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Por dentro das mega fusões
Lufthansa, Austrian e Swiss. Airfrance e KLM. Delta e
Northwest. British Airways e Ibéria. E agora, United e
Continental. Mega Fusões alteram para sempre o panorama
competitivo na aviação comercial mundial. Depois da
febre das fusões nos anos 80 e 90, a Era das Mega Fusões
chega ao seu ápice.
Essa dança das cadeiras deixa algumas empresas de fora,
mas certamente não por muito tempo. As mais prováveis
candidatas a manobras mais radicais neste setor agora
são a American Airlines (que pode vir a engolir a eterna
noivinha, a US Airways) bem como pode consolidar e
estreitar anda mais seus laços recentemente firmados com
a JetBlue - embora neste caso um acordo operacional faça
muito mais sentido.
Do lado de lá da lagoa, ou seja, da Europa, as Mega
companhias já estão praticamente formadas. O último
grande movimento tectônico já se consolidou, com o
casamento de Sherry com o Jerez, a British Airways e a
Ibéria.
Qual a razão que leva nomes e empresas tradicionais, com
grupos numerosos de trabalhadores, fortes culturas
internas, décadas de tradições e centenas de jatos a
buscarem estes casamentos que, algumas vezes de tão
"exóticos" parecem fadados ao fracasso? Existem várias
razões, mas se fossemos resumir em uma única, esta
seria: a mais pura necessidade de sobrevivência. Vamos
fazer uma rápida digressão para analisar o que aconteceu
nos últimos dez anos.
Como já comentado neste espaço, a primeira década do
segundo milênio foi a pior da história da aviação. Uma
combinação inédita de atentados terroristas, disparo no
preço do petróleo (que nunca mais voltará aos patamares
anteriores), a liberalização do ambiente competitivo,
destruindo as reservas de mercado das "Legacy Carriers",
o surgimento das novas e agressivas empresas aéreas "Low-Cost/Low
Fare" (LCLF) e finalmente, eventos imprevisíveis como
pandemias (SARS Gripe Suína, por exemplo) e até mesmo os
maus bofes daquele bendito vulcão na Islândia (até
isso!) contribuíram para um ambiente nefasto. Ou como eu
prefiro dizer: tóxico. Neste ambiente competitivo
tóxico, a sobrevivência passou a ser a principal
preocupação das principais empresas aéreas do globo.
Justamente elas, até então vistas como poderosíssimas,
encontraram-se diante do espelho e não gostaram do que
viram. Duros e seguidos golpes mostraram o que o público
sabia, mas elas recusavam-se a ver: que ao invés de
simplesmente grandes, eram pesadas. Que embutiam em seus
preços a sua ineficiência na gestão de seus custos. Que
eram grandes sim, mas igualmente lentas para reagir. E
que há muito haviam perdido algo que se torna cada vez
mais importante na cabeça dos consumidores: a agilidade,
a capacidade de responder com produtos e serviços
modernos e inovadores com a rapidez que os tempos
modernos exigem.
Em 2008, o estouro da bolha financeira no Hemisfério
Norte magnificou esses problemas. O tráfego "premium",
composto sobretudo pelos passageiros que viajavam a
negócios e cujos bilhetes eram bancados por aquelas
corporações que não hesitavam em pagar 10 mil dólares
por uma Primeira Classe, simplesmente proibiram seus
executivos de continuar viajando assim. Os diretores
financeiros (sempre eles) passaram a esbravejar nas
reuniões de orçamento. "O que? Tem gente aqui que ainda
voa na Classe Executiva? Nem pensar! Mande esse pessoal
voar de Econômica - e olhe lá. Melhor ainda: porque não
investimos o preço de uma passagem de "Business" e com
essa grana economizada compramos um equipamento de Vídeo
Conferência?"
Sim, as grandes corporações pensaram e fizeram tudo isto
e mais. Cortaram as viagens por necessidade e pela
própria diminuição no volume de negócios. Este ambiente
recessivo destruiu o tráfego executivo, que era - e
sempre será - a galinha dos ovos de ouro de muitas
empresas aéreas "Legacy." E elas, lentas que são, não
conseguiram reagir com a rapidez e destreza necessária
para compreender e reagir a este profundo golpe. Os
balanços das companhias entraram encheram-se de um
pavoroso vermelho. Vermelho sangue.
Sangue derramado de milhares, milhares de empregos
ceifados. Centenas de jatos foram e permanecem
encostados, a maioria para sempre. Companhias mais
frágeis, como a Alitalia (e quem diria, a outrora
impecável JAL) jogaram a toalha e foram à bancarrota.
Permanecem nos céus somente através de massivos
investimentos por parte de seus governos, que bancaram
as contas e as mantiveram (ainda que enxugadas e muito
debilitadas) no ar. E, com este cenário desanimador, o
mundo da aviação acordou para uma consequência
desalentadora: o excesso de capacidade. Esse fenômeno,
chamado na indústria de "Over Capacity" levou as
empresas mais desesperadas a liquidar assentos,
provocando uma temporada de descontos sem paralelo na
história da aviação mundial. Bom para os passageiros
(por enquanto), péssimo para as finanças das companhias
aéreas. Então, voltemos ao fenômeno das Mega Fusões.
Existem algumas diferenças fundamentais que levaram à
essas uniões, sobretudo se compararmos os dois lados do
Atlântico. Na América do Norte, a "Over Capacity" foi
estimada em mais de 25% do mercado doméstico dos EUA em
2009. De cada quatro aviões, um estava sobrando. Ora,
este número, numa indústria cujas margens de retorno
sempre foram marginais, era insustentável. Sendo assim,
em meio à guerra tarifária que surgiu, companhias mais
frágeis simplesmente sucumbiram. Adeus Aloha, ATA,
Midwest, DHL. E as que sobraram ficaram depauperadas a
ponto de não encontrar outro caminho senão as Mega
Fusões. A primeira união de peso foi a Delta com a
Northwest. Depois, America West e US Airways. E agora, a
United e Continental, que se transformam, juntas, na
maior companhia aérea do globo.
Do outro lado do Atlântico, o fenômeno teve outras
forças. O primeiro é de caráter competitivo. O
surgimento e fortalecimento de novas e agressivas
empresas pan nacionais como a Air Berlin, Ryanair e a
Easyjet simplesmente destruiu as margens operacionais
das empresas aéreas de bandeira do velho continente. As
rotas européias, antes marginalmente lucrativas,
tornaram-se um fardo para empresas como a Lufthansa,
British, KLM, Airfrance, Alitalia. Atacadas nos mercados
domésticos por novas e impetuosas LCLF e pela força e
crescimento agressivos das LCLF pan nacionais citadas
acima, elas abriram o bico. As rotas de curta e média
etapa viraram verdadeiras hemorragias financeiras. Sem
outras alternativas, as mais frágeis acabaram entregando
seus dotes para as maiores e mais poderosas do
Continente. Outras poucas, ainda que em melhor situação,
como a portuguesa TAP (que vai bem, obrigadinho) e a
escandinava SAS, devem se aliar as estes Mega Grupos em
algum momento não muito distante. Mas há uma diferença
aparente: em função da questão de orgulho nacional, lá
essas Mega Fusões não vão significar o desaparecimento
das marcas que são símbolos nacionais como Austrian,
Swiss e KLM. Ainda que amalgamadas à outras empresas
dominantes, permaneceram levando a bandeira e as cores
de seus respectivos países.
Finalmente, você pergunta: e aí, no Brasil teremos uma
Gol se juntando à TAM ou à Azul, Webjet e Avianca, para
formar uma Mega Carrier Verde-amarela? A resposta é:
não. Essas mega consolidações são fenômenos típicos de
mercados maduros, como a Europa e Estados Unidos. Em
mercados maduros, não há muitas ferramentas que possam
ser empregadas para expandir a demanda. O número de
pessoas voando e o número de viagens que cada uma pode
ou quer fazer não será fundamentalmente mudado. Não há
muita "elasticidade" no mercado. Já em mercados
emergentes, como Oriente Médio, boa parte da Ásia e
América Latina, a história é completamente diferente. No
Brasil, os anos recentes de estabilidade econômica
promoveram uma enorme inclusão social, com dezenas de
milhões de compatriotas migrando das classes E e D para
as Classes C e B. Esse pessoal quer, merece e agora vai
poder voar.