|
ANA All Nippon Airlines Boeing 787-8
Ao longo dos últimos 10 anos, o jetsite vem brindando
seus leitores com Flight Reports em todas as partes do
mundo. Voamos desde um Let 410 ao Concorde. Levamos
você, caro leitor, nas asas de companhias aéreas
regionais, low-cost, tradicionais ou de bandeira.
Testando nada menos que seis classes de serviço -
Supersônica (R) Primeira (F), Executiva Premium (J),
Executiva (C), Econômica Premium e Turística. Isso sem
contar voos "Ferry" ou Cargo.
Na prática, o Jetsite inaugurou a prática de avaliações
consistentes de padrões de serviço - de terra e de bordo
- na imprensa brasileira, lá para os idos de 2001. Anos
depois é que outros sites e até mesmo revistas
especializadas "acordaram para o quão fascinante este
tipo de reportagem pode ser.
Ao longo de mais de dez anos, testamos os serviços de
empresas com frotas de apenas dois aviões a
mega-companhias de mais de 600 aeronaves. Mas este
Flight Report é realmente especial. Agora, você é nosso
convidado a embarcar no futuro da aviação. Com
exclusividade e pioneirismo na internet brasileira, seja
bem-vindo a bordo da nova estrela da aviação comercial,
o Boeing 787-8 Dreamliner.
Quando se viaja ao Japão desde o Brasil, o organismo
enfrenta o cruzamento de 12 fusos horários. Nos
primeiros dias após a chegada, seu corpo literalmente
troca a noite pelo dia, com consequências dramáticas
para o seu metabolismo. Existem alguns truques para
minimizar os efeitos do "jet lag", mas o fato é que seu
corpo acusa o golpe. Madrugadas insones e cansaço
extremo durante o dia são efeitos comuns. Sabendo disso,
não procurei lutar contra o fato de que eram 03h00 e eu
rolava na cama. Havia uma razão adicional para estar
desperto em meio à noite fechada e enluarada que cobria
a baía de Tóquio: a ansiedade por saber que, em algumas
horas, eu voaria no avião que representa o futuro da
aviação comercial mundial: o Boeing 787 Dreamliner.
O mais avançado jato que existe havia começado a
transportar passageiros pagantes apenas 3 semanas antes,
fazendo apenas dois voos por dia. Desta maneira, eu
seria um dos primeiros jornalistas no mundo - e
certamente, o primeiro no Brasil - a voar com esta
aeronave que antecipa o futuro. E, no que depender da
Boeing, o futuro vai ser limpo, aerodinâmico,
silencioso, confortável, revolucionário.
E nada melhor do que iniciar esta nova era por uma país
que, na última metade do século passado, converteu-se em
sinônimo de quase todos estes adjetivos. O Japão
inaugura a era 787 com justificável orgulho. Mais do que
cliente lançador, o país é um fundamental parceiro
comercial do programa 787. Mais de um terço do valor de
cada novo jato é provido por empresas japonesas. Ou
seja: de todos os aviões comerciais em uso atualmente,
pode-se afirmar, sem erro, que o "Drimurainer", que é
como os nipônicos pronunciam o nome do Boeing, é o mais
japonês dos aviões comerciais em operação. Daí o status
de celebridade que o 787 conquistou imediatamente junto
aos sempre orgulhosos - e ultimamente, meio ressabiados
- nipônicos. Este sentimento está em todas as partes.
Estações de metrô, nas lojinhas de bugigangas que
oferecem camisetas, faixas, bonés, adesivos com o novo
jato. E nos olhos que brilham e nos sorrisos que se
abrem quando o "Drimurainer" dá o ar da graça no
aeroporto Internacional de Haneda, onde começaríamos
nossa viagem.
Nossa primeira etapa naquele dia 14 de Novembro era um
trecho doméstico entre Tóquio Haneda e Okayama, cidade
situada 547 km a oeste, praticamente atravessando toda a
ilha de Honshu, a principal do Japão. Com partida
marcada para as 07h30, apresentei-me as 05h30 para o
check-in no ainda pouco movimentado Terminal 2 do
aeroporto central da capital japonesa. A proverbial
delicadeza e eficiência nipônicas agilizaram o processo
e logo tinha dois cartões de embarque em mãos, tanto
para o voo de ida como para o de retorno, naquela mesma
manhã. Passar pelo controle de segurança foi um barbada
e logo me encontrava no portão 65, aguardando o momento.
Confesso que a ansiedade era incomum. Há anos, como
jornalista e entusiasta, venha acompanhando de perto as
glórias e dificuldades na gestação deste ambicioso
programa. Do sucesso estrondoso de vendas ao retumbante
fracasso no cronograma de entrega, com quase três anos
de atraso; das grandes jogadas de marketing (o nome do
avião foi escolhido pelo público) às numerosas promessas
de avanços tecnológicos; das soluções inovadoras de
desenho e construção às panes não programadas durante os
ensaios, tudo parece amplificar o alcance e a
profundidade das mudanças que este "jato dos sonhos"
carrega em suas asas. Não é para menos: o 787 incorpora
tantos avanços sob sua pele de material composto que ele
tem o poder de mudar o panorama da aviação comercial
como poucos aviões na história. Entra para a galeria de
tipos revolucionários junto ao DC-3, Comet, Boeing 747 e
Concorde, ainda que aparentemente não seja, visualmente,
uma aeronave significativamente diferente de outras que
estão aí.
Ledo engano. São milhares de mudanças que o 787 traz
consigo. Ainda assim, sob um aspecto meramente estético,
chamado na aviação tecnicamente de "Ramp Presence"
(literalmente, "aparência de pátio"), confesso que o
resultado final inicialmente não me agradou. O 787 é um
jato troncudo, de fuselagem larga demais para seu
comprimento. Tem 56,7m de comprimento por 60,2m de
envergadura, um tamanho comparável ao do 767-300 e
capacidade de assentos ligeiramente inferior à do Airbus
A330-200. Não foi mesmo amor a primeira vista, como
lembro de ter ficado deslumbrado ao ver pela primeira
vez o 757, por exemplo. Seu estabilizador vertical
também me parece pequeno demais. O nariz, abrupto, com
suas quatro grandes janelas do cockpit, de formato pouco
convencional, não me convenceu a princípio. O ponto alto
da aparência externa são as asas. Em função do emprego
de materiais compostos em sua estrutura, elas se curvam
para cima em voo, formando um visual impressionante.
Talvez esta seja a melhor descrição estética do 787 que
eu possa oferecer: como a maioria dos pássaros, é
desajeito em solo, mas simplesmente magnífico em voo.
Mas chega de divagações estéticas. Fiquemos na
experiência de voar o Dreamliner, começando por uma
etapa em Classe Econômica.
NH 651 Tóquio - Okayama
Classe Econômica O voo partiria de Tóquio com excelente
ocupação: 240 dos 264 assentos estavam tomados naquela
manhã de segunda-feira. O público viajante era formado
por dois grupos: homens de negócio engravatados, que
poderiam estar voando em um 737, 767 ou 787. E fanáticos
como eu, câmeras penduradas no pescoço, olhares atentos
a cada movimento, impacientemente aguardando a chamada
para embarque. Quando eram 07h10, uma das três agentes
encarregadas do check-in tomou o microfone e fez uma
rápida introdução para os passageiros a respeito do
modelo em que voaríamos. Adjetivos como revolucionário,
ecologicamente responsável, confortável, silencioso, e
avançado pontuaram o texto, aumentando ainda mais a
minha expectativa. Estava na boca do portão desde cedo e
fui realmente um dos primeiros a embarcar, fotografando
e filmando tudo ao mesmo tempo. Ao se entrar, a sensação
é mesmo distinta de outros aviões. O teto mais alto, com
um belo desenho e um recesso em forma orgânica que
esconde as luzes de cabine em LED (Light Emitting Diodes)
chama a atenção. Este sistema economiza peso, propicia
melhor utilização de energia, melhor controle de emissão
e menor troca de temperatura. Ou seja: mais eficiência.
Os bagageiros são também bem mais espaçosos que os
encontrados atualmente, permitindo até a utilização de
malas de padrão "carry-on" de tamanho médio.
Os assentos, dispostas 2+2+2 na Premium Class (12
poltronas) e 2+4+2 na Classe Econômica (252 lugares),
também agradam. Em tecido azul marinho, todos eles ficam
em "pods" de plástico. Mesmo na classe econômica, quando
se reclina a poltrona, a base do assento desliza para a
frente, aumentando a inclinação do encosto sem "avançar"
contra o infeliz ocupante do assento imediatamente
atrás. Esta é uma das centenas e novidades que prometem
fazer enorme diferença quando se voa no 787. Estava em
um lugar privilegiado: poltrona 8 A, bem ao lado do
enorme motor Rolls-Royce Trent 1000 (64.000 libras de
empuxo) e da magnífica asa japonesa da aeronave: sim,
ela é construída no Japão pela Mitsubishi, na cidade de
Nagoya, e levada para montagem final do outro lado do
Pacífico, em Seattle, em um único conjunto montado, a
bordo dos Boeing 747 especialmente modificados para esta
missão, os "Dreamlifters". Mas esta é outra história.
Ao se ocupar um assento junto à janela, outra mudança
facilmente visível é constatada ao se olhar para fora: o
enorme tamanho das janelas impressiona. Elas têm 48,3cm
de altura por 28cm de largura e são quase 40% maiores
que janelas convencionais. Não há cortinas para
fechá-las: um sistema engenhoso de ionização
eletrocromática de gás entre duas lâminas de acrílico
permite um processo de "dimerização" gradual da
quantidade de luz. Ao se apertar um botão abaixo da
janela, a luz externa vai sendo cada vez mais
"filtrada". Engenhoso e avançado sem dúvida. E,
sobretudo, poupa bastante peso no avião, uma preocupação
constante no desenvolvimento do jato.
É bom lembrar que 50% do peso total de um 787 é composto
por fibra de carbono. Quando se brinca dizendo que o
novo Boeing é um avião "de plástico", a imagem não está
distante da realidade: o emprego extensivo de materiais
compostos reduziu em 3% o consumo da aeronave. Os outros
ganhos vêm do uso de novos motores (8%), 3% pelo emprego
de novos sistemas, 3% de refinamentos aerodinâmicos e 3%
através da integração de todos estes avanços. Faça as
conta e você terá um avião 20% mais econômico no consumo
de combustível que os modelos que começa a substituir,
com custos operacionais diretos 10% inferiores às mais
modernas aeronaves em operação antes dele.
Você pergunta: sendo um avião de "plástico", isto não
poderia comprometer a segurança? Pelo contrário. Com
melhor relação de peso/resistência, o jato promete durar
mais, ser mais leve e, sobretudo, mais resistente à
corrosão do que os aviões "metálicos" em que seu vovô
voava. O uso de matérias compostos permitiu aumentar a
umidade no ar circulante pela cabine, propiciando um
ambiente muito mais agradável a passageiros e
tripulantes. O ar mais úmido faz enorme diferença em
voos mais longos, quando o organismo está passível de
sentir os efeitos nefastos do ar extremamente ressecado,
comum em outros aviões. A pressão interna na cabine
também é maior, contribuindo para um voo menos
cansativo. Equivale a uma altitude de 6.000 pés, contra
8.000 pés nos jatos convencionais. Com um detalhe: para
a proteção contra descargas elétricas, a Boeing colocou
na composição do material composto uma finíssima trama
de fios metálicos, que passam a ter o papel fundamental
de "fio terra" na absorção das descargas elétricas.
Pensava em todos estes ganhos enquanto a cabine ia se
enchendo de forma nipônica: com organização, agilidade e
silêncio impressionantes. Em menos de 12 minutos o avião
estava praticamente lotado, todos ocupando seus lugares.
Portas fechadas exatamente as 07h30. Prontos para
iniciar o voo na nova geração da aviação.
Voaríamos justamente no primeiro Boeing 787 a entrar em
serviço regular, o pioneiro 787-8 matriculado JA801A.
Existe uma lógica para explicar esta matrícula: "JA"
designa qualquer aeronave civil japonesa; "8" foi
designado para os Dreamliners; "01" é designador desta
aeronave; "A" no final para a All Nippon Airways, ou
simplesmente "ANA". O segundo avião da companhia,
JA802A, já estava em solo em Haneda, cumprindo a função
de reserva, à medida que mais pilotos vão sendo
capacitados a comandar o novo modelo. O programa de voos
ainda é conservador: são apenas duas viagens por dia,
uma ida e volta a Okayama pela manhã e uma rotação
Haneda-Hiroshima-Haneda, com decolagem de Tóquio as
16h30. As primeiras rotas internacionais regulares que
foram anunciadas serão Narita-Beijing e
Narita-Frankfurt, a partir de 1º de dezembro.
É o que eu comprovaria a seguir. Com tráfego pesado e
múltiplas saídas simultâneas, somente as 07h38 fomos
autorizados a iniciar o push-back. Os motores ganharam
vida e o nível de ruído, baixíssimo, impressionou.
Realmente, uma nova era, um novo padrão de som, mais
baixo e bem grave. Ao serem soltos os freios, a 07h42, a
simples potência em marcha lenta do par de Trents 1000
já fez com que o jato iniciasse o taxi rumo à nova pista
05, recém inaugurada de Haneda, usada somente para
decolagens. Taxiamos até ela e alinhamos sem tráfego a
frente. Eram 07h51 quando entrei oficialmente na Era
787. Aceleração gradual, nível de ruído ainda muito
aquém do esperado, decolamos e executamos curva à
direita com suavidade. Não levamos muito tempo para
atingir a altitude cruzeiro, que nesta etapa era de
apenas 23.000 pés. Tão logo chegamos lá, as comissárias
avisaram que o serviço de bordo teria início. Nesta
etapa, apenas seria oferecido um serviço de bebidas aos
passageiros da classe econômica.
Enquanto isto, me dediquei a analisar o sistema de
entretenimento. São monitores individuais posicionados
no revestimento posterior de cada assento. E como esta
estrutura é fixa, não se inclina, a visualização é
sempre perfeita. Observei que a qualidade da imagem e do
som são muito superiores ao que existe hoje. A ANA não
se fez de rogada e criou vários programas que mostram o
seu pioneirismo com a introdução do 787. Mas o destaque
ficou com o sistema de mapas (Airshow) que evoluiu
bastante. Há várias opções de telas com níveis de
informação diferentes. Um espetáculo para aqueles prezam
bons sistemas. Ah! Cada assento tem uma entrada USB, o
que permite não apenas recarregar seus equipamentos,
como também transformam o sistema em um prolongamento de
seus próprios brinquedinhos. Assim, você pode conectar,
por exemplo, seu IPod e administrar seu conteúdo desde o
próprio monitor de cada assento.
Após o suco de maçã, senti que a viagem passava rápido
demais para meu gosto. Iniciamos a descida para Okayama
as 08h30, quando sobrevoávamos a região de Kobe.
Voávamos a 484 milhas por hora, enfrentando um vento de
proa de 76 milhas. O 787 ficou ainda mais silencioso
quando os pilotos reduziram a potencia para o regime de
"Flight Idle", ou marcha lenta em voo. Negociamos
algumas curvas e, em meio a nuvens esparsas, descemos em
meio às montanhas, cobertas de bruma, da região do
Okayama. Slats abertos as 08h45. Muitas montanhas abaixo
e bem próximas: esta é uma aproximação trabalhosa e
arriscada, sem dúvida. Pousamos as 08h51, completando a
primeira etapa em redondos 60 minutos de voo.
NH 654 Okayama - Tóquio
Premium Class
Neste Flight Check, prosseguimos na experiência -
inédita na internet brasileira - de se voar no futuro da
aviação comercial, o Boeing 787 Dreamliner. Agora vamos
cumprir a etapa de retorno de Okayama a Tóquio, na
Premium Class.
A parada em Okayama seria curta. Apenas o tempo de
desembarcar, fazer o controle de segurança e retornar à
sala de embarque do modesto mas organizadíssimo
aeroporto. Quando chegamos, havia três aviões em solo:
um 737-700 da United, um A320 da China Eastern e um
737-400 da JAL, que partiu pouco depois para Tóquio.
Subi ao segundo andar onde há um terraço aberto e de lá,
consegui fazer boas imagens do 787. Não era o único
fotografando o novo avião. Muito pelo contrário: todo
mundo parecia querer fazer uma imagem do avião do
futuro.
Fomos chamados para embarque as 10h00 e fui um dos
primeiros a entrar - privilégio pois voltaria na cabine
dianteira, ou Premium Class. Nesta configuração
doméstica, o 787 leva 264 poltronas, sendo 12 na
primeira cabine do deck principal. Como se pode esperar,
estas poltronas reclinam bastante e estão separadas por
uma distância de 57 polegadas entre fileiras: são os ANA
Cradle Seats. Na configuração para voos internacionais,
o programado são apenas 158 poltronas, metade das quais
da Premium Class. Se na classe econômica a sensação de
espaço já era evidente, agora ficou ainda melhor.
Comparada ao Boeing 767, a cabine do Dreamliner é 75 cm
mais larga, suficiente para a colocação de mais uma
poltrona por fileira.
Fui recebido com simpatia e com um souvenir
inesquecível: um diploma de voo inaugural, um mimo que
aparentemente a ANA reserva para seus clientes voando na
Premium Class. Ao receber o documento assinado, comecei
a rir muito. Um dos meus passatempos preferidos no
Japão, uma nação que se orgulha de seu perfeccionismo e
atenção religiosa aos detalhes, não deixa de ser
hilariante ver as bobagens perpetradas contra a língua
de Shakespeare. Veja a foto de descubra onde está o
erro!
Mas, voltando ao voo: outro embarque primorosamente
organizado e, portanto, rápido. Casa cheia novamente:
253 poltronas ocupadas, apenas onze lugares vazios. Com
o reabastecimento finalizado, levaríamos 12.400 kg de
JET A-1, ante uma capacidade de 102.000 kg. O estimado
de consumo nesta etapa era de 4.400 kg. O 787 queima
4.000 kg de combustível, em média, por hora em voo em
cruzeiro. Tudo pronto, portas fechadas as 10h15, fomos
autorizados para partir e o trator empurrou o Dreamliner
para o pátio vazio as 10h20, cinco minutos depois do
horário publicado. Trents girando silenciosamente, o
pessoal de terra cumpriu sua tradicional despedida,
acenando para os ocupantes do voo NH654 e fazendo a
clássica reverência de abaixar o tronco, o que sempre me
impressiona positivamente. Ao iniciarmos o táxi, o
JA801A pesava 146.400 kg, ante um peso máximo de 228.000
kg. Fomos para a mesma cabeceira 07 e alinhamos.
Potência aplicada, 128 mil libras de empuxo trabalhando,
iniciamos a corrida e logo ultrapassamos as velocidades
programadas para aquela operação: V-1 e V-R de 129 nós e
V-2 de 136 nós. A aceleração na pista foi gradativa,
potência cuidadosamente aplicada aos Trents. Corremos 45
segundos até rodarmos e o nariz do 787 apontar para o
céu. Subimos em rota, cumprindo a saída por instrumentos
CUE e logo interceptávamos a aerovia Y71. Nossa
navegação indicava algumas curvas no congestionado
espaço aéreo japonês, com sobrevoo dos fixos DIIVA,
aerovia Y21, fixo ADDUM e então prosseguiríamos na
chegada por instrumentos ARCON para a pista 34L de
Haneda. O Boeing 787 cruza a Mach 0.85, uma velocidade
superior à maioria dos jatos comerciais, que hoje voam
entre Mach 0.79 e Mach 0.82. Pode não parecer muito, mas
em voos mais longos, esta diferença pode reduzir uma
viagem em mais de uma hora.
Estabilizamos e o serviço de bordo teve início. Na
Premium Class, o padrão é bem superior. Há um par de
chinelos, cortesia da ANA para cada passageiro. Dois
cardápios impressos, um para bebidas e outro para
alimentos, enfatizam o frescor dos alimentos (orgulho da
milenar culinária local) e mostravam uma refeição em
caixinha (tipo Bentô) com destaque para uma finíssima
sopa de caranguejo e cogumelos e um "sandô" (sanduíche)
ocidental de presunto e maionese de ovo. Havia ainda uma
fresquíssima salada com molho golf, composta de folhas,
tomate cereja e uma maioneses de microscópicos camarões
adocicados, tão apreciados no Japão. Uma refeição
compacta mas do tamanho da minha fome: estava acordado
desde a madrugada. Agradou bastante, pois, além do
tamanho correto, estava realmente saborosa. Bebidas e
escolher, repeti um suco de maçã. Lá fora, cruzávamos o
espaço aéreo japonês e tão logo passamos no través de
Oshima, iniciamos a descida. Tráfego negociado,
aproximação foi feita a cabeceira cruzada a 136 nós. Em
segundos, após um suave "flare", pousamos na pista 34L
de Haneda as 11h26, quatro minutos antes do horário
previsto, completando a etapa em 54 minutos. Taxiamos
lentamente rumo ao Terminal 2. Fazia sol e 18ºC em
Tóquio.
Primeiro a embarcar, último a sair. Aguardei
pacientemente o final do desembarque para me apresentar
à tripulação. Neste voo tivemos três comandantes em
treinamento, juntamente com Ted Grady, piloto instrutor
da Boeing, que supervisionou o processo. O acesso à
cabine de comando não foi possível, até porque isto é
lei no Japão. Ainda assim, fui recebido na porta da
aeronave pelo próprio Grady e por Masami Tsukamoto,
Piloto-Chefe do 787 e primeiro profissional de voo de
uma empresa aérea a ser certificado a comandar o Boeing
787 em todo o mundo. Conversamos rapidamente, ele se
mostrou interessado na aviação brasileira. E deixo ao
comandante Tsukamoto as palavras que encerram este
Flight Check tão especial. Perguntei a ele qual a
sensação de comandar o avião que representa o futuro da
aviação. Com os olhos brilhando, ele pensou por alguns
segundos e simplesmente disse: Este é mesmo um "Jato dos
Sonhos".
Avaliação: Notas vão de 0 a 10.
1-Reserva: Nota 10.
Feita facilmente com a própria empresa aérea.
2-Check-In: Nota 10.
Excelente, apesar das dificuldades pela barreira da
linguagem.
3-Embarque: Nota 10.
Organizadíssimo, com prioridade para os passageiros da
Business e por zonas.
4-Assento: Nota 8.
Na econômica, uma bela inovacão com os assentos em
conchas. Na Premium, correto para voos de etapas médias
ou curtas.
5-Entretenimento: Nota 9.
Sistema ainda vai ser completamente implantado, mas
agradou muito o Airshow de última geração. E conexão USB
é uma mão na roda.
6-Serviço dos comissários: Nota 10.
Impecáveis, solícitas, perfeitas.
7-Refeições: Nota 7.
Gostei do padrão de catering na Premium, sobretudo para
um voo curto. Na econômica, apenas um copo de bebida.
Podia ter uma bolachinha, pelo menos.
8-Bebidas: Nota 7.
Corretas as opções aqui também.
9-Desembarque: Nota 10.
Como tudo que é nipônico, bastante organizado.
10-Pontualidade: Nota 10
Na ida, saída com 5 minutos de atraso mas com chegada
pontual. Na volta, chegamos cinco minutos adiantados.
Nota final: 9,10
Comentário final: Confesso que neste Flight Report é
extremamente difícil separar o jornalista do entusiasta,
a visão analítica de executivo de aviação com a
impressão positiva como passageiro. Mas o dever me
chama. Depois de 40 meses de atraso, promessas desfeitas
e bilhões de dólares pagos em multas e compensações a
clientes insatisfeitos em todo o mundo, o Boeing 787 é
hoje uma realidade. Desde 26 de outubro de 2011, ele
está transportando passageiros pagantes e começando a
trazer retorno financeiro à primeira empresa a
recebê-lo, a All Nippon Airways.
Como passageiro, fiquei deslumbrado com o que
experimentei. Como executivo de aviação, sei que o
Boeing 787 vai mudar a maneira como o mundo voa. Ele vai
propiciar mais voos sem escalas, abrindo novas rotas sem
escalas entre dezenas de cidades em todo o mundo,
valendo-se de seu enorme alcance de 14.800 km. É o que
se chama em aviação de uma aeronave "game-changer",
aquela que chega para dar uma virada no jogo - a favor
da Boeing e de quem escolheu o 787 para renovar suas
frotas. Para encerrar esta matéria, fica uma passagem
verídica, curiosa e sintomática. Valeu a espera? Com a
palavra, Shinichiro Ito, CEO da ANA, ao receber o
primeiro avião em Seattle, em 26 de setembro passado,
lembrou de um ditado de sua terra natal: "O filho que
nasce após uma gestação e parto difíceis será sempre
mais amado pelos seus pais."
Vida longa a você, Dreamliner.
© Gianfranco Beting / Jetsite 2012