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Caminho sem volta


Uma das perguntas mais frequentes feitas por nossos leitores: "A Vasp volta? A Transbrasil volta?" Até mesmo: "A Varig volta?" A resposta é: não. Companhias aéreas são como a virgindade: uma vez perdida, é para sempre. Vasp, Transbrasil e Varig não voltarão.

Há vários exemplos que me fizeram chegar à essa conclusão. Os mais impressionantes são aqueles justamente, de empresas falidas que "voltaram." Todas essas, mesmo sob nova administração, retornaram aos céus apenas para, de forma vexatória, quebrarem novamente. Uma, duas, até três vezes, antes de desaparecerem para sempre.

Dois bons exemplos: as norte-americanas Braniff e Pan Am. As duas tentaram retornar com novos administradores e injeção de novos recursos e talentos. Não conseguiram voar por muito tempo: a despeito da força de seus nomes e marcas, faliram novamente. A marca e o nome PanAm ainda sobrevivem nas asas de uma modesta operadora nos Estados Unidos (Boston-Maine Airways), que liga uma dezena de destinos na costa leste, voando três velhos Boeing 727-200 e um punhado de Jetstreams 31. Algo a ver com a velha e gloriosa PanAm? Somente o nome e a marca.

Como é? Verdadeira PanAm? Então existe a falsa PanAm? Ou a falsa Varig, esta que está aí? No meu entender, sim. Verdadeira é a empresa aérea original, a que fechou. Falsas são todas as que vem depois, "reorganizadas", revitalizadas, Mark 2, "New", como queira chamar. Porque uma empresa aérea é muito, muito mais do que o nome e a marca. Uma empresa aérea é composta por sua história, seus triunfos, que acabam por criar um DNA corporativo, com suas características únicas e não duplicáveis. A empresa, sobretudo é formada pelo seu time de profissionais. Quando este time se desfaz, quebra-se o encanto, perde-se o rumo corporativo. É um cristal partido. Finalmente, uma empresa aérea é constituída pela soma de aeronaves e rotas onde elas operam. Tudo isso, somado, forma o "Ethos" particular de cada companhia. Tire uma ou mais dessas importantíssimas características e o DNA corporativo deixa de existir.

Exemplo: a Varig. A Varig, como eu conheço e defino, é a soma das melhores e mais modernas aeronaves disponíveis, voando nas mãos dos mais experientes e qualificados profissionais, servindo os mais importantes aeroportos de cinco continentes, operando nos mais convenientes horários, prestando um serviço de altíssima qualidade. Aliada a tudo isso, a tradição teuto-gaúcha de seriedade na manutenção, uma das facetas do rigor técnico operacional que sempre marcaram a longa história da empresa. Isso é a Varig.

Tire um, dois ou todos estes ítens e me diga: ainda é a Varig? Vamos ítem por ítem: Melhores e mais modernas aeronaves? Não. Servindo os mais importantes aeroportos de cinco continentes? Não. Operando nos mais convenientes horários? Também não. Prestando um serviço de altíssima qualidade? Ainda não. Experientes e qualificados profissionais? Esta sim. E o rigor técnico-operacional? Em termos.

O nome e a marca sobrevivem, felizmente salvos da extinção pelas asas da Gol. Longa vida à eles. Mas dizer que esta Varig, subsidiária da Gol, é a Varig, Varig, Varig, a Estrela Brasileira, nossa representante de bandeira nos 4 cantos do planeta? Claro que não.

O que se sabe é que a Gol tem qualidades de sobra para impulsionar a marca para um lugar de destaque como um dia já teve. Isso é inegável. Mas aquela Varig de Porto Alegre e do Galeão, das lojas-embaixadas nos Champs-Elysées de Paris e na Quinta Avenida de New York, do caviar e do 747-400? Essa é história.

E a Vasp? Essa não teria mesmo condições de voltar. Seria necessário não apenas retomar um mercado que dificilmente TAM e Gol cederiam, como a empresa teria que desfazer sérios problemas de imagem que marcaram seus últimos anos, sobretudo na Era Canhedo. Seria necessário uma fábula de dinheiro para revitalizar as aeronaves da companhia, espalhadas sem qualquer manutenção ou cuidados pelos aeroportos brasileiros. Seria necessário recontratar a maioria de seus aeronautas, que hoje voam na Gol, TAM ou no exterior. Tudo isso somado torna a decisão de trazer a Vasp de volta, no mínimo, algo muito, muito arriscado. Para não dizer simplesmente que seria uma decisão estúpida.

A Transbrasil? Essa é a que tem menores chances. Frota não tem mais: os três 767-200, jogados num canto do aeroporto de Brasília, viraram ninhos de corujas e pombos. Os EMB-120 Brasília estão ao relento desde dezembro de 2001, quando a companhia parou, e provavelmente também estão além do ponto de recuperação. A Transbrasil a menor das três, era uma família, uma extensão da própria família Fontana, que a controlava. Esse grupo, essa magia se desfez. Hoje, muitos voam na TAM e sobertudo na Gol. Tenho certeza que, assim como eu, suspiram quando lembram dos tempos da saudosa TBA. Mas a companhia, se não tem sérios problemas de imagem (como a Vasp) não tem por outro lado uma imagem tão forte como a Varig. Ou seja: simpática, querida, mas não faz muita falta. A não ser, é claro, para os Transbrasilianos de carteirinha, como eu.

Existem várias razões que dificultam o retorno de empresas aéreas que um dia faliram. Dois se destacam. O primeiro é de ordem econômica. A aviação comercial é um dos mercados de maior necessidade de capitalização. Que exige investimentos pesados, contínuos e crescentes. O mercado financeiro, tradicionalmente zeloso, não vê com bons olhos o retorno de empresas aéreas falidas. As linhas de crédito ficam minguadas, ainda mais difíceis de obter.

Outro aspecto que dificulta ainda mais a volta de empresas aéreas no Brasil é nosso sistema jurídico. Um dos mais arcaicos, morosos e "surpreendentes" do mundo. Num país em que os juízes não apenas podem ser comprados, como muitos mesmos se vendem, tudo é possível. Quem garante que as leis, como estão escritas, serão respeitadas? Os últimos episódios do setor deixam isso bem claro.

Por fim, hoje a aviação brasileira é dominada por duas empresas aéreas administradas exemplarmente. TAM e Gol não ficariam de braços abertos, esperando a volta da Vasp e da Transbrasil, na base do "Oi, que saudade! Que bom que vocês voltaram!" Nada disso. Elas cerrariam defesas e certamente promoveriam competição dura, implacável. Nada que facilitasse o retorno da VP ou TR aos céus.

Finalmente, outra razão que dificulta a volta de qualquer empresa aérea é a voz do mercado, do consumidor. O público pode não saber se expressar racionalmente, nem entender muito bem sobre aviação. Mas o que ele talvez não saiba expressar, certamente saberá na hora de definir a compra: ele sempre irá desconfiar de uma empresa que quebrou. Sobretudo num setor em que o aspecto segurança é fundamental. O viajante, em sua maioria naturalmente ressabiado com a questão da segurança nas operações, fica com a pulga atrás da orelha: "Será que esses caras aí estão cuidando da manutenção? Será que esse avião é velho? Será?"

Some tudo isso e você pode ter certeza. Se começar uma companhia aérea do zero já não é nada fácil, imagine uma companhia falida. Se a concepção é algo fácil, a ressurreição é para poucos. Muitíssimo poucos.

Gianfranco Beting 21/06/2007

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