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ONA980 Vamos pousar na água! (DC-9)

Faz parte do inconsciente coletivo de quem voa regularmente imaginar um pouso no mar. Muitas vezes fui confrontado com a pergunta de gente preocupada com a questão: o que acontece se um avião pousar no mar? Ele afunda? Quanto tempo isso leva para acontecer?

O fato é que amerissagens, o nome técnico de quando uma avião pousa na água, são casos isolados, raríssimos na história da aviação comercial de grande porte. Podem ser contados nos dedos de uma mão. Sem exceção, porém, tornam-se famosos, pelo fascínio que despertam. Alguns, como foi o caso de um Boeing 377 da Pan Am que fez um pouso perfeito no meio do Oceano Pacífico sem perda de vidas, entram para os anais da indústria. O acidente que você vai ler agora neste Black Box mostra um caso raro, pouco conhecido: a amerissagem de um jato comercial.

Voltamos o relógio para o segundo dia de maio de 1970. Estamos agora decolando de New York, aeroporto de Kennedy, num DC-9-30 da empresa ONA - Overseas National Airways, empresa suplementar (vôos charter) norte-americana. Naquela ocasião, porém, o jato voava em caráter de arrendamento para a ALM - Antilliaanse Luchtvaart Maatschapij, uma empresa subsidiária da KLM e que é a empresa de bandeira das Antilhas Holandesas no Caribe.

O jato era comandado por dois pilotos da ONA, o comandante Balsey de Witt e primeiro oficial Harry Evans, auxiliados pelo navegador Hugh Hart. Os três comissários eram todos profissionais da ALM: Wilford Spencer, chefe de cabine, Tobias Cordeiro e Margaret Abraham. Com mais 57 passageiros, estavam 63 (quatro crianças) a bordo quando o DC-9 decolou de JFK as 11h14.

O destino final era Sint Maarten, distante 1.400 milhas ao sul de New York, com alternado em Saint Thomas, nas Ilhas Virgens Norte-Americanas. A tripulação preencheu um plano de vôo IFR, voando no nível 290 (29.000 pés) e com tempo estimado de vôo de 206 minutos. O DC-9 foi reabastecido com 13,120 kg de combustível, suficiente para voar 274 minutos, suficiente para voar até o destino, prosseguir para a alternativa declarada e ainda aguardar por mais 30 minutos em vôo. Deste total, apenas para voar ao alternado e para a espera de 30 minutos, a estimativa era de 2.905 kg de combustível. De Witt arredondou e colocou mais 409 kg nos tanques como garantia.

O início do vôo foi normal. A 750 milhas ao sul de New York, a tripulação solicitou uma redução de altitude e velocidade, pois encontrava forte turbulência. O DC-9 passou a voar então no nível 270. A 400 milhas de St. Maarten, de Witt solicitou outra descida, desta vez para o nível 250. As 14h24, passaram num ponto de identificação e reportaram ao controle de San Juan que estimavam ainda 180 milhas para St. Maarten. A tripulação calculou, naquele momento, que tinham ainda 3,900kg de combustível e que pousariam com 2,725 kg nos tanques.

Quinze minutos depois, as 14h39, o Controle de San Juan informou que as condições em St. Maarten estavam abaixo do mínimo operacional: o aeroporto de Princess Juliana estava fechado. De Witt solicitou então autorização para pousar em San Juan e recebendo a confirmação, iniciou o desvio.

Cinco minutos mais tarde, San Juan informou que St. Thomas agora estava aberto novamente, porém operando nos mínimos, com nuvens esparsas a 1,000 pés sob a camada, cuja base estava a 5,000 pés e com visibilidade de 8 km. De Witt então mudou de idéia e comunicou ao controle de San Juan que prosseguiria para o seu destino original, calculando que ainda lhe restaria 2,000 kg de combustível ao pousar em St. Maarten.

Ao bloquear o NDB de Juliana, as condições haviam piorado novamente: a visibilidade agora era de menos de 3 km, pouco acima dos mínimos. Finalmente, ao entrar na reta final, ainda dentro da camada, De Witt somente avistou o aeroporto quando já estava alto demais para pouso e à esquerda do eixo da pista. Imediatamente, aplicou potência e arremeteu para uma nova aproximação.

Quatro minutos depois, o DC-9 entrava novamente na reta final. Uma pancada de chuva restringia ainda mais a visibilidade e De Witt arremeteu novamente, solicitando autorização para uma terceira tentativa. Mais uma vez, a pista não foi encontrada em meio à tormenta que agora caía sobre todo o aeroporto. Uma terceira arremetida seguiu-se, mas desta vez De Witt informou à torre que iria pousar em St. Thomas, o destino de alternativa. Eram 15h31.

A torre de St. Maarten liberou o vôo numa proa direta para St. Thomas, distante 110 milhas, mantendo 4,000 pés de altitude. Foi então que os três membros da tripulação perceberam que os mostradores de combustível do DC-9 marcavam apenas 396 kg nos tanques, quantidade insuficiente para chegar até St. Thomas.

"Não pode ser!" Afirmou De Witt, visivelmente agitado. "Para mim, devemos ter ainda, pelo menos, uns 1.200 kg."

As 15h33, o controle de San Juan chamou o DC-9, perguntando qual nível de vôo seria ideal para o ONA 980. De Witt respondeu: "Qualquer nível mais alto que 040. Estamos com pouco combustível por aqui e precisamos subir". San Juan então autorizou o DC-9 a subir para 12.000 pés, o que De Witt imediatamente iniciou, porém mantendo uma velocidade e razão de subida menores do que as habituais, na esperança de economizar mais combustível. Enquanto isso, a tripulação discutia a situação:

"O que você acha?" perguntou De Witt ao navegador Hart.

"É difícil julgar pelos mostradores. Eles estão flutuando, mas para garantir, porque não alternamos St. Croix? É umas 10 milhas mais próximo que St. Thomas."

"Boa idéia" - concordou De Witt. Em seguida, Evans, o primeiro oficial, solicitou a San Juan alternar St. Croix.

Ao atingir 7,000 pés, o DC-9 entrou novamente na camada. Foi então que o comandante De Witt mudou de idéia, e como se pensasse em voz alta, comentou:

"Se estivermos mesmo com pouco combustível, não é nada bom sofrermos um flame-out (desligamento dos motores por falta de combustível) no meio da camada. É melhor voarmos abaixo dela. Peça a San Juan para descermos" ordenou De Witt a Evans. Sua preocupação agora era mais do que evidente, e já se transformara na angustiante certeza de que um acidente era questão de tempo. Como se continuasse a pensar em voz alta, disse aos colegas de cabine:

"Sabem, não tenho como ter certeza se os mostradores de combustível estão certos ou não. Eu preciso acreditar neles. E se eles estão certos, teremos de amerissar cedo ou tarde. Talvez seja melhor antecipar isso e decidirmos nós mesmos como e quando fazê-lo. Vamos voar perto da água e tentar encontrar um lugar para descer." De Witt então chamou ele mesmo o controle San Juan e avisou:

"Ok, nós talvez tenhamos que amerissar. Estamos descendo em direção ao mar."

De Witt mandou o navegador Hart chamar o chefe de cabine Spencer e avisá-lo de que o DC-9 iria pousar no meio do oceano. Hart teve de fazê-lo pessoalmente, pois o sistema de comunicação interna entre e cabine de comando e a cabine de passageiros estava inoperante. Hart comunicou a dura realidade ao chefe de cabine, que ficou atônito por alguns segundos e então disse: "Vamos, me ajude a preparar o bote salva-vidas inflável."

Na cabine de comando, De Witt voava manualmente, mantendo o DC-9 a 500 pés de altura, um pouco abaixo da base da camada. Abaixo do jato o mar estava bravio, com ondas altas. Chovia forte e a visibilidade era de menos de 600 metros. De Witt reduziu a velocidade para 145 nós e comandou flap 15. Foi então descendo gradativamente o DC-9, estabilizando a cada 100 pés, de forma a tentar calcular melhor a altura que lhe restava antes do encontro com as ondas. As luzes de advertência de baixa pressão no sistema de combustível acenderam-se na cabine.

De Witt ordenou a Evans: "Chame San Juan e informe nossa posição. Diga que estamos amerissando. É agora." Em seguida, sem contar com o sistema de comunicação interna, Evans ligou e desligou repetidas vezes o aviso de apagar cigarrros e amarrar cintos, tentando avisar os passageiros e os tripulantes do iminente choque. Hart e Spencer perceberam o aviso e, vendo que os ocupantes da cabine, inclusive a comissária Abraham, ainda estavam de pé nos corredores colocando os coletes salva-vidas, puseram-se a gritar desesperadamente:

"Sentem! Sentem! É agora! Assumam as posições de emergência!"

Muitos seguiram as ordens; outros, incluindo a comissária Abraham, estavam ainda de pé quando o DC-9 tocou na água.

Nos comandos, De Witt trabalhava com maestria. Tão logo percebeu as turbinas perdendo potência pela exaustão de combustível, De Witt fechou as manetes, elevou o nariz do DC-9 e manteve uma velocidade de 90 nós, já com full flap. Foi nesta velocidade que o jato entrou voando no oceano, as 15h49.

Mesmo assim, na cabine de passageiros, a severidade do choque pegou a todos de surpresa. A comissária Abraham foi arremessada com violência para a frente da cabine, bem como os outros passageiros que estavam de pé: todos sofreram ferimentos incapacitantes. Seis outros passageiros sofreram igualmente, pois seus cintos de segurança não resistiram à brutal e instantânea desaceleração do DC-9. Em segundos, o jato estava boiando em meio às imensas ondas, essencialmente intacto, mas com a água começando a entrar por frestas e aberturas, inclusive, acredita-se, em alguma porta de carga ou numa provável fissura na fuselagem que possa ter sido decorrente do forte impacto com o mar.

Spencer e Hart imediatamente tentaram abrir a porta principal dianteira: impossível. A fuselagem deformara-se com o impacto, não permitindo qualquer abertura. Então, os dois puseram-se a abrir a porta da galley dianteira, desta vez com sucesso. Foi aí que, inadvertidamente, o bote inflável colocado pelos dois na galley, abriu-se dentro do próprio avião, bloqueando essa saída dianteira. Um golpe de azar.

Um passageiro sentado junto à uma das duas portas de emergência sobre as asa direita conseguiu abrí-la. Foi por essa rota de fuga que a maioria dos passageiros ainda em condições de se locomover acabaram por sair do DC-9. A essa altura, a água já dominava boa parte do assoalho da cabine de passageiros.

Na cabine de comando, Evans e De Witt encontravam-se isolados pelo bote inflado. Usaram suas escotilhas para sair e saltaram ao mar. De Witt então nadou para a asa esquerda e, subindo nela, abriu por fora as duas saídas de emergência, por onde mais dois passageiros saíram. Nessa altura, o DC-9 já estava praticamente sob a água. Em menos de dez minutos, o DC-9 afundou, arrastando para as profundezas seus cinco botes infláveis, 21 dos passageiros (entre eles, duas crianças) e a comissária Abraham.

À deriva, os 41 sobreviventes agarravam-se à unica parte ainda visível do DC-9: por sorte, o escorregador inflável instalado na porta da galley dianteira, que servia como uma enorme bóia. A ela, agarravam-se os dois pilotos, o navegador, dois comissários e 36 passageiros. O primeiro oficial Evans, o único sem contar com um salva-vidas, subiu no escorregador e instruiu todos os passageiros para que usassem cintos, gravatas e panos e se amarrarem como pudessem, de forma a impedir que a força das ondas fosse capaz de arrastá-los para longe do escorregador.

Mas o socorro já estava a caminho. Minutos depois, uma aeronave HU-16 Albatross da Guarda Costeira já sobrevoava o local. Em seguida, dois helicópteros HH-52 e um helicóptero SH-3A Sea King começaram a içar os passageiros para a segurança de suas cabines. Pouco mais de uma hora depois da amerissagem, o último a ser resgatado, o primeiro oficial Evans, foi finalmente içado para um dos helicópteros.

Uma tragédia que só não foi completa pela habilidade demonstrada pelo comandante De Witt na hora de pousar. Habilidade e competência que lhe faltaram na hora de adminsitrar a situação de combustível a bordo de seu DC-9. Suas indecisões e, depois, sua insistência em tentar pousar por 3 vezes em St. Maarten, a despeito das condições adversas, ocasionaram este acidente. O trágico fim do ONA 980 permanece até hoje na história da aviação, como a única amerissagem premeditada realizada por um jato comercial.


Gianfranco Beting

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