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Tiro de Misericórdia
A Varig não morreu. Grande notícia para a aviação
nacional. Mas se não está morta, tampouco tem sua
sobrevivência garantida. A Velha Varig de outrora, agora
substituída por uma "Varig Light", é outra empresa, com
frota reduzida, milhares de funcionários a menos e novos
donos. Essa nova empresa, que traz a marca e o nome da
Varig, está longe de navegar por céus tranquilos. As
notícias e boatos não cessam. As perguntas que pairam no
ar também. Essa Nova Varig tem condições de sobreviver e
prosperar? Com a competição acirrada como está, ela
poderá voltar a ser o que um dia foi a Varig? E os
milhares de demitidos? E os milhões devidos? E as rotas
internacionais abandonadas?
As perguntas são tantas, as dúvidas tão grandes, que
resolvemos fazer um editorial respondendo a essa série
de perguntas feitas pelos leitores nas últimas semanas.
As informações são válidas para a data de hoje, de
publicação desta matéria, 21/07/2006. Amanhã, a história
pode ser outra.
Qual o plano de vôo da nova Varig?
A VarigLog, nova dona da empresa, anuncia a operação de
até 13 aeronaves dentro de uma semana, data fixada para
reinício das operações, suspensas totalmente (à exceção
da ponte RJ-SP) a partir de hoje. A companhia espera
retomar suas operações, gradativamente, a partir de
28/07/2006.
Como ficam os funcionários?
Dos 10.000 atualmente registrados na empresa, os donos
da "Nova Varig" esperam manter entre 1.500 e 2.000
empregos. Os outros seriam demitidos, e recontratados à
medida que as operações fossem gradativamente sendo
retomadas.
Os direitos trabalhistas serão honrados?
É pouco provável que sejam, pelo menos a curto prazo.
Estima-se em quase 300 milhões de dólares a despesa
direta somente com a demissão desses 6.000 funcionários.
As aposentadorias devem ser pagas por mais alguns meses,
mas as dívidas trabalhistas ficam com a Velha Varig, o
que leva a crer que ficarão mesmo pelo meio do caminho.
O que é a Velha Varig?
É uma empresa criada para herdar as dívidas gigantescas
contraídas pela empresa nos últimos anos. A Velha Varig
fica com um jato 737, 50 funcionários, a rota SP-Porto
Seguro, o Centro de Treinamento de Pilotos no Galeão, a
marca Nordeste Linhas Aéreas e todos os papagaios, as
enormes dívidas da Pioneira.
E a frota como está?
Dos quase 60 jatos da companhia, apenas 12 operavam em
20/07/2006, sendo apenas 4 jatos wide-body,
intercontinentais (os 767-300ER prefixos PP-VTC e VTE e
dois MD-11, prefixos PP-VTI e VTP). Todos os outros
jatos da companhia encontram-se parados, sem condições
de operação ou no solo por força de mandados de ordem
judicial.
E a frota como vai ficar?
É provável que quase toda a frota atual, com poucas
exceções, seja devolvida aos donos, as empresas
arrendadoras. Sobretudo os jatos de maior capacidade,
que têm mercado certo. Apenas os Boeing 737 poderão
ficar para recompor a frota dessa Nova Varig. Nos
próximos meses, a Nova Varig terá de negociar com os
arrendadores para conseguir trazer aeronaves para
recompor a frota perdida. O sucesso dessa missão
dependerá da credibilidade dos novos donos da companhia.
Não será nada fácil, pois a maioria das empresas
arrendadoras deverá exigir o pagamento dos montantes
devidos para assinar novos contratos de arrendamento.
Como vai se dar o crescimento da empresa?
Os novos donos anunciam uma frota de 30 aeronaves em
operação ao cabo de um ano, sem contudo especificar
modelos e a origem dos mesmos. Os novos donos esperam
também recontratar, em média, 100 funcionários a cada
nova aeronave incorporada à frota.
O que pode acontecer com as rotas abandonadas?
A Varig tem de operar regularmente cada rota para poder
manter seus direitos de tráfego nessas ligações. Se o
prazo de abandono for superior a 30 dias, o poder
concedente poderá cancelar a concessão da Varig e
oferecê-la às empresas nacionais concorrentes.
As empresas estrangeiras vão ocupar o espaço da Varig?
Não. As rotas internacionais não são propriedade das
empresas, são concessões dadas pelos respectivos
governos à companhias aéreas. As rotas operadas pela
Varig continuarão em poder do governo brasileiro, mesmo
que nenhuma empresa nacional se candidate a operá-las.
Somente o tempo - e o mercado - dirão quais rotas serão
mantidas pela Varig, quais serão operadas pelas
concorrentes nacionais e quais serão abandonadas, ao
menos num primeiro momento. Mas é muito provável que
destinos secundários na Europa, como Amsterdam, Munique
e Copenhagen deixem de ser operados pela Varig e não
sejam disputadas pelas congêneres nacionais.
As milhas ficam como?
O programa Smiles fica com a Nova Varig. Ela será
responsável pelo transporte de passageiros com milhas a
resgatar. Mas operando com poucos aviões, será
praticamente impossível encontrar lugares e horários
disponíveis.
Passagens já emitidas serão honradas por outras
empresas?
As congêneres dirão. Mas em plena alta estação, não será
feacil acomodar os passageiros: os vôos já estão
lotados. Além disso, as congêneres só irão aceitar
bilhetes da Varig se acreditarem que serão ressarcidas
por isso. E, no momento em que perceberem que estão
também ajudando na sobreviviencia da Varig, poderão
mudar de idéia.
O que fará a concorrência?
TAM, Gol, BRA e Oceanair não vão assistir imóveis, de
braços cruzados, tampouco torcer pela recuperação dessa
Nova Varig. Vão na realidade aumentar a pressão, jogar
pesado com preços de tarifas mais em conta e quaisquer
armas que tenha em seus arsenais para não deixar a Varig
recuperar o terreno perdido. Essa Nova Varig não
interessa à nenhuma destas concorrentes.
E o governo?
Brasília suspira aliviada, por enquanto: para a opinião
pública, fica claro que a Varig foi mais uma vez ajudada
em toda essa novela, diferentemente do que ocorreu com
Vasp e Transbrasil. Melhor para Lula e o PT que evitam
(por enquanto) o ônus político da falência da Varig.
E os credores?
Ninguém ficou feliz. Os estatais, que percebem a cad dia
que passa que não deverão ver a cor do dinheiro,
sobretudo agora que as dívidas foram, aparentemente,
empurradas para baixo do tapete que é essa "Velha
Varig". Como são estatais, mais cedo ou mais tarde darão
de ombros, sobretudo numa eventual troca de governo.
Quanto aos credores privados, bancos, empresas de
leasing, a própria VEM - Varig Engenharia e Manutenção -
esses vão continuar no encalço da Varig - seja ela Nova
ou Velha, tentando ver a cor do dinheiro. Pelo jeito,
vão ficar de mãos abanando.
É perigoso voar Varig?
Não é, nem nunca foi. Durante todo esse longo período, a
empresa operou com níveis de segurança muito bons.
Somente um pequeno incidente ocorreu (perda do trem de
pouso de um MD-11 durante aterrissagem em Brasília), por
sorte sem maior gravidade.
Você voaria Varig?
Não. A empresa tem sido incapaz de manter padrões
satisfatórios de pontualidade e regularidade. Viajar com
a empresa tem sido um exercício de sorte. É por isso que
os balcões estão vazios - por mais querida que a empresa
é, ninguém mais se arrisca a ficar no meio do caminho.
Por que a Varig não faliu?
Porque sua marca é extremamente forte. A Varig é uma
empresa querida no Brasil todo, muito mais até que suas
concorrentes mais saudáveis e profissionais. A Estrela
Brasileira é uma marca tão forte que sobreviveu à morte
da empresa, ao menos por enquanto. Predicado que a Vasp
e a Transbrasil não tinham.
Isso é suficiente para que ela sobreviva?
Claro que não. A imagem é forte, mas isso não garante a
imortalidade da companhia. Sem passageiros, sem aviões,
sem capital, ela pode até não falir, mas pode minguar
até desaparecer.
Qual o tamanho da Varig hoje?
A Varig tem menos de 5% do mercado doméstico, e menos de
30% do internacional. Em participação, ela está do
tamanho que tinha no início dos anos 50. A BRA, empresa
que nasceu como empresa coligada da Varig, hoje se
equipara à própria Pioneira no mercado doméstico.
Você não errou ao afirmar que a Varig acabou?
Não. A Varig é mais que um nome e uma marca. A Varig
para mim é a combinação entre os melhores aviões, os
mais respeitados profissionais, voando as melhores
aeronaves nas rotas mais prestigiosas da aviação. Uma
referência internacional de transporte aéreo de
qualidade, amplitude e respeito mundial. Isso que está
aí, que fala em voltar aos céus com 15 aviões e 1.500
funcionários é outra empresa. Varig é uma transportadora
de peso, prestígio, história e respeito. É a Varig de
Berta e dos Electra, do 747-400. É a tradição de
excelência de operação e manutenção teuto-gaúcha. É o
primoroso serviço de bordo, um dos melhores do mundo nos
seus grandes tempos. É o binômio da tradição com
pioneirismo. E tem mais: ela é a Estrela Brasileira e
não a "Estrela Chinesa," sócia mal disfarçada de capital
que, todos sabem, é norte-americano. O que fere a
legislação vigente, por sinal.
E agora?
A Nova Varig terá de mostrar capital de giro suficiente
para honrar dívidas pesadas contraídas recentemente.
Terá de vencer a desconfiança do público. Terá de
enfrentar competidoras cada vez mais afiadas, sejam
nacionais ou internacionais. Terá de reconstruir uma
frota particamente do zero. Terá de arcar com os custos
da demissão de milhares de trabalhadores. Terá de
enfrentar batalhas jurídicas pesadas contra seus
milhares de credores. Não vai ser fácil. Mas de tudo
isso, fica uma triste constatação: no Brasil, os iguais
são tratados desigualmente. Por muito menos, faliram a
Panair. Por muitíssimo menos, a Vasp e a Transbrasil se
foram. Não se pode dizer que a Varig não tenha uma boa
estrela. Uma estrela bem brasileira.
G. Beting
21/07/2006