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Guarulhos: hub sulamericano
De Palma a Paris, de Tokyo a Toronto, o jetsite já levou você a viajar para alguns dos mais importantes e interessantes aeroportos do mundo. Agora chegou a vez de conhecer mais de perto a "prata da casa", o mais importante aeroporto internacional da América do Sul: Guarulhos.
Origens conturbadas
São Paulo é, usando uma velha expressão, a locomotiva que tenta puxar o Brasil ao tão sonhado patamar de país desenvolvido. São dezoito milhões de habitantes numa cidade que apresenta números absolutamente díspares, reflexos de uma dramática desigualdade social: SP tem a maior frota de helicópteros e heliportos de uma única cidade em todo o mundo e, ao mesmo tempo, em algumas regiões metropolitanas, índices de mortalidade infantil piores que nas menos desenvolvidas partes da África. São Paulo é tudo ao mesmo tempo, paraíso e Inferno, Babel e Shangri-lá. (Meio cafona esta última frase. Paciência.)
Como cidade que nunca pára, precisa chegar e sair. São 3 aeroportos servindo este gigante, e com algum esforço, quatro ou até mesmo seis numa área de 80km de raio (incluindo Jundiaí, Santos e Campinas). Trata-se de um dos maiores pólos aeronáuticos do mundo. Mas até os anos 80, São Paulo carecia de um verdadeiro aeroporto internacional. Até então, as limitadas pistas de Congonhas abrigavam vôos do Cone Sul e alguns serviços da América do Sul. O tráfego intercontinental mesmo era direcionado para Viracopos (distante demais) ou descia no Galeão, trocando de bitola e prosseguindo para Congonhas.
Essa situação não podia perdurar. Foi então que o Governo Federal e estadual juntaram esforços para corrigir essa aberração. Deu-se início à escolha de locais para a construção de um novo aeroporto. Vários lugares foram estudados, com nossa Aeronáutica preferindo a Base Aérea de Cumbica. Outra locação muito cotada era (não pode rir): Caucaia do Alto.
Depois de intensos e acalorados debates, muito lobby e alguns episódios mal esclarecidos, optou-se pela ampliação da Base Aérea de Cumbica, que na língua dos nativos que lá habitavam antes da chegada das caravelas, significa: nuvem baixa (pode rir). Sim, nossos pajés e caciques pareciam entender mais de meteorologia que nossos brigadeiros...
Seja como for, a ordem estava dada e as construções começaram. Nevoeiros intensos formavam-se diariamente durante o inverno, nos charcos adjacentes à Base Aérea diminuindo a visibilidade drasticamente. Além disso, uma cadeia de montanhas está situada no setor norte do aeroporto, os contrafortes da Serra do Japi, que prestam-se perfeitamente para aprisionar bancos de nevoeiros que se formam pela manhã. Resultado? Cumbica normalmente é a última região a "abrir", climaticamente falando.
Seja como for, em 25 de janeiro de 1985 a cidade comemorou a inauguração de seu verdadeiro aeroporto internacional. O PP-VNA, um Boeing 747-200 da Varig procedente de New York, cumprindo o vôo RG 861, inaugurou oficialmente as operações do aeroporto. O A300 PP-SNL da Vasp e o 767-200 PT-TAA da Transbrasil também adornaram a cerimônia de inauguração do primeiro Terminal de Passageiros (TPS1), colocando definitivamente GRU no mapa. As operações domésticas concentradas em Congonhas foram oficialmente "convidadas" a se transferir para GRU: Congonhas, em plenos anos 80, passou a ser um "aeroporto a hélice", frequentado apenas pelos Electras da Ponte Aérea e pelos Fokker, Brasílias e Bandeirantes das regionais. Jatos, somente os executivos.
Gradualmente, GRU foi ganhando tráfego. Para mim, aos 21 anos, foi como um novo mundo se abrindo: não mais teria de viajar para ver de perto aeronaves wide-body. Naqueles dias, eu costumava, em fim de noite, pegar a Marginal e ir tomar café em Cumbica. Pretexto para ganhar os terraços abertos, e sentir o ruído dos jatos e o cheiro do combustível de aviação. Muitas vezes ficava horas lá, vendo as operações noturnas da Varig, que saíam para a Europa e Estados Unidos, e só voltava lá pelas altas horas da madrugada.
Chega de recordações, tudo pela objetividade jornalística! Naquela época, fotografar em GRU era moleza: dos terraços abertos era possível fazer boas fotos. Essa vida boa durou até 1991, quando a American e a United começaram a se queixar, por questões de segurança, da proximidade do público. Muitas vezes eu mesmo vi gente jogando bitucas de cigarro no pátio, heresia total num aeroporto. A Infraero, constrangida, viu-se obrigada a fechar o terraço.
Necessidade é a mãe da invenção. Sem a "prainha", nós spotters ficamos chupando o dedo, sem ter para onde ir. Mas foi então que o saudoso Alberto Fortner (veja seu perfil na seção gente) diligentemente escoltado por outro amigo, o João Barbosa, encontrou o lugar certo. O "morro".
É de lá que fazemos a maioria das fotos presentes no jetsite. Seu acesso é absolutamente impossível de ser explicado sem um mapa. Basta dizer que depois de sair do terminal, leva-se mais de 25 minutos de carro para chegar até lá. Portanto, impossível de explicar. Outro lugar bom para fotos é na própria estrada de acesso ao aeroporto: estaciona-se o carro no terminal e anda-se todo o trajeto de volta à cabeceira. As fotos ficam muito boas, sobretudo nos meses de maio a agosto, quando a luz fica atrás quase o dia todo.
Tráfego: saudade e mudanças
GRU começou devagar, com apenas um punhado de operadores internacionais. No começo vieram, com seus 747, a Pan Am, Aerolineas e Air France, com os L-1011 a TAP e a British Airways. Os DC-10 vinham nas cores da Viasa, Canadian e Ibéria. A Lan Chile trazia alternadamente os 737, 707 e 767-200. O LAB vinha com 727, assim como a Aerolineas. A TAP veio também com os 707.
Os DC-8 eram representados pela Aero Perú (depois 727 e 757) e Lineas Aéreas Paraguayas, que voava também com os 707 e algumas vezes, até mesmo com os BAe 146. Alternando entre seus 707, 727 e 757 vinha a Ladeco. A SAS inaugurou os ETOPS transatlânticos com vôos sem escalas entre GRU e CPH nos seus 767-200ER.
Esses eram os principais operadores internacionais em GRU até o princípio dos anos 90, quando então a KLM, Lufthansa, Alitalia e Swissair finalmente deixaram Viracopos. As três primeiras vieram com os 747-400 e a empresa suíça opera desde então com os MD-11. Da Ásia chegavam a Korean e a JAL, sendo que a KAL inaugurou seus vôos para o Brasil com os MD-11.
No campo doméstico, eram vistas a Digex, TNT/Sava, Phoenix Brasil, Skyjet e Aerobrasil Cargo: todas faliram. A Air Vias com os 727 e DC-8 e a Passaredo, com seus A310 e Brasílias, também foram pro beleléu. Mais recentemente, a Nacional e a Via Brasil seguiram o mesmo caminho.
A PanAm, que em seus últimos dias vinha de A310-300, foi substituída pela American. A Eastern, que operou em GRU por pouco tempo com os DC-10, vendeu suas rotas para a United, que começou a voar para o Brasil com os 747-100, 200 e 747-SP, estes últimos usados para voar sem escalas para Los Angeles. E a Canadian foi substituída pela Air Canadá.
A consolidação na aviação sul-americana foi dramática: LAP, Ecuatoriana, VIASA, LAPSA, Air Aruba, Ladeco, Aero Perú faliram e deixaram de servir GRU. Outras companhias serviram GRU mas poucos lembram de ter visto foram BWIA, que operou por alguns meses com os MD-80 e até mesmo com os L-1011 entre Port Of Spain e Guarulhos, a Dinar (DC-9, alguns meses apenas, Lacsa (A320) e a Spanair com os 767-300ER.
Expansão e planos futuros
Em 1992 foi aberto o TPS 2, aumentando a capacidade do aeroporto para 16 milhões de pax/ano. Mas ainda é pouco. Um novo terminal e uma terceira pista estão sendo contruídos para desafogar o aeroporto e permitir a circulação de até 28 milhões de pax ao ano. A entrada de novas empresaas aéreas no aeroporto prosseguiu: hoje, dos Estados Unidos, vem a Delta e a Continental além da UA e AA. A Copa Panamá, TACA Perú, South African e Cubana são desta safra, e operam regularmente hoje em dia, assim como a FLY, Pluna, BRA, Avianca e Aero México.
No campo regional, a Ocean Air com EMB-120 e a Pantanal com seus ATR são vistos quase diariamente. Em carga, temos a Air France Cargo, Beta Cargo, Skymaster, Vaspex, Varig Log servindo GRU com maravilhosos e anacrônicos 727-100, 727-200, DC-8, DC-10 e até mesmo 707s! Durante a noite, vôos postais da Total Cargo e TAM Express transitam por aqui. Com todos estes operadores, GRU é diversão na certa para o spotter nacional ou estrangeiro. Os gringos, por sinal, estão chegando em números cada vez maiores, atraídos pela diversidade e freqüência do tráfego.
Tendo se estabelecido como hub sulamericano par excellence, Guarulhos Franco Montoro Internacional tem tudo para continuar por décadas a servir São Paulo e região, consolidando-se como maior aeroporto da América do Sul. Com nuvens baixas e tudo!
Gianfranco Beting