentos que
oferecem mais espaço e serviço diferenciado. Dos 48
assentos na Club World, 80% estavam ocupados e 100% dos
14 lugares na First, a Primeira classe da empresa.
Portas fechadas cedo, antes do ETD, o 777 foi tratorado
às 16h58, sete minutos antes do previsto. Taxiamos rumo
à pista 09R as 17h04, mas paramos num a taxiway e por lá
ficamos um bom tempo, até que o comandante informou que
havia uma informação discrepante no manifesto de carga e
era necessário confirmar a questão.
Essa e outras informações seriam traduzidas por uma das
três comissárias brasileiras que estavam a bordo, uma
norma da BA em seus vôos internacionais é ter ao menos
dois comissários que falem a língua do país. Devo dizer
que essas informações foram comicamente traduzidas, pois
a profissional em questão tinha dificuldades com o
idioma shakespeariano. Por exemplo, ao traduzir o
segundo speech: The taxi will be short and we shall be
taking off very soon (coisa que por sinal não
aconteceu), nossa comissária informou aos passageiros o
seguinte: O comandante nos informou que a decolagem vai
ser rápida pois a pista aqui é curta. Imagina como isso
deve ter soado aos passageiros que têm medo de voar!
Com a questão da carga resolvida, o 777 entrrou de novo
em marcha as 17h20 e a decolagem na pista "curta"
ocorreu dois minutos depois. Motores Rolls Royce Trent
895 rugindo como dois bons leões britânicos lá fora,
subimos com facilidade, pois o 777 tem, como todos os
bimotores, potência de sobra.
O sol deitava-se no horizonte, colorindo a cabine de
laranja. As 18h06 atingimos nosso TOC - Top Of Climb,
nosso primeiro nível de cruzeiro, com 33.000 pés. Lá da
cabine de comando, ou Flight Deck em inglês da
Inglaterra - nosso comandante fez seu quinto speech no
vôo, informando do horário previsto de chegada em
Londres 07h57 (on-time) e das condições durante a rota.
E pensar que tem muito comandante no Brasil que não faz
cinco speeches num mês. É porque no Brasil, ser
comandante é coisa muuuuito importante, sabe? Alguns
deles pensam assim: Pra que perder tempo com essa gente
comum, que enche tanto os assentos como a minha
paciência? Ah, não. Deixa pilotar meu Boeinguinho aqui
sossegado.
Enquanto isso, lá na Club World, cardápios foram
servidos, escolhas feitas e o jantar teve início.
Primeiro um drink, depois uma entrada (duas opções) e
então um prato quente (quatro opções). Sobremesa (duas
opções) e como não poderia deixar de ser, English tea.
Um Porto para arredondar e já estamos quase sobre
Mossoró, última cidade brasileira sobrevoada antes de
entrarmos na parte transatlântica da viagem. Nessa
altura dos acontecimentos, já terminava um dos 18 filmes
a disposição no sistema de entretenimento. E com isso,
dei por encerrados os trabalhos. Apertei o botão,
transformei o assento 13K na cama 13K e passei meus
últimos momentos consciente antes de atravessar o
Atlântico Sul.
Depois de 4 horas, já tendo ultrapassado a Ilha do Sal,
estávamos no través de Dakar, Senegal. Noite escura, lua
nova, saí para esticar o esqueleto e minha coluna
sifótica. Parei na galley, onde a BA tem um serviço para
quem quiser fazer uma "boquinha" fora de hora, batizado
de Raid The Larder. que pode ser traduzido livremente
como "ataque a despensa".
Não era o caso, queria apenas me esticar mais um pouco.
Ao entrar na galley, lá estava, sentadinha, a comissária
que me atendeu durante a primeira metade do vôo.
Distraída num livro (já viu alguma comissária brasileira
lendo durante o vôo? E passageiro? É fácil ver quem é
brasileiro e quem é estrangeiro numa viagem: o
brasileiro NUNCA tem um livro na mão). Ao me ver,
rapidamente fechou o livro e abriu um sorriso: a atitude
que todos os profissionais de sua categoria deveriam
ter. Estou bastante ácido hoje, não?
Muito bem, voltei à cama 13K e só fui acordado pelo café
da manhã, que exalava aquele típico cheiro bom de
colesterol ruim, com bacons e sausages e tudo que entope
artérias e nos faz viver menos tempo e mais feliz.
Afinal, como diz meu bom e velho pai, "Fazer regime é a
arte de prolongar a vida tornando-a insuportável".
Engoli o café ao passo que nosso 777 deixava Vigo, norte
da Espanha, a nossa esquerda. Já se fazia dia lá fora.
Sobrevoamos a Bretanha e entramos no Canal da Mancha na
vertical de Cherbourg, França.
Pouco depois de entrar em espaço aéreo bretão, fomos
colocados pelo controle de tráfego de Heathrow numa
prateleira a 8.000 pés, executando nada menos que 8
órbitas a sudoeste do mais movimentado aeroporto
internacional do mundo, sobre o VOR Reading. Finalmente
autorizado a pousar, o Boeing apontou o nariz para a
pista 27R, onde tocamos macio às 08h10, dez minutos
adiante do nosso horário publicado, completando a
travessia em 10h48 minutos. Um longo taxi, cruzando todo
o setor oeste e estávamos finalmente no Terminal 4, o
mais moderno do aeroporto, usado pela BA para vôos
intercontinentais.
Avaliação: notas vão de zero a dez.
1-Reserva: Nota 10.
Impecável, tudo rápido e na ponta da língua.
2-Check-In: Nota 10.
Idem: em segundos, tudo resolvido, sem fila nem demora.
3-Embarque: Nota 10.
Rápido e organizado e com prioridade para a First e Club
World. BR> 4-Assento: Nota 10.
Espetacular. Sem sombra e dúvida, um dos melhores do
mundo na categoria.
5-Entretenimento: Nota 8.
O sistema de entretenimento é bastante bom, mas não é On
Demand, ou seja, não há controle sobre a programação,
apenas opções.
6-Serviço dos comissários: Nota 10.
Tripulação atenciosa, educada, discreta. Excelente sob
todos os aspectos.
7-Refeições: Nota 8.
Razoável apresentação, quantidades corretas. A
apresentação visual dos cardápios, amesmo há dois anos,
deixa a desejar.
8-Bebidas: Nota 8.
Com destaque para vinhos do Novo Mundo, faltou uma opção
mais classuda, um Bordeaux ou Bourgogne de raça.
9-Necessaire: Nota 8.
Kit bonito e bem equipado.
10-Desembarque: Nota 8.
Rápido, com conexão para o vôo seguinte feita sem
problemas. Malas embarcadas até o destino seguinte,
Madrid.
11-Pontualidade: Nota 10.
Saída dentro do horário e chegada pontual.
Nota final: 9,09
Comentário final: Como passageiro, analisando
estritamente o produto, não posso deixar de elogiar a
British Airways. Voei muitas vezes na empresa e não tive
uma única experiência ruim sequer. Tripulantes sempre
atenciosos, profissionais. Cabines sempre arrumadas,
limpas e equipadas com o que há de melhor e mais
inovador na indústria. E como passageiro da Club World,
a classe executiva que lançou as camas na categoria,
posso apenas confirmar o dito anteriormente. A BA
mostrou o caminhou e as competidoras saíram atrás,
imitando, nem sempre com sucesso, o produto desta
empresa que tem por slogan The Worlds Favourite Airline.
Indeed.
Gianfranco Beting