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Céu laranja no Brasil e no mundo
Em 26/06/2006, escrevi um editorial aqui mesmo no
Jetsite: "Céu Laranja". Seu último parágrafo é repetido
integralmente abaixo:
"Com 101 Boeings 737-800 encomendados (os primeiros
começam a chegar nas próximas semanas), com custos por
passageiro/km oferecido e transportado
significativamente inferiores aos da concorrência, eu
escrevo e assino aí embaixo: em 2010, a Gol conquista a
liderança do mercado aéreo doméstico brasileiro."
Hoje os fatos mostram que, de fato, errei em meu
vaticínio: a Gol já chegou lá. Ainda em 2007, dentro de
alguns meses e com menos de seis anos de vida, a Gol
deve ultrapassar a TAM no mercado doméstico. E através
da incorporação da Varig, até 2010 poderá capturar
aproximadamente 50% do mercado aéreo internacional. Um
espanto: nunca, na história da aviação mundial, uma
empresa cresceu tanto, de forma tão sólida, tão
avassaladora. As duas empresas somadas transportarão 20
milhões de passageiros este ano. Juntas, responderão por
cerca de 45% do total do mercado doméstico, encostando
na líder TAM, que hoje detêm cerca de 48% (dados da Anac).
O anúncio feito na tarde de hoje, 28/03/2007, vem 10
meses após a venda da parte saudável para um consórcio
de investidores liderado pelo fundo Matlin Patterson,
que pagou em leilão US$ 24 milhões e constituiu a "Nova
Varig." A "Varig Antiga" ficou com as dívidas, os
esqueletos trabalhistas, numa operação tão difícil de
explicar sua arquiteura quanto de entender do ponto de
vista ético. Milhares de ex-funcionários encontram-se
sem poder gozar de suas aposentadorias, de suas pensões,
demitidos sem direitos trabalhistas, sem consolo e sem
ter a quem recorrer. Mas esta é outra história neste
país sem memória.
Fiquemos com o lado auspicioso neste novo capítulo que
une os caminhos da mais bem sucedida companha aérea
brasileira com a "Pioneira". A Varig custou à Gol um
valor que deverá chegar a US$ 320 milhões. O pagamento
em espécie será de apenas US$ 98 milhões. Haverá ainda a
entrega de 6,1 milhões de ações preferenciais emitidas
pela Gol, (3% do seu capital) além de a empresa laranja
assumir obrigações de R$ 100 milhões em debêntures
emitidas pela Nova Varig.
Para a Gol, adquirir a Varig significa ter as portas de
lucrativos mercados abertas instantaneamente. Através de
acordos bilaterais firmados entre o Brasil e vários
países, os direitos de tráfego da Varig continuam
valendo para destinos como Frankfurt, Londres, Madrid,
Milão, Paris, Miami, Nova York, Cidade do México, Buenos
Aires, Santiago, Bogotá e Caracas. Segundo a Gol
divulgou, todas estas cidades serão servidas por uma
frota de 14 aeronaves Boeing 767 que a Gol irá operar
sob a bandeira da Varig.
Para os vôos domésticos e sul-americanos, 20 jatos 737
(de modelo e origem ainda não especificados) serão
operados. Nestes mercados, é muito provável que haja uma
racionalização do padrão de serviço de bordo, que seria
simplificado, aproximando-se do modelo simplificado da
própria Gol. Nos vôos de longa distância, a Gol promete
para a sua nova subsidiária, um padrão de duas classes
de serviço: econômica e executiva. A primeira classe
será extinta nos aviões com a rosa-dos-ventos na cauda.
O programa de milhagem da Varig, Smiles, será mantido.
Não ficou claro se os vôos na Gol contarão milhas no
Smiles.
Na quarta-feira 28/03, o presidente da Gol, Constantino
Júnior, foi dar pessoalmente a notícia da compra ao
presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que
segundo consta, ficou satisfeito com o desfecho.
Lula reagiu com o coração. A maioria dos brasileiros
aprova a compra. Afinal, a manutenção da marca e da
imagem da Varig parece valer mais do que a própria
razão. Sim, porque friamente analisada, a compra aumenta
ainda mais a concentração de mercado em apenas duas
empresas aéreas. Juntas, elas passam a dominar 90% da
oferta.
A história mostra que quanto mais concentrada é a
oferta, menor o poder de barganha dos usuários. O que
dizer dos agentes de viagem? A Gol unilateralmente
diminuiu as comissões pagas às agências. É de se esperar
que o mesmo ocorra também nos vôos operados sob a
bandeira da Varig. Seja como for, o mercado financeiro
reagiu positivamente ao anúncio: as ações da Gol e da
antiga Varig, que tem participação na empresa alienada,
subiram 4,17% e 10,28%, respectivamente. Os da rival
TAM, caíram mais de 2%.
O duopólio TAM x Gol/Varig deixa menores oportunidades
de barganhas para os passageiros. Por outro lado, duas
empresas exemplarmente bem gerenciadas passam a dominar
de forma incontestável nossa aviação. Essa concentração,
indesejável ou não, é fenômeno mundial. No mundo inteiro
está ocorrendo o mesmo: da Índia (Air India fusionada à
India Airlines) à Irlanda (Ryanair comprando a Aer
Lingus), os mercados estão cada vez mais concentrados
nas mãos de poucas empresas aéreas - cada vez mais
fortes.
Tanto melhor, a longo prazo, ao sabermos que os dois
grupos sobreviventes no Brasil não são apenas grandes.
São competentes. TAM e Gol, cada uma ao seu estilo,
viraram a mesa da aviação comercial brasileira em menos
de uma década. Souberam se adaptar aos novos paradigmas
do setor. Vasp, Transbrasil, e agora a Varig,
desapareceram após cometerem verdadeiros suicídios
empresariais.
Neste ponto, reitero a tese de que a Varig desapareceu.
A imagem que utilizo é forte, como fortes são as emoções
que este fato desperta: é como se um casal tivesse um
filho morto e, anos depois, deles outra criança nascesse
e fosse batizada com o mesmo nome da criança falecida.
Não, não é nem nunca poderia ser a mesma coisa.
A marca e o nome podem até permanecer. Mas o "Ethos" da
empresa, seu DNA, suas tradições, ficam diluídas sob
essa nova administração. A Varig de verdade é aquela
empresa carioca/gaúcha, de Ruben Berta e dos Electras,
do caviar e dos 747. Foi e não tem volta. E não adianta
chorar.
Mas na aviação comercial dos dias de hoje não há espaço
para saudosismo. A Gol, com seu pragmatismo, modelo
administrativo inteligente e enxuto, crescimento
vigoroso, eficiente utilização de ativos e imagem
institucional para lá de simpática, marca o maior golaço
de sua curta e brilhante trajetória. Nem parece que há
seis meses a empresa passava pelo trauma da perda do vôo
1907 e de seus 154 ocupantes.
Na curtíssima vida empresarial da Gol, parece ser este o
ritmo: a cada dia, uma novidade, uma grande mudança, um
novo horizonte. Sim, o céu está laranja. O céu do Brasil
e agora, do mundo também. Parabéns, Gol. Parabéns,
Varig. Parabéns também à TAM, que terá um competidor
ainda mais poderoso. Que esta histórica aquisição sirva
como estimulante na eterna luta pela preferência do
usuário. Vida longa à toda e qualquer empresa, em
qualquer setor, que trabalhe de forma honesta e
competente.
Gianfranco Beting
28/03/2007