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Uma fábula de natal
Era uma vez um lindo e próspero Reino, situado na
América do Sul. Nesse Reino, onde os coqueiros dão côco,
todos os anos, apareciam quatro distintos Papais Noéis
com seus trenós alados, em procissão, voando a jato pelo
céu, trazendo um natal cheio de felicidades e um ano
novo cheio de Prosperidade.
O primeiro chegou dizendo: "Hô-Hô-Hô, tchê!" com seu
trenó azul e branco, de aparência bastante cansada,
puxado por 5 e não pelas 6 renas habituais, pois uma
delas havia sido retomada momentos antes da decolagem na
Lapônia: o dono da rena não recebia os leasings devidos
por Papai Noel há meses e resolveu arrestar o pobre
animalzinho, justamente o mais novinho. As cinco outras
eram todas diferentes entre sí: uma delas, inclusive,
era um alce disfarçado de rena. A coisa iria piorar:
mais uma seria devolvida logo após o Natal e seria
substituída provavelmente por outro alce, isto é, se não
chovesse.
Das cinco que efetivamente equipavam o trenó, uma delas
voava com Papai Noel há mais de 20 anos e já estava
amortizada; outras três eram arrendadas de diferentes
origens. Destas, uma estava inoperante, sem galopar
pelos céus, incapaz de manter a velocidade de cruzeiro.
Desta maneira, o trenó chegou apenas no dia 26 de
dezembro, depois das 14 horas.
Papai Noel vinha mal-humorado: desceu chaminé abaixo e
jogou uns presentinhos meio mixurucas no meio da sala.
Contrariados, os donos da casa puseram-se a reclamar.
Foi o que bastou para provocar uma explosão de ira em
Papai Noel (conseqüência do stress?): "Mas bah, tão
reclamando de quê, seus lorpas? Eu entrego presentes
desde 1927! O Natal não existiria sem a minha pessoa!" -
sentenciou o velhinho de olhos azuis. Cansado pela
jornada, o barbudo atirou-se sobre o sofá e ficou
olhando feio para os pais e seus pimpolhos, àquela
altura visivelmente aterrorizados com o velhinho.
Passaram-se alguns segundos constrangedores. Ninguém se
movia na sala. Então, de sopetão, Papai Noel ergueu-se
e, numa espécie de transe, pôs-se a discursar como se
estivesse num imaginário púlpito, que somente seus olhos
vidrados eram capazes de enxergar. Suas palavras saíam
cadenciadas, num tom alto, discursivo, como se fossem
todas escritas em letras maiúsculas. Ele disse: "À
propósito, podem ir passando um dinheirinho aí, seus
baguais, que todos precisamos de um Papal Noel
Brasileiro, forte, que represente o Natal Brasileiro nos
quatro cantos do mundo! O Brasil não pode perder esse
verdadeiro símbolo nacional! E quem vai pagar por essa?
São vocês, otários!" Findo o rompante, saiu porta afora,
montou em seu trenó capenga e decolou com dificuldade.
O segundo Papai Noel veio em serviço de code-share com o
primeiro. Garbosamente apareceu pilotando um trenó
Fly-By-Wire-By-Nasa (Deus do Céu, que tolice) vermelho e
branco, uma coincidência que não passou desapercebida: o
Natal foi antecipado por uma gigantesca campanha
publicitária, veiculada ininterruptamente na grande
mídia desde junho de 2004. Ao desembarcar pontualmente à
meia noite do dia 25, Papai Noel, enfatiotado num
elegante traje de cetim Dolce & Gabbana (comprado na
Daslú) estendeu um tapete vermelho, desenrolado chaminé
abaixo.
Primeiro desceu o próprio velhinho, que ficou na entrada
da lareira saudando os donos da casa. Depois, as seis
renas vieram em ordem, entoando cânticos natalinos em
inglês, francês, alemão, italiano, croata e português.
Cada uma com um saco lotado de presentes, todos de
primeira qualidade, embrulhados em muito papel dourado.
Os donos da casa, maravilhados, nem perceberam o elevado
preço dos presentes - mas, e daí? É Natal mesmo!
Felizes, foram cumprimentar o velhinho, que dizia
apenas: Hô, hô, hô! Esta é apenas mais uma gentileza!
O terceiro Papai Noel veio num trenó laranja e branco,
"Verdadeiramente o mais moderno do Brasil", como
apregoavam as jovens e saltitantes renas, todas muito
sorridentes, trajando estilosas camisas Polo cor de
laranja. O trenó só chegou dia 25, "Oficialmente ainda
Natal" como frisou o próprio Papai Noel. O atraso,
explicava, ocorreu pois após a decolagem na Lapônia,
foram 19 escalas com 4 trocas de trenó. Tudo bem,
pensaram os donos da casa, ao observar o trenó
estacionando: "Pelo preço que pagamos, esse Papai Noel
aí poderia chegar até mesmo em Janeiro!"
Então, ao abrir o saco de presentes... Oh, que decepção!
Apenas uma barrinha de cereais! "Bom, já vou indo, que
tenho mais 127 entregas para fazer agora de madrugada:
são os Corujões, com presentes ainda mais baratinhos: R$
50,00 - mas só até o DAC descobrir, hem? E então,
soltando seu característico "Hô, hô, hô!", o velhinho
pediu autorização e decolou rapidamente, mantendo a
utilização média do trenó acima das 14 horas diárias.
O quarto Papai Noel não apareceu. Lá do seu hub na
Lapônia, mandou dizer que "A crise econômica brasileira
acabou com o Sonho de Natal". Sem condições técnicas
para sair de sua terra, o trenó agora só tinha apenas
duas das 6 renas e estas já estavam com mais de 40 anos
de idade. Pior: ambas haviam sido recentemente
interditadas pelo DAC. Que triste cena: Papai Noel, de
jogging e alpercatas, sob aquele frio intenso,
cabisbaixo. As duas renas sobreviventes, magrinhas,
velhinhas, tiritavam de frio.
Papai Noel, interpelado por jornalistas sobre o
paradeiro das outras 4 renas, informou, meio
constrangido, que elas já haviam sido transformadas em
espetinho, em churrasquinho de rena, canibalizadas para
as outras continuarem voando. "Não tivemos outra opção",
afirmou à imprensa Papai Noel, palitando os dentes com
os ossinhos de uma das renas recentemente devoradas.
Mas Papai Noel não se abatia facilmente, não. Declarou
aos jornalistas, que não lhe davam trégua: "Estamos
negociando a compra de dezenas de trenós e renas de
última geração. Falamos com a Embraer, estamos
interessados em 170 renas. Vamos ter trenós renovados,
os melhores do Brasil, já no próximo natal. Vamos lançar
uma divisão low-cost e outra regional com as renas da
Embraer. Vamos dar a volta ao mundo, entregando os
melhores presentes do mercado, pode escrever aí."
Em seguida, sem ter mais declarações para fazer,
recolheu-se ao seu bangalô e foi tomar, seguindo os
sábios conselhos de nosso Presidente, umas canas, que
2005 vem aí e ninguém é de ferro. E a vida prosseguiu no
tropical Reino, onde todos tinham um fusca, um violão e
uma nega chamada Tereza. Com a continuidade do
code-share para os próximos natais e a ausência de um
marco regulatório para o setor, foram todos felizes para
sempre.
Nota da Redação: Esta é uma fábula. Os personagens aqui
descritos não se baseiam em fatos reais. Tudo que você
acaba de ler não passa de devaneios, próprios de uma
mente insana, doentia.
Feliz Natal! Feliz Anac! E um próspero Code-Share Novo!