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Uruguai
A Republica Oriental del Uruguay é um país que, comparado com o Brasil, é menor em tudo, menos em dois pontos importantes: no orgulho e no patriotismo. Os três e meio milhões de uruguaios, incluindo-se aí pelo menos meio milhão vivendo fora do país, formam um grupo único. Juntos, têm uma formidável consciência nacional - algo que nós, brasileiros, poderíamos aprender com nossos vizinhos de fronteira meridional. Mais que isso: os uruguaios têm um desmedido amor por tudo que seja nacional, local. Essa invejável identidade às vezes chega ao exagero - "o melhor doce de leite do mundo" , ou "a melhor carne do planeta," ou ainda a "Pérola do Atlântico, o mais belo balneário da América do Sul (Punta del Este)."
Bem, seja como for, o fato é que nosso país vizinho tem algo que, depois de muito matutar, acho que descobri como definir: o Uruguay ainda tem algo que há muito dou por perdido na cidade onde vivo, São Paulo, que tem uma população quase 5 vezes maior que todo o Uruguay; o que chamo de "escala humana:" tudo no Uruguay ainda parece ter o tamanho certo para a raça humana. O trânsito, as ruas, os bairros, as comunidades, as praias, os bancos, o comércio, os parques. Parece que tudo foi desenhado pelo Homem para o Homem. Tudo é razoavelmente perto, relativamente fácil. Tudo parece ter sido feito para desfrute e para servir.
Quem vive numa cidade como São Paulo - ou melhor, sobrevive - tem que se programar para enfrentar filas, driblar o trânsito caótico, falta de espaço, falta de tempo, falta de áreas verdes; até o ar para se respirar parece que tem que ser conquistado. Ao contrário, na República dos generais Artigas, Lavalleja e Rivera a vida ainda é levada num ritmo humano, plausível, aprazível. Mais lento, é certo, mas igualmente mais prazeroso.
Bolas! Vosmecê, estimado leitor, já coça a cabeça: que diabos de tratado sócio-psico-demográfico é este que acabo de ler? Estou interessado nos aeroportos uruguaios, não em perder meu tempo com esse nhem-nhem- nhem!
Concordo, aceito, mas explico que o longo intróito tem uma razão de ser, caro leitor: achei necessário colocar em perspectiva que os aeroportos de Montevideo (MVD) e Punta del Este (PDP) têm exatamente essa característica comum: a escala humana.
Montevideo - Carrasco - MVD
Começemos por Montevideo. O aeroporto está situado próximo ao Rio da Prata, no aprazível bairro de Carrasco, muitas vezes utilizado como designação local para o aeródromo. Seu velho terminal tem uma arquitetura de linhas neoclássicas, típicas dos anos 40, época em que o "novo" aeroporto foi inaugurado. O terminal foi construído num elegante semi-círculo, que dá para o pátio e para as pistas. Pés-direitos altos, grandiosos, o uso generalizado de mármores nobres e de grandes lustres de ferro batido dão ao terminal um ar de filme noir, remetendo a uma volta ao passado instantânea.
Mas como é de se esperar nesta nossa AméricaLatrina, nas décadas subsequentes, o "pogresso" fez com que a arquitetura original fosse sendo gradativamente mutilada, aviltada pela incorporação de adendos, de extensões e reformas feitas sem qualquer respeito ou cuidado com o projeto original: visto por quem chega da rua, a arquitetura original do terminal foi totalmente desfigurada; hoje quem chega a Carrasco parece estar entrando numa pavorosa rodoviária interiorana. Um olhar mais atento, contudo, ainda é capaz de identificar o projeto original sob essas excrecências arquitetônicas. Note: acabaram de fazer o mesmo com Congonhas. A próxima vítima é o Santos Dumont. Ô gente medíocre.
Voltando a Carrasco: o projeto original do terminal conta com dois andares. No andar superior, além de alguns escritórios, dominava o ambiente um restaurante e um espetacular terraço aberto, que dava ampla e irrestrita visão para os pátios. O que aconteceu? Claro, o terraço foi para o espaço, fechado por razões de segurança e hoje, para se ter alguma visão dos pátios e pistas, só mesmo através dos vidros do restaurante. Assim mesmo, parte dos aviões estacionados está além do alcance das lentes.
O tráfego é bastante lento para padrões internacionais, mas até isso tem um certo charme, traz uma agradável sensação nostálgica. Os movimentos são contados na casa das dezenas ao dia. E não muitas dezenas. Se lembrarmos que Montevideo tem apenas 1,3 milhão de habitantes, chega-se facilmente à conclusão que o tráfego não pode mesmo ser muito intenso.
A Pluna, claro, domina os movimentos. De manhã, partem os vôos para o Brasil, Argentina, Chile. Chegam também, em alguns dias da semana, sobretudo no verão, vôos charter, normalmente feitos com o 757-200 da empresa. E claro, o "flamante" 767-300ER da empresa, orgulho da frota, que cumpre regularmente a rota Montevideo-Rio de Janeiro- Madrid. Ainda de manhã, chegam dois vôos dos Estados Unidos: um 777 da American, vindo de Miami sem escalas e outro 767-300, este da United, cumprindo a rota Chicago-Buenos Aires-Montevideo. Em alguns dias da semana, pousam também os A340-300 da Iberia, vindos de Madrid.
Os vôos para Buenos Aires (Aeroparque) são chamados de "Puente Aéreo" e são mesmo frequentes: mais de 15 ligações diárias, feitas pelos 737-200 da Aerolineas Argentinas e Pluna. Nestas ligações, em alguns horários, a Pluna também escala seu único ATR-42. E ligando o Aeroparque a Montevideo também estão os Jetstream J31 da empresa argentina AeroVIP. E neste verão para dar conta do intenso movimento, 30% maior que nos anos anteriores, até mesmo as empresas uruguaias Air Class e U-Air ganharam direitos de tráfego.
Outros visitantes diários são os Fokker 100 da TAM Mercosur (Paraguay) que unem Montevideo a Asunción, num serviço em code-share com a própria Pluna. Vemos ainda os A319-100 da LAN (Chile) num único vôo diário para Santiago e, é claro, os Boeings da Varig, ligando a capital uruguaia a vários pontos no Brasil. Além disso, o aeroporto de Montevideo serve como base da FAU - Fuerza Aérea Uruguaya. Aeronaves como os CASA 212, EMB-120, C-130 e os Beech dos esquadrões de transporte podem ser vistos com alguma sorte.
Outras operadoras locais são a novata empresa U-Air, voando desde 2003 com um par de Fokker 100. A empresa, contudo, atravessa sérias dificuldades, enfrentando baixíssimos índices de ocupação. Um nome ainda desconhecido da maioria, a U-Air fez quase tudo certo, mas esqueceu-se de investir seriamente em promoção, na divulgação de seus serviços low-cost/low-fare. Um erro bastante comum, esse de achar que propaganda e marketing são "custos" que podem ser "evitados". deixa pra lá.
Outra empresa tão uruguaia quanto o doce de leite da Conaprole é a Air Class, que serve algumas rotas domésticas regulares (!) com seus Bandeirante. Além disso, a empresa também opera o Swearingen Metroliner, este usado exclusivamente em serviços de carga contratados pela gigante norte-americana DHL. Outra empresa uruguaia é a Aeromás, que utiliza Cessna Grand Caravan e um Bandeirante em alguns poucos vôos regulares e na sua grande maioria, em fretamentos. Como se vê, não é muito, mas vale a pena passar um dia no aeroporto de Carrasco, especialmente no verão, quando o movimento é mais intenso.
Num país em que as mudanças são feitas sempremuy despacito, Carrasco também começa a mudar radicalmente: o terminal atual está com seus dias contados. Em 2002 o aeroporto foi privatizado e assim, o El Gobierno Federal entregou à iniciativa privada a tarefa de modernizar MVD. A empresa ganhadora da licitação já começou a mostrar serviço, construindo de cara uma nova torre de controle, inaugurada há poucos meses. Um terminal totalmente novo será construído próximo à essa nova torre, distante mais de 1,500 m a leste do terminal tradicional, que está passando por algumas ampliações de urgência para comportar o tráfego nos horários de pico, até que esse novo terminal seja inaugurado em 2006/2007.
Punta del Este - Laguna Del Sauce - PDP
O Aeroporto de Punta Del Este é totalmente diferente de Montevideo. Embora ainda conservando as dimensões "humanas," tão prolixamente descritas no começo desta matéria, PDP é um terminal completamente novo, construído do zero há pouco mais de 5 anos. Consequentemente, suas linhas arquitetônicas são modernas, arrojadas. Externamente, boa parte de sua estrutura é metálica, revestida de aço, numa clara alusão às aerodinâmicas formas das aeronaves. Suas belas linhas somam-se à uma das mais pitorescas regiões do Uruguay: a Laguna del Sauce, situada a apenas 15 km de Punta Del Este e que, como o nome indica, é dominada por um belíssimo conjunto de colinas, bosques e, claro, a dita lagoa.
Como nada é perfeito, esse belíssimo conjunto não recebe muito tráfego, infelizmente. Os poucos movimentos diários são alguns vôos da Pluna para Buenos Aires (Aeroparque) e ocasionalmente, para Montevideo, distante apenas 120km. Operam regularmente em Punta del Este a Pluna (ATR e 737), Aerolineas Argentinas (737), AeroVip (J31) a argentina American Falcon (737-200).
Esses vôos são acrescidos de vários serviços charter durante a altra temporada (20 de dezembro a 1º de março) quando então PDP recebe vôos diretos da Varig, TAM, LAN, TAM Mercosur, além de serviços extras das empresas citadas como operadoras regulares. Por exemplo, a foto do 767-300ER da Pluna feita em 28/12/2004, quando o mesmo chegava diretamente de Guarulhos, num fretamento que levava turistas para o Hotel e Cassino Conrad. Além disso, nessa época, muitos turbohélices e jatos executivos particulares pousam em PDP, estacionando num pátio remoto dedicado àviação executiva. Quando visitei PDP, observei 3 Falcons, incluindo um F900 com matrícula austríaca e o jato particular de Nelson Piquet, um Citation X.
Fotografar em PDP já foi muito bom, perfeito diria até. Afinal, no segundo andar do terminal, há um restaurante e dois belíssimos terraços abertos, voltados para o pátio. Mas os acontecimentos de 11 de setembro de 2001 deixaram suas marcas até mesmo por aqui: desde então, os dois magníficos terraços encontram-se fechados ao respeitável público. Resta apenas a possibilidade de fotografar através dos vidros do restaurante.
De qualquer forma, uma visita ao encantador país e a seus dois aeroportos principais vale a pena. Embora não seja o programa mais emocionante do mundo - nem o mais agitado - as possibilidades de fazer boas fotografias existem e os tipos e companhias locais tem um sabor único. Como tudo que é tipicamente uruguayo, bien dicho.
Gianfranco Beting