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Nossos céus sem a estrela brasileira 4/2006
Neste começo de abril, o mercado anda agitado com
rumores, cada vez mais fortes, do colapso iminente da
Varig. O próprio presidente da empresa, Marcelo Bottini,
não consegue disfarçar mais a gravidade da situação.
Botini encaminhou um e-mail para o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, através de seu secretário
particular, Gilberto Carvalho, pedindo uma audiência de
emergência para tentar uma operação de salvamento. O
e-mail, enviado na segunda-feira, 3 de abril, foi curto
e dramático, alertando de que a Varig poderia parar "nas
próximas horas".
Os problemas da Varig são muitos e agudos. Com miasmas e
rachas internos, o modelo de gestão, feudal, é
desgraçadamente anacrônico. Sem dinheiro, a frota foi
ficando despadronizada e hoje é antiquada. Os
funcionários trabalham num clima horroroso, com salários
atrasados e ameaças constantes de cortes de pessoal. Não
há dinheiro para mais nada. Com dívidas que já passam da
casa dos R$ 10 bilhões, a Varig não tem mais salvação
técnica. Resta apenas um milagre na área política.
Mas esperar o que desta maldita classe política que
desastradamente governa nosso país? Brasília já mostrou
não ter respostas para a crise da Pioneira, qualquer
plano de salvação para a Varig. Todos os que um dia já
foram interessados em equacionar a situação, dos
acessores ao Ministro da Defesa, não estão mais em seus
cargos ou vivem eles próprios dificuldades políticas.
Quem cuidava da crise no início do governo era o
ministro José Dirceu, da Casa Civil, que nunca fez muito
esforço para ajudar a Varig. Ao assumir a pasta, a
ministra Dilma Rousseff esqueceu o tema. O ex-ministro
da Defesa, José Viegas, antes de se demitir, tentou
fundir TAM e Varig. O vice-presidente José Alencar, que
assumiu no lugar de Viegas, partiu do zero e sugeriu a
transformação das dívidas da Varig em ações aos
credores. Até por obstáculos legais, a idéia não
decolou. A Varig ficou sem ter a quem pedir socorro.
Agora, ao que tudo indica, a única contribuição do
governo parece ser não na salvação da Varig, mas na
ajuda aos seus usuários. A ANAC (Agência Nacional de
Aviação Civil) agiu rápido. Herdando um "plano de
contingência" do brigadeiro Jorge Godinho,
ex-diretor-geral do DAC, a nova agência convocou neste
dia 4 de abril, em caráter de urgência urgentíssima, os
presidentes da TAM, Marco Antônio Bologna, e da Gol,
Constantino Júnior, para reuniões (em separado). Juntos,
puseram-se a traçar planos de ação capazes de garantir a
restauração da normalidade do setor no caso da quebra da
Varig.
No caso do mercado doméstico, isso não seria tão
difícil. Em primeiro lugar, por estarmos na baixa
estação, período de menor tráfego em todo o ano. A TAM,
Gol, Oceanair e BRA já operam com capacidade ociosa.
Além disso, nas próximas semanas, a Gol está recebendo
mais cinco Boeing 737, a TAM mais dois A320-200 e a
OceanAir, dois Fokker 100.
Com todos estes fatores somados, os menos de 18% de
participação da Pioneira no mercado doméstico seriam
absorvidos de forma rápida e praticamente indolor para o
público viajante, redistribuídos entre as sobreviventes.
Hoje, a Varig não opera nenhuma rota nacional com
exclusividade ou com domínio de mercado em nenhuma rota.
Ao contrário, ela é, na maioria dos casos, a segunda ou
terceira colocada em termos de tráfego. Nenhuma cidade
brasileira, nenhum par de cidades ficaria sem serviços
aéreos.
No caso dos vôos internacionais, a situação é totalmente
inversa. A Varig domina mais de 70% da oferta
internacional dentre as companhias aéreas brasileiras.
Nesse cenário, nem a TAM nem a Gol possuem aeronaves
para cobrir o trabalho dos Boeings e MD-11 da Varig.
Nos mercados internacionais, as outras aéreas
brasileiras não podem simplesmente tomar para sí as
rotas da Varig. Acordos bilaterais de tráfego, firmados
entre o Brasil e os países para os quais temos serviços
regulares, têm de ser honrados. Cabe ao governo
brasileiro designar a operadora e ao governo estrangeiro
aceitar ou não essa designação. Os governos dos países
onde a Pioneira deixaria de operar teriam que ser
consultados e permitir a substituição da Varig pela Gol,
TAM, BRA e Oceanair.
Nas rotas sul-americanas, isso não seria tão difícil:
com algum esforço, a Gol e a TAM poderiam suprir o
mercado deslocando para esses vôos alguns de seus A320 e
737-800. A Oceanair, dona da Avianca, poderia também
entrar para ajudar, voando entre Brasil e Colombia em
curtíssimo prazo.
No caso dos longos vôos intercontinentais, a situação se
complica. A TAM não tem aeronaves de grande capacidade
em número suficiente para substituir todos os serviços
da Varig, sobretudo num curto prazo de tempo. Aí sim, o
caos estaria instalado. Passageiros com lugares na Varig
teriam de ser acomodados em vôos de empresas
estrangeiras, que já operam com níveis elevados de
ocupação nas rotas de e para o Brasil. É bom lembrar
também que estas empresas estrangeiras, embora possuam
centenas de aviões em suas frotas, tampouco dispõem de
capacidade ociosa. Levaria algumas semanas ou até meses
para que elas pudessem incrementar os vôos de e para o
Brasil, mesmo em caráter provisório. Nesse caso, não é
exagero imaginar a deprimente cena de ver passageiros da
Varig obrigados a dormir nos saguões dos aeroportos de
Milão, Frankfurt, Londres, New York, Miami.
Como nenhuma das aeronaves de longo curso da Varig são
de sua propriedade, (todas são operadas em caráter de
leasing operacional) o cenário mais provável é que seus
donos iriam imediatamente retomar para sí as aeronaves e
arrendá-las a outras operadoras. Entre outros motivos,
porque tanto os 777 como os MD-11, sobretudo estes,
estão com muita procura no mercado internacional.
Somente eventuais acordos firmados entre essas empresas
arrendadoras, o governo brasileiro e as aéreas nacionais
eventualmente interessadas nesses aviões (Gol, BRA, TAM
e Oceanair) poderiam garantir uma eventual recolocação
das aeronaves da Varig nas frotas dessas empresas. Num
cenário assim, a Oceanair ficaria com os 757, aeronave
que já está em operação na Avianca e nas rotas
sul-americanas. A BRA, ficaria com os 767, que também já
opera, e com eles voaria nas rotas da Península Ibérica,
mercados onde já atua em regime de fretamento.
Para TAM, assumir os vôos internacionais da Varig seria
mais complicado: a empresa voa somente Airbus e Fokker,
nunca operou nenhum Boeing ou MD-11. Como segunda
colocada em vôos intercontinentais, a TAM já opera para
os Estados Unidos e Europa e seria a solução mais lógica
para herdar os vôos intercontinentais da Varig. Em
questão de meses e com a ajuda de arrendadores e da
própria Airbus, ela poderia receber alguns A330, A340 ou
até mesmo A310 e cumprir a maior parte dos vôos da Varig
para a Europa e Estados Unidos. Não seria fácil, mas ao
menos é um cenário factível.
A Gol opera somente Boeings, mas não tem experiência nem
perfil de negócio para assumir vôos em caráter
"full-service", em diferentes classes, em vôos longos.
Isso poderia mudar, naturalmente, mas não seria da noite
para o dia. Provavelmente, a Gol iria se interessar
pelas rotas mais "gordas" em tráfego, (Miami, Paris, New
York) e operar com duas classes de serviço, um
"long-haul/low-fare."
Seja como for: o fim da Varig é uma tragédia. Aos
milhares de funcionários, colaboradores e dependentes.
Ao usuário, que perderia uma empresa respeitável, que
com sua própria existência, ainda permite alguma
competição no mercado doméstico. Ao governo, que ainda
não desconfiou de sua parcela de culpa no
desaparecimento da Vasp e Transbrasil. E aos amantes da
aviação, que deixariam de ver nos céus e aeroportos, do
Brasil e do mundo, a Estrela Brasileira.
05/04/2006