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Eternamente 747
Há pouco mais de quarenta anos, um enorme jato azul e
branco surgiu em meio à fria neblina que cobria o
aeroporto de Londres Heathrow. Naquela tarde de 22 de
janeiro de 1970, a imprensa cercava o velho terminal de
tijolos vermelhos, câmeras e microfones nas mãos. A
expectativa era enorme, ainda mais exacerbada pelo
considerável atraso na chegada - de mais de seis horas,
para ser mais preciso.
Por entre a úmida bruma que cobria Londres, finalmente
foi possível divisar as potentes luzes de um jato
começaram a aparecer. No solo, em meio aos Tridents, VC-10,
Boeing 707 e DC-8 espalhados no aeroporto, os presentes
puderam acompanhar quando lentamente formou-se a
magnífica visão de um gigante em aproximação final para
pouso. Uma visão e tanto: suas dezoito rodas penduradas,
seus quatro enormes motores produzindo um som agudo,
inconfundível, poderoso, diferente de todos os motores
que giravam nos pátios e pistas de táxi do enorme
aeroporto. Cruzando a cabeceira 09R, o gigante deixou
atrás de si um rastro de condensação e, segundos depois,
tocou suavemente na pista.
A magnífica visão foi completada minutos depois, quando
o mamute cortou seus motores em frente ao terminal.
Escadas, as maiores que jamis haviam sido empregadas,
foram rebocadas e logo acopladas ao costado da aeronave,
que pelo seu porte, mais parecia um transatlântico. Em
segundos, as mais largas portas (capazes de receber duas
pessoas simultaneamente) eram abertas. Através delas,
comissárias trajando saias curtas em um tom profundo e
vivo de azul, saudaram a multidão de reporteres.
Acabava de ser concluído o primeiro voo comercial da
história a bordo de uma aeronave de fuselagem larga
(Wide-body). A primazia coube à então maior, mais
poderosa, mais rica e mais influente empresa aérea do
mundo: a Pan American World Airways, ou simplesmente
PanAm, como era conhecida e respeitada nos quatro cantos
do globo.
Sorridentes, quase 400 passageiros desembarcaram
extasiados. Eles coletivamente haviam inaugurado uma
nova era na aviação comercial. Uma era que seria
conhecida pela vitória do tamanho do gigante ante a pura
velocidade de outra aeronave que debutava naquela época,
o esguio Concorde. Nascia alí para a aviação comercial
e, sem exageros, para a humanidade, a era das viagens
intercontinentais em massa. Voar era agora,
definitivamente, algo possível para as centenas de
milhões que não faziam parte de uma seleta minoria de
bem-afortunados. Voar para outro continente, a partir
daquele dia, finalmente cabia no orçamento de centenas
de milhões de famílias de classe média espalhadas ao
redor do globo.
Esse ganho de escala só foi possível pela enorme
produtividade e economia por assento/km que essa nova
geração de aeronaves proporcionava. Da noite para o dia,
as equações de retorno econômico sobre os investimentos
foram profundamente alteradas - para melhor. A partir
daquele instante, as dezenas de companhias aéreas que
haviam encomendado o gigante podiam fazer as contas e
esfregar as mãos: logo, elas estariam transportando
todos os dias milhares de passageiros sobre os oceanos,
cobrando menos pelas passagens e contando com margens de
lucratividade muito maiores sobre um número
significativa mairo de poltronas vendidas. Para algumas,
foi uma verdadeira redenção; para outras, sobretudo na
Ásia, o veículo certo para nascer, crescer e prosperar.
Você já sabe: estamos falando do único, insubstituível e
carismático Jumbo, ou Boeing 747. Ele acaba de completar
40 anos de incontestável sucesso. Nada menos que 1.419
passaram pela linha de produção criada especialmente
para ele em Everett, estado de Washington, noroeste dos
Estados Unidos. Vendido então ao preço de 24 milhões de
dólares em 1970, o Jumbo creceu em tamanho, sofisticação
e preço. Daquele 747-100 da Pan Am ao mais moderno
747-400ER, o último modelo a ser produzido, o preço de
aquisição passou de 24 milhões para algo em torno de US$
260 milhões de verdes. Claro, é preciso compensar a
inflação neste período.
Mas o fato é que nestas quatro décadas, toda companhia
aérea de bandeira de peso tinha que ter o 747 em sua
frota. Flagship de companhias aéreas na Oceania, América
Latina, África, enfim, de cinco dos seis continentes, o
Jumbo era mais do que um colosso: era orgulho nacional
dos países e suas empresas aéreas. É um 747 o Air Force
One dos presidentes norte-americanos. É o 747-400 o jato
do governo japonês, dos mais ricos potentados árabes, do
Sultão de Brunei.
Ainda que em 2008 ele tenha sido definitivamente
destronado pelo A380, maior, muito mais avançado,
econômico, menos agressivo ao meio-ambiente, quem foi
rei não perde a majestade. Aposto um boarding pass com
você que 10 entre 10 fanáticos por aviação não trocam
todos os avanços do A380 pela beleza, imponência,
carisma e legado do velho e bom 747. Eu já vi os dois,
lado a lado em solo. O 747 me chama muito mais atenção.
Recentemente, no dia 10 de novembro, o último 747-400ERF
(s/n 37304) foi entregue à empresa kuwaitiana Load Air,
e imediatamente levado ao deserto para ser estocado,
aguardando dias melhores para a carga aérea. Este foi o
Jumbo de nº 1.419 a passar pelas linhas de produção.
Simplesmente nenhuma outra aeronave de fuselagem larga,
da Boeing ou concorrentes (MD-11, DC-10, L-1011, A340,
A330, 777, 767, etc.) chegou perto dessa marca. E nem
deverá chegar tão cedo.
Vamos revisitar alguns números do gogante que falam por
sí. Um 747-400 tem seis milhões de peças (metade delas,
rebites), produzidas em nada menos que 34 países. Possui
274 km de cabos e 8 km de tubulações diversas. Tem 19,4m
de altura, equivalente a um edifício de seis andares.
Sua fuselagem tem uma chapa de apenas 5mm de espessura.
Cada asa pesa 12.700 kg, ou dez vezes o peso do modelo
original produzido pela Boeing, o "Model 1" de 1916. A
frota de 747 voou o equivalente a 32 bilhões de km, o
suficiente para ir e voltar à lua 42 mil vezes ou ir e
voltar ao sol 200 vezes. Nada menos que 2.2 bilhões de
pessoas voaram em um 747 (40% da população da Terra). Um
747-400 decola a 290 km/h, voa a 910 km/h e pousa a 260
km/h. Setenta e cinco mil desenhos foram necessários
para o primeiro 747 decolar. O programa de ensaio de voo
original usou cinco aeronaves, durou 10 meses e
necessitou de 1.500 horas de voo. O peso da tinta que
normalmente cobre um 747 é de 270 kg. Em voo de
cruzeiro, o Jumbo consome 15 litros de combustível por
milha voada. Com a capacidade de combustível de um 747,
um carro de passeio comum poderia dar 60 voltas ao redor
do mundo. A área de cabine de um 747 é de 400 metros
quadrados. O recorde de passageiros em um 747 ocorreu em
24 de maio de 1991, quando um jato da El Al transportou
1.081 retirantes etíopes que fugiram de seu país. Ao
chegar a Israel, havia 1.082 passageiros a bordo: um
bebê nasceu dirante a viagem!
O fato é que o Boeing 747 ainda tem muita veida útil
pela frente. Seja através das centenas em serviço ativo,
ou em sua nova versão, o 747-8, desenvolvida nos modelos
de carga e passageiros. E, ainda que eles não sejam
páreo para o novo "Rei dos Céus", o A380, a aviação e a
humanidade muito devem ao simpático, bem sucedido e
carismático 747. Salve majestade!
Gianfranco Beting
08/02/2010