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Adiós Pluna
Então te fostes, Pluna. Assim, sem avisar? Sem ao
menos se despedir? Talvez, para aqueles quais, nos
gabinetes da alta administração, acompanharam os últimos
e angustiantes lances da tua vida, que foi tão longa e
honrada, estes até poderiam saber que estavas
mortalmente ferida. Para todos os outros, porém, teu
súbito desaparecimento foi uma triste surpresa.
Portanto, me assombra ver tuas asas cortadas assim, sem
homenagens, sem rituais. Então te saúdo agora, querida
Pluna, ainda que muito me doa fazer destas linhas o teu
réquiem.
Hoje faz um mês que teus motores silenciaram e fechaste
tuas asas. Não consegui te escrever antes, tamanho o
espanto que me tomou ao perceber que os aviões das
Primeras Líneas Uruguyas de Navegación Aérea se
transformaram em algo perdido para sempre, sombras
repentinas de um passado dolorosamente próximo.
Aqui, neste país irmão, te juro, tua partida foi
sentida. Sim, porque nós, passageiros brasileiros,
fervorosos entusiastas da aviação, choramos tua partida
abrupta, querida Pluna. Pessoalmente, vinha voando com
tuas asas com muita frequência. Minha esposa é uruguaia
como ti, então sempre estivemos a bordo de teus aviões.
Sempre muito bem tratados, chegando e partindo no
horário, com bom atendimento, calidez e, ao final da
viagem, o Uruguay a nos receber.
Tu bem sabes, mas é sempre bom lembrar que serás
lembrada como o maior orgulho da aviação civil uruguaia.
Foste a primeira e a maior. Um verdadeiro símbolo
nacional, de histórico notável. Jamais perdeste um único
passageiro ou tripulante em acidente. Poucas são as
empresas aéreas que podem se orgulhar disto.
E, ainda que, por boa parte de tua vida não tenhas
estado na liderança tecnológica do setor, não tenhas
tido uma frota enorme, o fato é que, no cumprimento de
tuas missões, sempre voaste com classe, segurança e
aquela confiante e orgulhosa atitude. Ver teu nome era
como ver um pedaço deste teu país pequeno, encantador,
honrado. Que foi teu ninho e que tão bem representaste
por décadas.
E teus aviões, ah, quantas lembranças. Teus DC-3 nas
rotas domésticas, unindo pontos dentro de Uruguai.
Depois os clássicos Viscount, levando e trazendo
passageiros no "Puente Aéreo" de Montevidéu a Buenos
Aires. Depois, o orgulho dos "jets"; primeiro um único
737-200 com aquela pintura incrível, laranja; depois, os
727-100 anteriormente usados pela Lufthansa, mas que
deram conta do recado e que me encantava ver nos
terraços de Congonhas. Então a trinca de 737-200,
recebidos novinhos na fábrica, em 1983, orgulho então
para a companhia.
Depois disto, os anos de administração e sociedade com
outra empresa desaparecida, a nossa Varig, te deram
aviões maiores, como o 707. Com o "CX-BNU" tuas asas
ficaram mais largas, e finalmente cruzaste oceanos, indo
até Madrid. Tiveste até mesmo um DC-10, empregado por
pouco tempo, mas luciendo as cores da companhia em
destinos na América do Norte e Europa. E quando
finalmente recebeste os CRJ900, quem poderia adivinhar
que seriam estes os últimos pássaros a vestir tua agora
colorida, exuberante plumagem?
Sempre sentirei falta deles. Do primeiro De Havilland ao
último CRJ, teus aviões deixam saudade. Eles, que tantos
céus voaram, vão sempre me assombrar. E trarão de volta
doces memórias de dias passados em tua companhia. Fico a
imaginar tuas asas geladas naquelas frias madrugadas e
manhãs de espesso nevoeiro, constantes nos gelados e
úmidos invernos uruguaios. Elas muito brilharam sob teus
céus celestes e radiantes, sobretudo naqueles longos
dias de verão, rasgando aquele azul infinito e quase
surreal. Sem descansar, dezenas de vezes a cada dia,
teus aviões eram iluminados pelo brilhante sol estival
uruguaio, levando e trazendo turistas a Montevidéu e
Punta del Este.
Também não hei de olvidar teus colaboradores, milhares
deles, ao longo dos teus 76 anos. Eles vestiram teus
uniformes com indisfarçável orgulho. Atenderam muito bem
milhões de clientes: uruguaios, argentinos, brasileiros,
chilenos, espanhóis, sempre com aquele jeito altivo,
educado e un cachito reservado que caracteriza os
nativos da "República Oriental."
Ao fechar tuas portas, deixaste 500 filhos órfãos e mais
alguns milhares de dependentes. Ainda que eles venham a
encontrar trabalho em outras companhias aéreas - e, quem
sabe, até mesmo em uma outra empresa aérea uruguaia -
tua ausência não poderá ser preenchida. Sim, eles vão
sair por aí, pelo mundo, em busca de emprego. A maioria,
bons profissionais que são, acabarão por se recolocar.
Alguns até poderão vir a mudar de ramo, de modo a tentar
esquecer a aviação, para não ter que chorar por tua
ausência.
Mas, depois de tudo isto, quando a vida e o tempo nos
despertarem do transe e continuarem em sua marcha
inexorável, daqui a muitos anos, em um dia frio e
soleado de inverno - igual ao teu último dia de vida -
haverá alguém silenciosamente pensando em ti, lembrando
de ti e de teus aviões, de tua glória e de teu legado.
Afinal, foste única, querida Pluna, como únicos são o
Uruguay e seu povo.
Y aún que no vuelvas, quiero que sepas que siempre te
extrañaré. Mucho, muchisimo.
Adiós, Pluna.
Gianfranco Beting
5/8/2012