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Sydney paraíso dos spotters
O caro leitor deve estar pensando: puxa, mais um paraíso dos spotters... pra esse pessoal do jetsite, todo aeroporto é um paraíso? Quase.
Existem lugares que são espetaculares, como Miami e Los Angeles. Mas hoje, infelizmente devido aos atentados, fotografar neles é caso de polícia. Em outros, o tráfego é soberbo (Heathrow, Frankfurt) mas o clima não ajuda. Finalmente, existem aqueles que combinam tráfego interessante, clima favorável e lugares espetaculares para se clicar: é assim que eu classifico o Aeroporto Internacional Kingsford-Smith de Sydney, Australia (SYD/YSSY).
Conhecido localmente por Mascot, localidade onde está situado, o aeroporto fica 8 km ao sul da cidade. Como a maioria das chegadas internacionais procede do norte, a cidade de Sydney é quase sempre sobrevoada, uma visão inesquecível.
Tráfego interessantíssimo
Uma coleção de companhias asiáticas formam uma das principais atrações de SYD. Até porquê nem sempre elas usam os 747 comumente vistos nos aeroportos de Londres, New York ou Los Angeles. Aqui você encontra os A330 da Garuda, os 777 da Malaysian e coisas do tipo. Mas o ponto alto é a presença das raríssimas companhias aéreas do Pacífico, que têm em Sydney uma escala obrigatória para unir as pequenas nações insulares ao resto do mundo. Air Nauru, Air Caledonie, Polynesian, Air Vanuatu... vá contando as ilhas e as companhias que servem Sydney e leve mais filmes na mala.
Da Europa não são tantas as empresas com vôos para Sydney, por se tratar de cidade antípoda da maioria das capitais do Velho Continente. Afinal, muito dos vôos com origem na Europa tomam quase 24 horas (e uma escala) para chegar até SYD. Assim, apenas a KLM, Lauda, Alitalia e principalmente, a British Airways, são as poucas empresas aéreas européias servindo o aeroporto. As outras grandes empresas do Velho Mundo, tipo Air France e Lufthansa, servem a cidade através de serviços code-share, normalmente via Bangkok, Singapore ou Seul.
Da América do Norte, além das cargueiras Fedex, UPS, Evergreen e Kitty Hawk, apenas a United opera regularemente vôos de passageiros. A decolagem diária de seus 747-400, por volta do meio dia, rumo a San Francisco ou Los Angeles non-stop é um exercício de ver o que acontece quando um 747 usa TODA uma pista para decolar: o jumbão vai sair só nos últimos 500m de concreto, mole, batendo asas... é lindo.
O tráfego doméstico é espetacular, embora não muito variado. Em minha última visita, em 1999, a Ansett e a Qantas dominavam os céus australianos. Hoje a Ansett já faliu e foi substituída pela Virgin Blue. A Impulse (hoje absorvida pela Qantas), Kendell, Hazelton e outras menores fazem os vôos regionais. Tudo isso é muito interessante para o spotter brasileiro. A Qantas com suas espetaculares pinturas especiais, os 747 Nalanji e Wunala Dreaming, o 747-400 VH-OJC Formula 1 e mais o 737-800 VH-VXB Yananyi Dreaming já valem a viagem.
Fotografando: o ponto alto
À parte do Terminais Doméstico, de onde é possível fazer algumas fotos, apenas a cafeteria do Terminal Internacional oferece uma visão (apenas razoável) do pátio, mas muito limitada das pistas. O spotter sério precisará de um carro e um bom mapa para chegar aos locais onde os "locais" vão: as estradas que acompanham os limites do aeroporto, as famosas "Perimeter Roads." É lá que se faz fotos com seriedade.
Mas é sempre bom contactar previamente algum fotógrafo local e pedir dicas. Eu fiz isso pela internet e acabei conhecendo o grande Craig Murray, não só um excelente fotógrafo como um grande "mate". Craig tornou-se amigo pessoal e colaborador do jetsite, para quem envia grandes fotos sempre. Confira na seção Galeria.
O mapa que acompanha a matéria ilustra estas posições. As fotos podem ficar simplesmente deslumbrantes. Mas note que você precisará de uma ampla gama de lentes, indo idealmente de 24 a 400mm. Quando os aviões estão nas taxiways mais próximas, nem uma grande angular bastará para enquadrar um 747. Afinal, numa das posições (próxima a pista 16-34 e à General Holmes Drive) um 747 taxiando passa com o wingtip acima de sua cabeça! Já quando estão correndo pelas pistas, é bom ter lentes de 200mm no mínimo.
Instruções para chegar até estas posições são complicadas. Compre um mapa local e com a ajuda de nosso mapa aí ao lado, você chega lá. Leve comida, bebida e uma escada de no mínimo 4 degraus para poder ficar por cima das cercas que circundam o aeroporto. Lembre-se que Sydney no verão pode ser tão quente qantas a Bahia (essa foi muuuuito infame). Cubra a cabeça e traga bastante água!
Meu amigo John Vogel
Vai aqui uma passagem que vai valer como um réquiem.
Craig e eu, conforme dito anteriormente, nos conhecemos pela Internet. Combinamos que ele me pegaria em meu hotel em Sydney e me levaria aos "top spots". As cinco da matina lá estava ele. Subi em seu carro e fomos conversando com se nos conhecêssemos há décadas. Tem coisas que só um hobby faz por você.
Em lá chegando, assistimos ao espetáculo de um nascer do sol maravilhoso sobre a baía de Sydney. Era uma manhã cristalina, depois de dias de chuva. Fazia um friozinho agradável, corria o mês de maio. Craig trouxe uma escada e colocou-a à minha disposição, numa manifestação de generosidade e companheirismo típicamente "Aussie".
Subi na escada e saí fotografando como um desesperado, para hilariedade dos locais, que não viam graça nenhuma num 737 da Qantas - do mesmo modo que acho enfadonho um ATR da Pantanal... Logo que o dia clareou, Craig apresentou-me à um senhor, John Vogel. John era o decano do grupo, e soube em seguida, da comunidade spotter Aussie. Entre uma foto e outra, começamos a conversar e John me contou sua vida dedicada à fotografia aeronáutica. Nos últimos 50 anos, tudo o que passou por Sydney foi registrado por ele: dos Concordes aos Argosies da RAF, dos Tiger Moths aos VC-10, John transformou-se na memória viva do aeroporto.
De uma hora para outra John sumiu. Procurei por ele mas o tráfego constante não deixava espaço para muitas outras coisas. De repente, ele voltou com café quente e Donuts: tinha saído especialmente para comprar um "Breakfast for my new Brazilian friend". O gesto delicadíssimo de John mostrou porque ele se transformou no mais querido e respeitado spotter local, uma versão australiana de nosso saudoso Alberto Fortner.
Nos dois dias seguintes, Craig e John fizeram o que puderam para transformar minha visita em algo memorável. John trouxe e carregou sua escada especial, mais alta, e fez questão que eu a usasse. Chegou até a ter o trabalho de ligar para a Qantas e conseguir o schedule de operações do VH-OJB Wunala Dreaming, o colorido 747-400 da empresa. Ligou para meu hotel e ordenou-me: "esteja aqui amanhã as 12:00 porque o Wunala decola para Los Angeles". Bingo.
Era o último dia em Sydney. Meu amigo Rob Finlayson saiu de sua cidade, Hobarth, e pegou um avião apenas para me ver, mais uma amostra do nível de simpatia dos spotters Aussies. Nessa mesma tarde, John e Rob levaram-me ao terminal. Antes, John contou-me que estava travando uma dura batalha contra o câncer. Falou de sua fé em Deus, de sua religião judaica e ficou maravilhado ao descobrir que minha mulher é judia. Abraçou-me dizendo: sabia que você tinha que ter algo de judeu... nem que fosse a esposa!
Alguns meses depois, Rob enviou-me um e-mail: John havia perdido a última batalha contra o câncer. Seus amigos, contribuíram para ajudar o hospital do câncer de Sydney, que cuidou de John em suas últimas horas. Mais que isso: o grupo ergueu um pequeno memorial ao lado da cerca do aeroporto de Sydney, local que ele freqüentou por décadas. Assim, John estará para sempre em nossos espíritos e corações e também, dia e noite, ao lado de seus amados jatos.
Gianfranco Beting