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A saudade mata a gente
Há alguns
dias atrás, estava eu em Santiago do Chile. Claro que
meu programa favorito é passar horas no aeroporto,
fotografando aviões - estas imagens você vai verem breve
em nossa galeria de imagens. No dia inteirinho que lá
passei dedicado ao meu hobby, vi alguns dos mais
maiores, mais imponentes e modernos aviões do mundo:
777-300ER, 747-400F, A320, A318, A340-600, A380-800,
Embraer 190, CRJ900. Mas o tipo que mais me deu prazer
em ver voando foi justamente o mais velhinho de todos:
os cansadinhos, quase humildes Boeing 737-200 operados
por duas companhias aéreas Chilenas, a Sky e a PAL -
Principal Airlines.
Seus motores charutinho, produzindo rastros de fumaça e
um barulho flagrantemente mais sensível do que os
antissépticos A320 e 737 Next Generation que o sucederam
me fizeram lembrar: por mais que eu tente, no fundo, no
fundo, sou mesmo um aero saudosista.
Sim, caro leitor, o tema é recorrente aqui no Jetsite.
Paradoxalmente, parece que toda vez que volto a ele,
dezenas de leitores como você me deixam uma mensagem de
agradecimento por compartir memórias e momentos de
tempos d'antanho. Curioso é ver que até mesmo a moçada
curte ouvir o tiozinho aqui lembrando de Electras,
Viscounts, Heralds e Samurais. É. Eu sou do tempo que
avião quase sempre tinha NOME ao invés de uma série de
números. Então, atendendo a pedidos, passo a elencar, de
forma absolutamente espontânea, uma série de aviões e
momentos que me dão este tipo de banzo aeronáutico.
Começo a lista com a cena dos BA One-Eleven coloridos da
Transbrasil passando sobre minha jovem (e então,
cabeluda) cabeça, nos anos 70. Eles foram os primeiros
aviões coloridos no Brasil e isto para mim pareceu
mágica. Se antes a única maneira de diferenciar uma
aeronave na mesma frota de outra era através do
matrícula, os "Jatões" da Transbrasil resolveram isto
com suas cores elegantes. De longe, a gente já percebia
quem vinha vindo. Era o PP-SDR, amarelo dourado como os
trigais do sul do Brasil; o SDT, verde como nossa
Amazônia, o SDU, elegante em dois tons de azul; o SDV, a
"Pantera Cor-de-Rosa", superpop; o SDQ, bege e café,
chique pra burro. E que som, ah, que som que aquele par
de Rolls-Royce "Spey" produzia! Era tão barulhento que
era capaz de trincar obturação. E o rastro de fumaça?
Dava para ver por milhas, sobretudo nas decolagens com "water
injection", que aumentavam ainda mais a fumaceira.
De matar também era a elegância do Caravelle. Ainda que
três empresas tenham operado o tipo no Brasil, só me
lembro na prática de ver o maravilhoso jato francês
-ainda mais barulhento e fumarento que o One-Eleven -
passando nas cores divinas da Cruzeiro do Sul. Aliás,
que nome lindo que foi este para uma companhia aérea
brasileira. Gostava de ver a chegada do voo que vinha de
Montevidéu no fim das tardes, sobretudo nas tardes
frias. A impressão que dava é que, com menor
temperatura, o som se propagava melhor. Não consigo
imaginar nenhuma teoria que sustente isto, pois o ar
mais frio é mais denso. Ajuda na propagação do som.
Algum leitor craque em física pode me explicar?
De toda forma, estes dois birreatores europeus eram
demais para o guri aqui, que do "alto" de meus sete,
oito anos, já ficava transfigurado quando um destes
passava sobre a minha cuca.
Lembro do "choque de modernidade" que foi a introdução
do 737-200 "Super Advanced" (modelo que só existia no
departamento de marketing da Varig) no segundo semestre
de 1974. A chegada do VME e de seus irmãos VMF, VMG, VMH
foi um sopro de renovação na Pioneira. Não que eu não
gostasse de quem voava as rotas domésticas até então, os
Boeing 727-100, AVRO e Electras. Mas os 737-200 nas
cores da Pioneira ficaram muito bem. O fato é que eu não
tinha muita simpatia pela sisuda, formalíssima pintura
da Vasp, que até então era a única operando 737-200 no
Brasil. Isto é, sem citar a Aerolineas Argentinas, que
trazia seus "chanchos" (o apelido é lá da banda deles)
nos voos para Congonhas. Mais raro ainda era o único
737-200 da Pluna, que voou por um tempo curto nos anos
70 para São Paulo, com uma pintura simplesmente
espetacular. Veja acima e mais na galeria, digitando em
busca avançada "CX-BHM".
O Boeing 727 também tem um lugar especial no meu afeto.
Os primeiros, da Varig e Cruzeiro, me pareciam
magníficos, como aliás, são todos os trijatos (já
reparou?). Quando a Transbrasil começou a receber os
seus primeiros em 1974, o PT-TCA amarelo e PT-TCB azul
(o meu favorito), eu quase enfartava ao vê-los. Depois,
ao mudar a pintura dos mesmos, aí a coisa atingia níveis
febris de paixão. Era demasiado para um moleque de pouco
mais de dez anos, que imaginava um mundo aeronáutico
mais colorido. Parece que a Transbrasil havia lido meus
pensamentos. Depois, quando eles passaram a ostenta as
cores do arco-íris, perderam um pouco o encanto daqueles
dias coloridos. Salvou pelo menos, o fato da companhia
pintar as asas em seis cores das sete aplicadas na
cauda. Meus favoritos eram o PT-TYJ, TYK e TYL, no tom
mais claro de azul.
A chegada dos primeiros 727 "Super 200" da Vasp foi
outro acontecimento. O avião parecia grande demais para
Congonhas. Seu tamanho e ruído na decolagem eram
imponentes. Pena as cores meio sem graça da sua única
operadora no Brasil.
Desta mesma época vem também a tristeza de começar a ver
os tipos turboélices, como o Samurai (YS-11), FH-227,
Dart Herald, Viscount e AVRO perdendo espaço nas frotas
das principais companhias nacionais. No fim dos anos 70,
só sobrou o magistral Electra. Mas foi mesmo triste ver
o fim dos voos operados por todos estes aviões, que em
comum tinham o mesmo motor, o Rolls-Royce "Dart". O
ruído agudo, vigoroso, era como música para mim.
Congonhas ficou quase uns três anos sem este som (ao
final dos anos 70) - a não ser nos voos esporádicos dos
HS748 operado pela FAB e pelas raríssimas visitas do
Viscount presidencial. Isto só mudaria com a chegada do
PT-LAF, primeiro F.27 da aviação brasileira, trazido
pela TAM em fevereiro de 1980. Minha satisfação era
tamanha que dei um jeito de ir para Congonhas só para
ver o primeiro Fokker turboélice registrado no Brasil.
Outro tipo que eu adorava era o Bandeirante, sobretudo
nas cores da Transbrasil. Quando, em 1976, criou-se o
SITAR, o tipo começou a ser operado por outras
companhias além da TBA e da Vasp. Rio-Sul, VOTEC,
Nordeste e a própria TAM, foram algumas que trouxeram o
"Bandeco" para voar em Congonhas, para alegria de quem
adorava ver vários tipos diferentes operando.
Da época do motor a pistão, minhas memórias mais densas
são da quadra de DC-6B cargueiros que a Vasp trazia a
Congonhas. Ficava acordado até tarde esperando que eles
passassem sobre o apartamento. O som era característico
demais, não precisava nem abrir a janela. Aliás, foi
nesta época que aprendi a diferenciar os sons dos
aviões, tamanha era a variedade de tipos. Não tinha
erro. Da mesa da sala, fazendo lição, sabia o que estava
passando sem precisar nem olhar pela janela: 727, 737,
Caravelle, Viscount, Electra. Mais difícil era
diferenciar os Herald dos FH-227 e dos AVROs, embora
prestando atenção fosse possível acertar o tipo na
maioria das vezes.
Depois, em 1985, quando Guarulhos abriu para valer,
parte do tráfego do Galeão começou a migrar para lá. Em
agosto daquele ano, os jatos em linhas domésticas também
foram compulsoriamente transferidos para GRU. Havia um
terraço aberto e, naqueles tempos, eu ia uma, duas vezes
por semana, nas primeiras horas da madrugada, tomar
café, comprar revistas e, claro, ia ver aviões desde o
terraço. Em uma noite destas, lembro de ter ficado
minutos namorando o 707 da Varig PP-VJK, aeronave, que
cairia algumas semanas depois deste namoro em Abdijan.
Guarulhos teve a importância de abrir as linhas e os
tipos intercontinentais para a cidade de São Paulo. Para
mim, era um festa poder ver de perto, com frequência, os
DC-10, 747 e 707 da Pioneira. Isso sem falar nos DC-10
da Iberia, CP Air e VIASA que eram visitantes
frequentes. Não vou entrar na lista de operadores
internacionais que a gente via em Guarulhos, pois
corremos o risco de não sairmos mais hoje daqui.
Talvez seja hora de interromper estas memórias. O efeito
de despertar momentos vividos e há muito passados já
deve ter sido acionado na sua cuca. Fica apenas uma
estranha constatação: a velocidade em que a vida passa,
cada vez mais rápido. Quem diria que eu teria saudade
dos breguinhas da Vasp, do F100 da TAM, de tudo que voou
na Varig, Variglog, Rio-Sul, Nordeste, Transbrasil? A
vida passa voando, companheiro. Que bom que a gente tem
a aviação para nos encher de boas, ruidosas e fumarentas
lembranças.
© Gianfranco Beting / Jetsite 2012