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Vasp: point of no return
Pobre Vasp. Quem acompanha os noticiários sobre a
situação da empresa, sabe que trata-se de paciente em
estado terminal. Em estado grave demais, sofrendo
demais, causando sofrimento demais, somos levados a
pensar que talvez o fim não esteja apenas próximo, como
seja algo tristemente desejável para a outrora grande
Vasp.
De nada adianta, agora, tentar ajudar a companhia que
traz o nome de São Paulo - embora seja administrada por
donos radicados em Brasília. Além deste fato ser
emblemático, mostra que os valores essenciais da empresa
há muito se perderam. A Vasp, como gostaríamos de ver,
já não existe mais. Ela já passou pelo "Point-Of-No-Return".
Dona de mais de 33% do mercado ao ser privatizada em 1º
de outubro de 1990, a empresa foi parar nas mãos de
Wagner Canhedo, empresário de sucesso inegável num outro
ramo do setor de transportes, o de ônibus municipais.
Os bastidores dessa concorrência, realizada no auge da
República Allagoana de Fernandinho Collor & Caterva,
foram marcados por fatos, digamos, curiosos. Por
exemplo, poucas horas antes do leilão, o próprio Cmte.
Rolim Adolfo Amaro e a TAM, um dos grupos interessados
na concorrência, desistiu do negócio. Se Rolim sabia de
algo, o resto da opinião pública, ao travar conhecimento
sobre os novos proprietários da empresa, perguntava-se:
teriam os novos donos da Vasp competência, além de
condições financeiras, para assumir a empresa?
Canhedo e o consórcio VOE, formado por grupos de
funcionários "convidados" a assumir participações
acionárias na privatizada Vasp, foram aos meios de
comunicação para afirmar que até o ano 2000, "A Vasp
seria a maior empresa aérea da América do Sul". O que
aconteceria a seguir, poderia ser descrito como uma das
mais turbulentas fases da recente história de nossa
aviação comercial.
Em questão de meses, Canhedo assinou contratos de
leasing e trouxe dezenas de novos jatos. E não estava
substituindo os já vetustos 737-200 da empresa: estava
mesmo ampliando serviços. A empresa passou de 32
aeronaves em 1990 para 61 em 1992. Dobrou de tamanho.
Tão notável quanto a expansão da companhia no mercado
internacional. Num par de anos, a Vasp passou de uma
única e modesta rota internacional (um vôo semanal para
Aruba) a servir San Francisco, Los Angeles, Seul, Osaka,
Atenas, Casablanca, Barcelona, Frankfurt, Buenos Aires,
Miami, Orlando, New York. Não havia dúvidas: Canhedo era
um gênio, um dínamo empresarial. Ou será que não? Todas
as novas rotas internacionais da Vasp foram conquistadas
através da escolha das pessoas certas, colocadas por
Canhedo nos lugares certos: como explicar que todas as
novas rotas solicitadas pela empresas aéreas à Cernai
(departamento do DAC responsável pelas decisões técnicas
concernentes ao tráfego internacional) acabavam sempre
sendo concedidas à Vasp em detrimento da Varig e
Transbrasil?
Canhedo mostrou-se mesmo um empresário brasileiro do
tipo antigo, do tipo clássico, aquele que está sempre
mais atento às relações com o governo do que com seus
usuários ou acionistas. Assim, a empresa não foi
modernizada, não adotou práticas idôneas, não tomou as
decisões lógiocas, não treinou e investiu na reciclagem
de pessoas, de métodos, não investiu em ações
consistentes de marketing. Não evoluiu e não promoveu o
crescimento de seus colaboradores.
Compare, no mesmo período, o que aconteceu com a TAM,
que em 1990 tinha 14 Bandeirante e 10 Fokker F-27: a TAM
escolheu pactuar com o Passageiro, não com o Brigadeiro.
A TAM preferiu trabalhar sua imagem, melhorar seu
serviço, modernizar seus métodos - o que significa muito
mais que trazer aviões modernos. Enfim, cuidar bem de
quem paga a passagem. Veja onde as empresas estavam em
1990, compare onde estão hoje - e tire suas conclusões.
O fato é que antes de 1992 acabar, boa parte dos jatos
da Vasp, arrendados junto à GPA / GECAS, foram retomados
por falta de pagamento dos aluguéis, ficando semanas
encostados em Viracopos antes de serem devolvidos. Por
blefar ao se recusar a pagar, como se estivesse jogando
pôquer, Canhedo fechou as portas do mercado financeiro
internacional, um erro que ninguém teria a ousadia de
cometer. A não ser, claro, que esse alguém não fosse do
ramo.
E, desde então, a Vasp - e mesmo toda a aviação
brasileira - passou a ser vista for a do país como um
ambiente amadorístico, não confiável, hostil e arriscado
para negócios. Conseguir crédito junto aos os organismos
e instituições financeiras internacionais tornou-se
ainda mais difícil para todas as empresas aéreas
brasileiras. Graças ao Sr. Wagner Canhedo.
O que Canhedo não sabia, porém, é que a Vasp, ao dar o
calote, tinha encontrado sua Waterloo. A empresa nunca
mais conseguiria crédito fácil: muitas empresas
simplesmente se recusam a trabalhar com a Vasp até hoje.
Outras, quando o fazem, cobram alto, a título de
salvaguardar seus interesses. É por isso que a companhia
não consegue renovar sua frota. Ninguém mais faz
negócios com a Vasp.
E quem diz que raios não caem duas vezes no mesmo lugar
não conhece esta administração da Vasp: a empresa, anos
depois daria - pasme - novo calote nos arrendadores, ao
deixar de pagar os contratos dos MD-11 que ainda
operava, para as rotas internacionais que abandonara. A
situação de descontrole era evidencializada pelos
trijatos que eram canibalizados a céu aberto, à frente
de todos, no aeroporto de Guarulhos. Um deboche.
Sem imaginação nem talento, a Vasp passou a tentar
encher seus Boeings velhinhos na base do desconto, da
liquidação. E aí a Vasp assinou seu atestado de óbito,
pois só dá desconto quem tem muito no caixa ou quem tem
custo baixo. Não era o caso. Assim, a entrada da Gol no
mercado e das "charters regulares" tipo Fly, BRA e
quejandos (outro descalabro) acabaram por arrasar a
Vasp. Se preço baixo era a o que ainda atraia os
passageiros mais incautos, então, porque não voar nos
moderníssimos 737-700 laranjinhas? A participação da
empresa chegou aos atuais 7% de mercado, um triste
recorde histórico.
Com a acertada decisão do DAC de exigir o cumprimento
das ADs (reforços estruturais obrigatórios determinadas
pelo próprio fabricante) nos 737-200 safra 1969, a Vasp
perdeu, da noite para o dia, 6 jatos fundamentais para a
própria sobrevivência da empresa. Pior: a Vasp não tem
dinheiro para fazer as revisões, que custam mais que as
próprias aeronaves e que tomam tempo. Não tendo aviões
para voar, não tem caixa para pagar salários e
obrigações. Sem dinheiro girando, não consegue financiar
a compra de aeronaves para substituir os Boeings parados
por decreto.
É bom lembrar que a Transbrasil enfrentou há três anos
as mesmas condições. E, como tinha também uma fatia
pequena de mercado, ninguém saiu em sua defesa. Sairia
agora o governo a estender a mão salvadora, redenterora,
à Vasp? Nunca se sabe, mas o fato é que com menos de 7%
de Mercado, a Vasp, infelizmente, é uma empresa que pode
ser considerada descartável.
É triste constatar, mas a Vasp não sai mais dessa. A
empresa que traz nas asas décadas de tradição e de bons
serviços, morreu. Cabe agora às autoridades tomar as
providências para salvaguardar os interesses de
passageiros e credores. E que seja rápido: cadáveres
insepultos, depois de um tempo, começam a cheirar