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Varig: epílogo


Agora está confirmado: a Varig não irá à falência. Ela vai definhar, minguar até desaparecer. Exatamente como acabaram a Transbrasil e a Vasp: devagar, prejudicando os consumidores, aviltando a concorrência (com descontos de até 80%) e lesando o erário - ao continuar voando sem pagar nem a Infraero nem a Petrobras, por exemplo.

Isso se deve, em grande parte, ao papel do juiz carioca Luiz Roberto Ayoub no processo, que passa de magistrado a executivo: o meretíssimo agora deu para "negociar", ele próprio, uma solução, adiando indefinidamente uma decisão. Em que pese a nobreza de suas intenções, ele não está lá para isso. Uma distorção provavelmente inédita na hstória da justiça. O juiz larga a toga e sai por aí negociando para ajudar uma das partes. Um gesto que por sí só demonstra o verdadeiro "Teatro do Absurdo" em que se transformou o ocaso da Varig. Imagine agora se um executivo da Varig veste uma toga e sai por aí distribuindo decisões com peso de lei? É um absurdo extamente igual ao que se vê na atuação de "Sua Incelensa."

Pior: quanto mais o tempo passa, mais grave é a situação da empresa. Da data do leilão fracassado até ontem, a Varig perdeu 7 jatos de grande porte, retomados judicialmente: cinco MD-11 e dois 777-200. Perdeu também nove motores, que serão retirados de aeronaves em vôo e em manutenção, o que deverá siginificar mais três ou quatro jatos parados em solo, sem capacidade de gerar a receita que a companhia precisa desesperadamente. Outro exemplo: quando foi a leilão, a companhia tinha 15% do mercado doméstico, aproximadamente. Hoje, não deve chegar a 10%. E desses 10%, a maioria dos passageiros está "queimando" milhas, ou voando em trechos domésticos em conexão com os vôos intercontinentais da empresa que ainda operam. Há ainda aqueles que estão voando apenas para aproveitar esses descontos de mais de 75%. De qualquer forma: a Varig perde mais de US$ 3 milhões de dólares por dia. E está cancelando pelo menos 20% de seus 180 vôos diários. Se não havia encontrado interessados antes, como haveria de encontrá-los agora?

O fato é o seguinte: o mercado, e agora também os consumidores, não mais acreditam na empresa. A falta de compradores para a Varig tornou-se evidente nos últimos dias. A única interessada formalmente na aquisição, a NV Participações, nada mais é que a representante da associação Trabalhadores do Grupo Varig (TGV). A NV tinha até ontem para comprovar sua capacidade de cumprir com a oferta feita, de R$ 1,010 bilhão. Não conseguiu apresentar qualquer garantia. Então a NV Participações solicitou um prazo maior para fazer o depósito de US$ 75 milhões, previsto no edital do leilão e que funcionaria como um sinal da oferta. Esse pagamento deveria ter sido feito na última segunda-feira, 12/06, mas a TGV avisou que só conseguiria cumprir a determinação no dia 21 de junho, mesma data em que o juiz Robert Drain, da Corte de Falências de Nova York, irá retomar o julgamento que pode culminar com o arresto de 23 aeronaves da Varig. E a paciência dos arrendadores há muito já acabou.

O "juiz-executivo" Luiz Roberto Ayoub teve então de adiar pela quarta vez o resultado do leilão da aérea. Desta vez, o anúncio da venda foi protelado por prazo indeterminado. Não foram divulgados também os motivos para o novo adiamento. Ayoub encontrou-se no fim da tarde de ontem com o presidente da companhia aérea portuguesa TAP, Fernando Pinto, de quem teria recebido uma nova proposta. A TAP tem articulado a oferta em nome de um consórcio, formado também para Air Canada, a Brascan e o fundo Brookfield.

Tudo o que dissemos em editoriais anteriores tristemente se confirma. Principalmente o fato de que ninguém quer arcar com o ônus de passar para a história como o algoz da Varig. Ninguém quer ser visto desligando o respirador artificial que mantêm a empresa voando. A cada dia que passa o rombo é maior, o número de passageiros prejudicados aumenta e as dívidas crescem.

Donde se conclui o seguinte: a Varig vai acabar, sem que seja necessária a decretação da falência. Uma morte ignóbil, um momento de horror no capítulo final de 79 anos de história desta que por décadas foi um símbolo nacional. E como tal, faz com que as pessoas abandonem qualquer lógica e tratem o assunto com cega paixão. A sociedade se divide entre os que torcem pela Varig (a esmagadora maioria) e os poucos que querem seu fim: os prejudicados diretamente pelos calotes sucessivos (BR, Infraero, empresas de leasing, fornecedores) e, claro, a concorrência.

A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), responsável por fiscalizar o setor, reunia-se com os presidentes das companhias aéreas concorrentes da Varig dando tratativas à atualização do plano de contingenciamento para a quebra da Pioneira. Ao mesmo tempo, o presidente da ANAC, Milton Zuanazzi, ia à mídia e numa coletiva à imprensa no início da noite de ontem, 14/06, argumentando que a Varig "continua voando normalmente" . Disse também que "tem esperança na recuperação judicial." Pressionado pelos jornalistas, veio com mais esta: "Para que você vai assustar o usuário divulgando um plano de contingenciamento se há uma saída para a Varig?"

O presidente da Anac considerou os mais de 60 cancelamentos de vôos realizados pela aérea entre sábado e ontem como uma "atitude normal" e descartou a aplicação do plano imediatamente. "A Varig é uma empresa regular e nós acreditamos que está tudo bem," afirmou. "A Varig está passando por um momento difícil e o usuário tem que compreender." Disse ainda que a maioria dos cancelamentos foram por falta de manutenção dos aviões e considerou a atitude da empresa responsável. "O usuário tem um prejuízo na hora, porque não voa, mas tem um ganho também", concluiu Zuanazzi, referindo-se à segurança dos passageiros que não embarcaram.

O presidente da ANAC também poderia afirmar que acredita em duendes, mas infelizmente nenhum jornalista presente à coletiva levantou esta relevante questão.

Vida após Varig

Com tanta paixão envolvida, atitudes e opiniões como essas e a do "juiz-executivo" Luiz Roberto Ayoub não surpreendem mais. Num país comandado pelo Marcola, nada mais assusta. A não ser, talvez, o epílogo dessa história, que tem tudo para virar pesadelo. O que todos perguntam é: O que vai acontecer depois que a Varig acabar? Em rápidas pinceladas: quem tem milhas vai perdê-las. Milhas não são um desconto, portanto não são um direito: elas são um bônus, que desaparece junto com quem as concedeu. A única solução é trocá-las imediatamente por passagens nas outras empresas da Star Alliance ou em companhia que têm acordos com a Varig: TAP, United, Swiss, Lufthansa, etc. A Pluna também aceitou emitir passagens em troca de milhas da Varig. Já para aqueles que estiverem no meio de uma viagem, esses terão de arcar com custos adicionais: seja na hospedagem forçada pelo cancelamento de vôos, seja na comprar de um bilhete numa empresa concorrente. Mais de 16.000 passageiros estão fora do Brasil, viajando com bilhetes da Varig. Não vai ser fácil acomodar toda essa gente em aviões de empresas concorrentes.

E quanto às rotas internacionais da Varig? Elas serão redistribuídas e a partilha já está definida. A TAM herdará os destinos europeus para onde ainda não voa, como a Alemanha, Espanha e Itália. Nos outros mercados servidos pela RG no Velho Continente, Paris e Londres, a TAM já voa ou está prestes a voar. A única dúvida é se a TAM terá interesse em voar para Amsterdam e Copenhagen: nosso palpite é não, ao menos por enquanto. A TAM ficará também com os vôos norte-americanos da Varig, até porque de todos os destinos hoje operados pela RG, apenas Los Angeles ainda não é servida pelos jatos da Vermelhinha. Por falar nesse vôo, é provável que a médio prazo a TAM faça uma escala em LA ou New York e de lá retome os vôos para o Japão, operados pela Varig até 16 de janeiro último.

A Gol ficará encarregada da maior parte das rotas para os países da América do Sul, para onde já opera e para os quais terá em breve condições de operar com seus novos 101 Boeing 737-800 que tem encomendados e que começam a ser entregues no mês que vêm. Já a BRA assumirá vôos com destino a Lisboa e Madri, juntamente com a TAM, que deverá entrar a médio prazo nos mercados da península ibérica.

No mercado interno, a situação não é crítica: com apenas 10% do mercado, o fim da Varig não provocará maiores inconveniências.

Finalmente, aos funcionários da Varig, a não decretação da falência vai deixá-los a descoberto, sem direitos às suas aposentadorias, a exemplo do que acontece com os Vaspeanos e ex-funcionários da Transbrasil. Para os aeronautas da Varig na ativa, resta o consolo: se quiserem, em questão de meses terão ofertas de trabalho na Gol, TAM, Ocean Air e BRA. Para quem ama aviação como nós, o fim da Varig vai ser mais um duro golpe: Transbrasil, Vasp e agora, Varig. Vem aí o duopólio, minha gente. Preparem-se, pois em breve, vocês vão assistir o filme: Apertem os cintos, o desconto sumiu.

15/06/2006

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