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Ô Abre Alas...


O passageiro brasileiro é esfolado vivo, em pleno vôo, pelas empresas aéreas nacionais. Acabo de chegar dos Estados Unidos onde paguei exatamente US$ 69,00 (R$ 158,00) para voar entre Miami e New York num A320 da jetBlue. O jato estava estalando de novo, minha poltrona de couro oferecia 36 canais de TV ao vivo, o serviço de bordo foi ótimo e eu confesso que fiquei com raiva quando o avião pousou, pois o programa que estava assistindo estava quase no final.

Mas não vou falar aqui da jetBlue e de seus preços - realmente uma empresa aérea Low-Fare. Isso fica para um próximo Flight Report. Vou falar da farra dos preços que nossas empresas aéreas praticam contra a economia popular.

Não é de hoje que tentamos mostrar a você, caro leitor, que nossa aviação comercial é cronicamente doente. Historicamente, trata-se de uma espécie de Clube Inglês, no qual os empresários ditos "concorrentes" combinavam mesmo, pelo telefone (como eu testemunhei diversas vezes) os reajustes de tarifas. Um oligopólio que por décadas criava os preços em função dos custos e repassava para o público com casca tudo. Você vai ver agora como e de que forma, no final da esteira de bagagens, quem paga o pato é você, incauto passageiro.

Sabemos que no Brasil, o setor patinou por décadas sem oferecer competição digna de nome, o que só contribuiu para sedimentar por essas bandas daqui a idéia equivocada de que "avião é coisa de rico": Era mesmo. Porém, a partir dos anos 90, ventos neoliberais deram de soprar sobre o surrado cerrado do centro-oeste. Brasília e os brigadeiros de plantão deram de "liberalizar" nossa aviação. O que era fechadíssimo foi escancarado da noite pro dia.

E ao invés de uma liberalização do mercado, o que se viu foi a "libertinização" do mercado. O resultado da esbórnia? Vasp e Transbrasil mortas, Varig estrebuchante. E hoje, uma nova concentração do poder de fogo e de vôo nas mãos de empresas "enxutas." Confira a tabela acima e comprove que com tarifas assim, até minha finada avó Albertina, que Deus a tenha, poderia ser chamada de enxuta.

Veja, por exemplo, a nossa Low-Cost/Low-Fare par excellence, a novata e extremamente bem-sucedida Gol Linhas Aéreas: para unir (ida e volta) Congonhas a Salvador, num dia qualquer, a Laranja cobra mais de mil reais. Low-Fare aonde, cara pálida de susto? Ou será que os laranjas somos nós?

E veja que nesse caso a Gol ainda é a mais baratinha. Suas colegas, Varig e TAM, cobram mais de 500 dólares (aquela moeda muito utilizada para rechear cuecas) pelo privilégio de entalar o distinto passageiro numa poltrona apertadinha, com direito a apenas uma bebidinha, uma escala no Tom Jobim ou Brasília y nada más...

Mas é justamente em períodos de alta procura, como o Carnaval, que o espírito de Momo transforma nossa aviação doméstica numa farra dos preços. Nosso Trio Elétrico dos Ares, Varig, TAM e Gol, entra nas pistas de nossos aeroportos em ritmo frenético e, antes de soarem os tamborins, sobe os preços entre São Paulo e Salvador para mais de R$ 2.000,00 (ida-e-volta).

Agora quem leva o Troféu Abacaxi é a Laranjinha, que cobra R$ 2.387,00 para voar os 1.476 km entre os dois aeroportos, o que dá uma receita de R$ 1,61 por km voado. Ou faça a conta de outra forma: indo para a Boa Terra no dia 24 de fevereiro, sexta-feira de Carnaval, e voltando para São Paulo na terça-feira gorda, 28/02, o distinto passageiro desembolsaria mais de US$ 1.000 para ter direito a duas barrinhas de cereais, pois o percurso ainda tem uma escalinha entre as duas cidades. Essa é a nossa empresa de baixos custos e baixas tarifas?

Lei da oferta e da procura, diriam os defensores do indefensável? Não me parece. Fui pesquisar o que faz a jetBlue num feriado com muita demanda, como é o caso do Carnaval no Brasil. Escolhi uma tarifa de ida-e-volta no trecho LGA-MCO (entre La Guardia, Nova York, e Orlando, Flórida) até por representar uma etapa média de 1.529 km, semelhante com a CGH-SSA, de 1.476 km, e por unir uma metrópole (NYC) com um destino eminentemente turístico (Orlando), o que dá um perfil de usuário bastante parecido.

A data que escolhi para efeito de comparação é também um feriado prolongado, o President`s Day, comemorado nos USA sempre na terceira segunda-feira do mês de fevereiro. Pois bem, a jetBlue aumenta suas tarifas de US$ 178,00, num dia normal, para US$ 288,00 no feriado em questão. Se dividirmos essa tarifa mais elevada pelos 1.529 km voados, obtemos uma receita de R$ 0,39 por km voado. Um aumento de menos de 50%.

Enquanto isso, na Terra do Samba e do Pandeiro, a Gol aumenta suas tarifas em mais de 120% entre um dia comum e o feriado. A TAM vem logo atrás, cobrando R$ 2.064,00 ou R$ 1,39 por km voado e a Varig fica em terceiro, com R$ 1.675,00 e R$ 1,13 por km voado.

Veja a contradição: nessas mesmas datas, a Pioneira cobra candidamente R$ 2.110,26 para unir (ida e volta) os 7.636 km que separam São Paulo de New York, auferindo R$ 0,27 por km voado. Tudo isso pode até ser juridicamente, mercadologicamente, tecnicamente justificável. Mas isso lhe parece moralmente correto, caro leitor? Freud explica? Ou Freire explica?

Em suma, nossas maiores empresas aéreas domésticas ganham até quatro vezes mais do que a jetBlue, que é uma das mais bem sucedidas empresas aéreas do mundo, tendo inclusive sido eleita a melhor cia. aérea dos Estados Unidos em 2005. Sendo assim, adivinhe qual a empresa aérea mais rentável do mundo? Uma barrinha de cereal para quem acertar.

Enquanto isso, assiste ao espetáculo em seu camarote com ar condicionado, o Poder Concedente, representado pelo glorioso DAC. E seu papel fiscalizador? Tudo bem cobrar 1.000 dólares para um vôo doméstico de duas horas? Ou será que o nosso engalanado órgão fiscalizador só aparece mesmo para proibir a Gol de cobrar R$ 50,00 por trecho voado?

E ninguém bota a boca no trombone, midia especializada em aviação incluída nisso. E as bancadas de deputados que se unem para "salvar" nossas empresas aéreas? Nem um piu. Afinal de contas: quem precisa ser defendido? Não seríamos nós, viajantes e consumidores, que precisamos ser protegidos da ganância desse Trio Elétrico? E a Embratur e o Ministério do Turismo? Não se manifestam porquê? Mais fácil se esconder atrás da mortalha? Alguém aí acha certo ter de pagar mil verdinhas para poder voar do sudeste ao nordeste do Brasil numa empresa que se diz Low Fare? É pra rir ou pra chorar?

O que se vê é que, nessa infeliz terra de cegos, perde-se um tempão discutindo formas de fomentar o turismo interno, apresentam-se idéias mirabolantes para a redenção do setor, para encher hotéis e aeroportos... Que tal começar abaixando os preços?

Agora, depois de passar duas semanas lá na Busholândia, mais uma vez constatei que os "burros" dos ianques acreditam que todo munda ganha mais cobrando menos de muita gente. Coitadinhos. Aqui não: em nossa terra de sabichões, todos tratam de tentar ganhar cada vez mais em cima de cada vez menos. Menos passageiros, menos vôos, menos oferta, menos empregos. Como comprovam os executivos de nossas empresas aéreas, somos mesmo uma nação de espertos. Dizer mais o que? Ô abre alas?

Prefiro concluir que tudo é possível e perdoável num país onde o juiz ladrão vai na televisão pedir perdão pro Timão poder gritar que é TRETA Campeão. Ôpa... Isso até que dá samba!

22/11/2005

 

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