|
Sócio oculto
O ano de 2004 já acabou para as empresas aéreas
brasileiras: o último dia útil para se ganhar dinheiro
foi 18 de agosto. Até o final do ano, tudo,
absolutamente tudo o que as empresas aéreas ganharem,
venderem, voarem, vai parar - limpinho, sem risco, sem
reclamação de passageiro - nas mãos do Governo, através
dos mais altos impostos cobrados de empresas aéreas em
qualquer parte do mundo.
É isso mesmo que você leu: dos 365 dias do ano, nossas
empresas aéreas trabalham nada menos que 132 dias para o
seu Sócio Oculto, o Governo. Essa verdadeira sangria
institucionalizada, garante ao erário perdulário nada
menos que 36% do faturamento bruto das empresas aéreas,
recolhidos atráves de impostos, taxas, contribuições e
recolhimentos compulsórios de caráter muncipal,
estadual, federal. De cada três dias de trabalho, o
resultado de um dia inteiro vai para o governo. Um
desastre aéreo.
Na Europa, as empresas trabalham pouco menos de dois
meses por ano para pagar os impostos. Nos Estados
Unidos, com apenas 25 dias de trabalho por ano, os
impostos já são pagos pelas companhias aéreas ao
governo. O resto do ano é então usado para ganhar
dinheiro, transportar pessoas e bens, movimentar a
economia. No Brasil, repetimos, são necessários 132 dias
de trabalho por ano para que as empresas aéreas paguem
os impostos. Um escândalo.
E é justamente esse grande vampiro, o Governo com suas
inaceitáveis taxas, que agora tenta "ajudar o setor" que
ele próprio suga, estiola, asfixia. Bastaria Brasília
tirar o pé de cima do tubo de oxigênio para o setor
decolar. Sem insumo, sem pacote salvador, sem discurso.
E, como sempre acaba acontecendo, sem passar o chapéu na
sociedade, que é quem sempre acaba pagando a conta.
Neste caso, então, é um acinte: não bastasse pagar o
alto preço das tarifas (elevadas em parte para cobrir
essas descomunais taxas), ensaia-se agora uma ajuda ao
setor, eufemismo politicamente aceitável para a operação
de Busca e Salvamento que o governo acena estar
preparando para a Varig. Claro, resgate a ser feito com
dinheiro tomado em mais impostos.
Vamos ter de pagar duas vezes, como passageiros e como
contribuintes. O dinheiro que o governo nos toma, num
país onde há dezenas de milhões de pessoas famintas, vai
ser usado agora para tapar buracos de empresas
perdulárias e incompetentes.
Lembram do famoso piloto Garcez, que se perdeu sobre a
Amazônia, pilotando um 737 da Pioneira? Pois é assim
que, nos últimos anos, voa a Varig: Perdidinha da Silva,
afundada em dívidas que passam de 6,5 bilhões de reais,
mais de R$ 360.000,00 para cada um de seus 18.000
funcionários. A companhia aguarda a vinda de um anjo
salvador que a tire do buraco em que se enfiou, por sua
própria incompetência e modelo de gestão suicida: a
Fundação Ruben Berta, criada para resguardar os
interesses dos funcionários da Varig, arrasou a empresa.
A Varig deve nada menos de 4 bilhões de reais ao governo
e empresas estatais como a Petrobrás e Infraero.
Toda vez que afirmo que a Varig está nessa situação por
incompetência, preciso sempre lembrar que no mesmo
período em que a Pioneira afundou, outras empresas
souberam ganhar dinheiro, tendo de enfrentar as mesmas
condições que a Varig. E o fizeram sem poder contar com
a receita em dólares que a Varig sempre teve através de
suas linhas internacionais. Se não é assim, como
explicar, no mesmo período desse desastre da Varig, a
decolagem da TAM e o espetacular sucesso da Gol, que com
pouco mais de dois anos de vida, já havia abocanhado 1/4
do mercado aéreo brasileiro?
Esta semana, o jornalista Celso Ming publicou sua coluna
"Excesso de Peso", na qual compara a Varig a uma
"marmota voadora" (Estado de S. Paulo, edição de sábado,
21/08). O texto, brilhante, levanta uma dúvida que não
quer calar:
" Por que no setor de transportes aéreos apenas a Varig
seria agraciada com essa água benta? Por que não
estender os mesmos benefícios à Vasp e à TAM? Por que
não ressuscitar a falecida TransBrasil. que tinha mais
Brasil no nome que a Varig?
Ficam mais perguntas no ar do que aviões de carreira.
Quando chegar o dia do Governo ajudar quem não lhe paga
em dia, ele estará automaticamente desequilbrando, mais
uma vez, o mercado. A livre competição, as regras de
mercado (que se não são perfeitas, ainda são as mais
justas) deixam de valer. As concorrentes saudáveis da
Varig, a Gol e a TAM, que pagam em dia seus impostos,
serão mais uma vez prejudicadas pelo Sócio Oculto de
todas elas.
Como dizia Tom Jobim: "O Brasil não é mesmo um país para
principiantes".
G. Beting - 26/08/2004