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Duopólio mesmo, e daí?
Nos últimos anos, vem acontecendo no Brasil um movimento
de consolidação do transporte aéreo nas mãos de poucas
empresas aéreas. Longe de ser um fenômeno - ou um
defeito, como querem alguns - esta tendência é
universal. Não vai aqui nenhum julgamento. Nem a favor
nem contra. No mundo inteiro vem acontecendo um fenômeno
que é conhecido como "Concentração de Mercado". Esta
tendência é realidade em vários outros países. Até mesmo
aqueles que apresentam mercados muito maiores que o
nosso, com empresas mais evoluídas e economias bem mais
pujantes do que o nossa.
A mídia por aqui grita e esperneia, pensando ser este
mais um subproduto do famigerado Apagão. Erra na mosca.
Dos problemas de nossa aviação, o duopólio é mal menor.
Basta notar que, mesmo com o mercado concentrado, os
preços das passagens não subiram. As duas maiores sabem
que, neste negócio, o que vale é ganhar menos sobre um
número maior de passageiros. O duopólio na verdade, é
cortina de fumaça insuflada pelo governo. Ele tenta,
desajeitadamente, esconder o grande problema de nossa
aviação, que é de sua responsabilidade: o sucateamento e
a insuficiência de infra-estrutura do setor. Isso para
não citar o amadorismo (para não dizer má-fé) daqueles
encarregados de gerí-lo.
Concentração de mercado não acontece de hoje no Brasil.
Desde que a Varig absorveu a Real em 1961, nossa aviação
já estava concentrada nas mãos de um punhado de empresas
aéreas. Até o crescimento mais acelerado da TAM,
iniciado em 1990 com a chegada dos Fokker 100, a Varig
detinha 50% do doméstico, a Vasp de 25 a 30% e a
Transbrasil, de 10% a 15%. O restante era - e continua
sendo até hoje - dividido entre várias empresas menores.
A diferença é que, hoje, 90% do mercado é dividido entre
apenas dois grupos: TAM e Gol, esta controladora da
Varig. OceanAir, TAF, RICO e as regionais ficam com a
raspa do tacho. A recém finada BRA, que Jobim a tenha,
detinha menos de 5% de mercado.
E no primeiro mundo, como é que é? É igualzinho, cara
pálida. No Canadá, a maior empresa aérea do país, a Air
Canada, há anos engoliu sua maior concorrente, a
Canadian. Numa penada, ficou com 94% do mercado
doméstico de um dos países mais civilizados do planeta.
Com clientes super exigentes, amparados por alguns dos
órgãos de defesa do consumidor mais atuantes, evoluídos
e respeitados. Qual o problema? Nenhum, se tivermos por
parte de governo um sistema de controle que impeça
práticas abusivas, que seriam decorrentes da
concentração de mercado. Mas isto são outros quinhentos.
Quinhentos anos de subdesenvolvimento.
Quer mais um claro exemplo de concentração? O
civilizadíssimo Japão. Lá, a ANA e a JAL dividem 92% do
mercado doméstico. Na Alemanha? A salsicha é repartida
entre a Lufthansa e a Air Berlin, com migalhas para
outras empresas bem menores. Na Itália, a pizza é
dividida em duas fatias: Alitalia e Air One. No resto do
mundo é assim também. Na Austrália só dá Qantas e Virgin
Blue. Na África do Sul, a SAA fica com mais de 65% do
mercado. O resto é disputado por 4 empresas: Kulula,
1-Time, Nationwide, Comair. A lista é longa.
E nos Estados Unidos? Lá a situação é totalmente
diferente: há forte concentração sim, mas o mercado é
tão gigantesco que o bolo é dividido entre sete
mega-companhias, todas com pelo menos 350 aeronaves:
American, Southwest, Delta, United, Continental, US
Airways e NWA respondem por 90% dos 850 milhões de
passageiros que viajam ao ano. Este mercado não tem
paralelo: sozinho, responde por quase metade de todo o
tráfego aéreo mundial. Não dá para comparar com mais
ninguém.
Na América Latina, a situação é ainda mais aguda, com
concentração praticamente total nas mãos de empresas
dominantes, monopolistas. A Aerolíneas Argentinas, a LAN
no Chile e no Perú, a Avianca na Colombia. Estes são
apenas alguns exemplos de companhias que dominam mais de
80% de seus respectivos mercados. E, a despeito de
pequenos inconvenientes aqui e acolá, a aviação nestes
países continua crescendo.
É claro que, em situações assim, tem que crescer também
a atuação do poder concedente, de modo a impedir
práticas de abuso econômico. Vale repetir: não estamos
aqui para defender a concentração de mercado. Apenas
constata-se que esta é uma tendência irreversível,
provocada por diversos fatores. O primeiro é que, em
muitos países, o próprio governo ou opera com uma
companhia estatal ou trata de fortalecer uma única
empresa aérea, ainda que parte ou a totalidade de seu
capital seja privado. Um bom exemplo é a Ásia. Nessa
região, os países contam com apenas uma, no máximo duas
grandes companhias aéreas: Thai, Malaysian, Singapore
Airlines, são alguns exemplos de companhias monopolistas
- ou quase. Poucos países na região têm duas empresas
fortes: Korean e Asiana, da Coréia do Sul, China
Airlines e EVA Air de Taiwan são alguns exemplos, mas
isto se deve à própria pujança destes mercados, que já
se mostram capazes de comportar duas, até três grandes
empresas aéreas.
O segundo fator é que a aviação é um setor que exige
investimentos tão vultosos, tão constantes - e de
retorno tão lento - que somente grandes e robustos
grupos, administrados com rigor absoluto, conseguem
ganhar dinheiro com este negócio, que tem margens
históricas de retorno na casa de exíguos 3%.
O terceiro fator é a preferência do público. Transporte
aéreo é um segmento que conta com baixíssimo índice de
fidelidade por parte dos consumidores, até mesmo dos
viajantes frequentes. É por esta razão que as companhias
desenvolvem e investem tão pesadamente em criar e manter
programas de fidelização. Essa característica se faz
sentir sobretudo em tempos de crise. Em períodos assim,
as companhias aéreas não são prestigiadas nem mesmo por
seus passageiros mais freqüentes e acabam sucumbindo. O
recente ocaso da Varig é um exemplo perfeito. A despeito
do público viajante emocionalmente ter fortes laços com
a companhia, seus aviões começaram a voar vazios, tão
logo tornou-se pública a delicada situação da companhia.
Ainda hoje a Varig apresenta índices de ocupação bem
inferiores aos de suas concorrentes.
O resumo da ópera: de nada adianta essa grita
generalizada contra o "duopólio" na aviação brasileira.
Ele veio aí, e para ficar um bom tempo, pelo visto. Vale
repetir: cabe ao governo, antes de colocar a culpa no
mercado, fazer o que deveria: criar condições para o
crescimento da aviação, permitindo o surgimento e
fortalecimento da terceira, quarta, quinta empresa aérea
brasileira. Para tanto, é preciso estabelecer regras
claras e, eventualmente, coibir abusos durante o jogo.
Que sempre será pesado, duro.
No mais, nada de novo: somente está ocorrendo no Brasil
algo que já vinha acontecendo no resto do mundo. Na
verdade, temos até que comemorar o fato de termos em
posição dominante duas empresas competentes, sérias e
seguras a nos levar pelos céus. Goste você ou não, o
duopólio veio para ficar. Como vieram para ficar as
tarifas mais baixas, os assentos cada vez mais
apertadinhos e as barrinhas de cereal. Pode ir se
acostumando.
Gianfranco Beting
03/12/2007