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Aer Lingus
O telefone tocou antes do previsto. Eram 5 horas da
manhã em Amsterdam e eu dormia o sono dos justos,
pesadamente.
Atendi, limpando a voz: yeees... Do outro lado, meu
interlocutor explodiu em meus ouvidos:
Gianfranco! Bom dia! Aqui é o Comandante Omar! Que horas
são aí?
Aaahn, é... bom dia, comandante... Ainda zonzo procurava
dar um cold-start ao cérebro, que se recusava a entrar
em "ignition". Ah, as horas, aqui, não é, bem, são cinco
horas da manhã...
Omar, que sabia muito bem que horas eram em Amsterdam,
continuou:
Ah, certo. Estou ligando neste horário porque o o senhor
vai voltar hoje ao Brasil, não vai?
-Sim, estarei voltando mais tarde, ainda hoje.
-Então, mudança nos planos!
A esta altura, meu cérebro já estava entrando em contato
com o restante do corpo. E com as palavrinhas mágicas,
ele finalmente "startou".
-Olha aí: o senhor vai fazer uma ligeira espionagem
industrial... Eu quero que o senhor experimente o A330
da Aer Lingus, voltando via New York e depois pegando o
nosso vôo lá. E faça um "Flight Report" com suas
impressões. Como o senhor sabe muito bem, estamos
pensando em comprar o aparelho, e quero saber sua
opinião.
Dito isto, meu cérebo já tinha passado do ponto morto
para "overspeed". Voaria num A330 novinho em folha? Da
Aer Lingus? E eu ainda era pago para isso? Tentando
parecer o mais profisional possível e esconder minha
excitação, perguntei com a traqnquilidade de quem
recebia por missão algo como ir comprar cigarros na
padaria:
-Perfeito, comandante. Compro o bilhete na econômica ou
na executiva?
-Executiva, claro. Mas olha aí, rapaz: pechinche! Te
vejo no escritório amanhã cedo. Tenha um bom dia. Click.
Uauuuu, uivei sozinho no quarto de hotel. Tomei um banho
e um café, cancelei meu retorno ao Brasil pela KLM e fui
para Schiphol, o aeroporto de Amsterdam.
Entrei no enorme saguão e fui para o balcão de venda de
passagens da Aer Lingus, a companhia estatal da Irlanda,
que com seus jatos verdes adornados com um enorme trevo
- conhecido como Shamrock - faz da empresa uma digna
representante de seu orgulhoso e nacionalista povo.
-Bom dia, o senhor ainda tem lugar na classe executiva
para New York, no vôo de hoje?
-Rápida consulta... Sim, temos lugar. Um passageiro
apenas? São US$ 7,200.
Gulp, engoli em seco. Mas ordens são ordens, pensei.
-Pode debitar no meu cartão.
Eram pouco mais de oito horas da manhã. Eu estava
embarcando para Guarulhos via Dublin e New York pela Aer
Lingus, com conexão em JFK com o vôo da Transbrasil, que
na época fazia escalas em Washington e Brasília, antes
de chegar a GRU. Uma verdadeira maratona aérea me
aguardava.
Depois de um curto vôo num 737-500 da empresa irlandesa,
era recebido no aeroporto de Dublin por uma funcionária
elegantemente uniformizada, que me recebeu na porta do
737 e me encoaminhou à sala VIP da empresa. Em minutos,
estava tomando um chá na sala, enquanto ela confirmava a
etapa seguinte e fazia com que eu me sentisse um rei.
-All set, Mr. Beting. Have a good flight to New York! se
despediu ao se certificar que tudo estava correto. Deve
ter sido mesmo um caso de remorso corporativo, por
cobrar US$ 7,200 por 7 horas de vôo...
Enfim, outra funcionária apareceu e me conduziu da sala
VIP diretamente ao meu assento, 2A. Entrei na espaçosa
cabine, decorada em elegantes tons de verde, a cor
nacional da Irlanda. Excelente e calorosa recepção da
tripulação. Saberiam eles também quanto eu paguei? Fui
tão bem tratado por todo o vôo que pensei que pudesse
ser mesmo este o caso... O pitch era de 52 polegadas, um
bom padrão para a época.
E na medida que me acomodava, assistia a um enorme
número de passageiros embarcando. Primeira semana de
julho é alta estação em todo o mundo, mas especialmente
no Atlântico Norte. E no longínquo ano de 1995, bem
antes da Al-Qaeda, do Saddam e da SARS, a aviação
comercial vivia uma fase dourada. Consequentemente, o
A330-300 estava quase lotado. Dos 327 assentos
disponíveis, sendo 24 na classe Premier (executiva), o
nosso vôo deixou o gate com 313 passageiros e 13
tripulantes, POB 326. O número de comissários, 11, é
distribuido com 3 profissionais cuidando dos 24 assentos
da Premier e 8 cuidando de 315 assentos da classe
econômica. A tripulação técnica para aquele vôo era de
apenas dois tripulantes, fato comum nos jatos de nova
geração.
Portas fechadas às 12:00 em ponto, o trator deu o
push-back no nosso "Green Giant" de mais de 200
toneladas, às 12:03. Os dois motores Pratt & Whitney
girando, o Airbus matriculado EI-SHN e batizado St.
Flannan (todos os jatos da Aer Lingus têm nome de
santos) iniciou seu taxi rumo à pista as 12:11. Sete
minutos depois, e pesando exatas 212 toneladas, o
A330-300 ganhou altura e iniciou sua ascenção direta ao
nível 370, exatos 37.000 pés acima do Atlântico Norte.
Foi servido então o almoço: três opções de pratos
principais: optei pelo linguado, e ainda. havia como
opção um cordeiro e uma pasta. Depois dos pratos
quentes, a refieção prosseguia com queijos, frutas e
sobremesa, esta sem opção.
Logo após o almoço, fui cumprir meu dever de espião e
solicitei uma visita à cabine de comando. E tive a sorte
de encontrar sentado no jump-seat, Mr. Gene Murphy, na
época o Manager Flight Operations da Aer Lingus.
Expliquei quem eu era e meu objetivo de colher o máximo
de dados possíveis sobre a operação dos A330-300 na Aer
Lingus. Ele, o comandante e o F/O foram muito
cooperativos e falaram com entusiasmo sobre o então
novíssimo aparelho da empresa, com menos de um ano de
uso na época, e substituindo ninguém menos que os Boeing
747-100.
Mr. Murphy então relatou que a Aer Lingus estava
bastante satisfeitos com seus A330, embora estovessem
com uma utilização diária de 07:30, apenas razoável. E
completou dizendo que não tiveram grandes problemas, a
não ser com superaquecimento dos freios de carbono, e
com o o sistem de IFE, (Inflight Entertainment) o que
aliás, era comum. O sistema escolhido pela Aer Lingus é
o Hughes AVCOM, o mesmo da Lufthansa, Virgin e Cathay,
entre outros.
Perguntei ao comandante como ele havia se adaptado na
transição do 747 para o Airbus e ele se disse muito
satisfeito com o A330. E comentou que mesmo próximo da
MTOW de 212 toneladas, o A330 subira direto para o nível
370, sem progressive steps o que, segundo o comandante,
é normal. Ele também disse que a reação das outras
tripulações foi ótima, que o avião "é dócil, gostoso de
voar, and it's impossible to stall. Fez uma pausa e
concluiu, com um olhar maroto: But it's possible to
crash...
Outros dados interessantes que pude coletar na cabine de
comando: naquela etapa, o EI-SHN foi abastecido com 42
toneladas de combustível, e gastaria em cruzeiro apenas
5,200 litros por hora. O Nosso ZFW (Zero-Fuel Weight,
peso sem combustível) foi de 159 toneladas, e o A330
ainda teria capacidade para mais 5 toneladas de carga
paga.
Voltei para meu assento satisfeito e continuei
conversando com os tripulantes de cabine, igualmente
felizes com seu novo e reluzente A330. Eles me disseram
que a reação dos passageiros também foi positiva, apesar
do A330 substituir os 3 Boeings 747-100 que eles
operaram por mais de 25 anos nestas rotas. A única
queixa foi em relação ao neumero de comissários na
classe executiva, que segundo o próprio purser, deveria
ser de 4 profissionais e não de 3: o serviço, em
consequencia, acabou ficando mais lento, sem, contudo,
deixar de ser atencioso.
A programação e os sistemas de entretenimento
funcionaram perfeitamente, e ajudaram a viagem a passar
mais rápido. Mas é um trecho relativamente curto, mesmo:
apenas 06:40 de vôo no caso do EI105. Antes do pouso,
foi servido um chá completo e elegante. Eram 18:22
quando o EI105 abandonou sua altitude de cruzeiro para
iniciar descida para o aeroporto de JFK. Pousamos na
pista do JFK às 18:58, hora de Dublin ou 13:58, hora
local em New York.
Avaliação: notas vão de zero a dez.
1-Reserva: Sem nota.
Não foi feita: a compra foi direta no ticket office do
aeroporto em Amsterdam, um autêntico Go-Show.
2-Check-In: Nota 10.
Rápido e impecável.
3-Embarque: Nota 10.
Uma impecável profissional me acompanhou da sala VIP ao
meu assento. Só falto carregar minhas malas.
4-Assento: Nota 7.
Padronagem atraente, em cinza com detalhes verdes e
azuis. O pitch, de 52" é bom.
5-Entretenimento: Nota 7.
No padrão internacional, sem grandes novidades.
Monitores individuais nas poltronas.
6-Serviço dos comissários: Nota 8.
Elegantes e profissionais, foram simpáticas ao atender
meu pedido de visita à cabine.
7-Refeições: Nota 7.
Sem brilho, mas sem dever nada. Receitas pouco
inovadoras, mas saborosas.
8-Bebidas: Nota 9.
Boa carta de vinhos, tudo bem servido e com copos
razoáveis. 9-Necessaire: Nota 7.
Pequena, mas com tudo que se espera.
10-Desembarque: Nota 10.
Rápido e sem problemas.
11-Pontualidade: Nota 10.
No horário.
Nota final: 8,50
Comentário final: O A330 e a Aer Lingus foram muito bem
neste flight report. Embora não sendo um serviço
extremamente inovador, o aparelho novíssimo, combinado
com profissionais experientes - e aparentemente bastante
preocupados em agradar - resultou numa combinação
vencedora. Pode voar Aer Lingus sem susto.
Gianfranco Beting