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O mistério dos Electras
O Lockheed Electra
escreveu a mais bela página de uma aeronave comercial na
história do Brasil. Foi A única aeronave que operou tanto
serviços intercontinentais (os vôos ds Amizade entre Brasil
e Portugal) como trechos domésticos na rota mais prestigiosa
do Brasil, a Ponte Aérea. Com níveis de segurança jamais
igualados. De quando chegou ao país, em setembro de 1962, a
janeiro de 1992, quando realizou sua última viagem comercial
pela Ponte Aérea, os 15 Lockheed L-188 Electra que operaram
para a Varig não se envolveram em um único acidente fatal.
Isso depois que a frota, nesses quase 30 anos de serviço,
operou por nada menos que 777.140 horas de vôo, realizando
736.806 pousos. Uma média de 55.510 horas de vôo e 52.629
pousos por avião. Nenhum aeronauta ou passageiro sofreu
qualquer ferimento ao voar nas asas deste quadrimotor
maravilhoso. O que muitos fãs dessa aeronave, sobretudo os
mais jovens, desconhecem, é que o Lockheed Electra, tido
como uma aeronave seguríssima em suas operações no Brasil,
teve um começo de carreira desastroso. É isso que você vai
descobrir agora.
Braniff 542
Na noite de 29 de setembro de 1959, o vôo Braniff 542 partiu
com atraso do aeroporto de Houston, Texas, Estados Unidos.
Operado pelo N9705C, o serviço faria escalas em Dallas e
Washington, DC, antes de chegar a Nova York. Com apenas 10
dias de operação regular, a novíssima aeronave sofrera esse
atraso em função da manutençnao necessária num regulador de
voltagem em pane. Uma peça de 300 dólares havia tornado
inoperante a aeronave, que custava US$ 2.4 milhões de
dólares. Mas é justamente essa a razão da aviação ser a mais
segura maneira de se viajar: por menor que seja a peça e sua
pane, ela pode parar um vôo. Tudo em nome da segurança.
Eram 22h44 quando o veterano comandante do vôo, Wilson Elza
Stone, imprimiu potência máxima aos quatro motores Allison
501-D13. O L-188 decolou em questão de segundos, potência
sobrando, uma característica que encantava os tripulantes
mais veteranos, como era o caso de Stone, por décadas
acostumado ao desempenho pouco inspirado dos velhos
quadrimotores Constellation, DC-4 e DC-6 que o Electra ia
gradativamente substituindo.
O quadrimotor da Lockheed oferecia como atrativo as maiores
velocidades em vários dos serviços operados até então. Seu
desempenho era apenas marginalmente inferior aos jatos,
muito mais caros de adquirir e operar. Sua velocidade máxima
era de 721 km/h, de cruzeiro 650 km/h e de cruzeiro
econômico, 600 km/h. Seu teto de serviço era de 8.655 m e
seu alcance máximo de 4.500 km. Com potência (3.750 hp por
motor), sua distância de decolagem era de apenas 1.438 m
(com o peso máximo de 51.256kg). Não era apenas uma aeronave
feita para pilotos: o público adorava o conforto, rapidez e
silêncio de sua operação.
Naquela noite, pouco antes pouco antes de partir de Houston,
o primeiro-oficial Dan Hollowel, com 11.000 horas de
experiência, comentou com um mecânico em terra: "Esse avião
tem um jeito esquisito de compensar". Palavras que a
princípio pareceram apenas curiosas, logo ganhariam um
sentido no mínimo suspeito, senão misteriosamente profético.
A aeronave decolou e subiu em rota normalmente. Eram 23h00
quando o segundo-oficial Roland Longhill anotou no Logbook,
livro de bordo do N9705C, que a aeronave atingira sua
altitude de cruzeiro de 15.000 pés, exatos 16 minutos após
decolar. Sua anotação também dizia o seguinte:
F/E Longhill:"Velocidade 275 nós. Temperatura externa 15ºF.
Anti-ice desligado".
O Electra cruzava com graça e sem esforço o céu escuro no
coração do Texas, num vôo absolutamente rotineiro. Às 23h05,
Hollowel reportou ao controlador do centro de San Antonio,
que o Braniff 542 havia cruzado a cidade de Leona. O
controlador instruiu então ao Braniff 542 que mudasse de
freqüência e contactasse o centro de Fort Worth na
freqüência 120.8. Hollowel respondeu simplesmente:
F/O Hollowel: 542, entendido.
Em seguida, o primeiro-oficial contactou a frequência de
manutenção da companhia, reportando o reparo feito no
gerador e avisando que não havia sido possível isolar um dos
terminais das hélices do motor 3. que, se possível, esse
reparo deveria ser feito na escala em Dallas. O
segundo-oficial Roland Longhill anotou esta troca de
informações no Logbook, que concluiu assim: "Transmissão
completada. 2307."
Eram exatamente 23h07 quando o fazendeiro Richard White,
proprietário de uma pequena fazenda nos arredores de Buffalo,
Texas (população 1.200) desligou a TV. White havia pegado no
sono assistindo ao noticiário das onze da noite. "Melhor me
deitar" pensou o agricultor, lenta e silenciosamente
escorregando por entre os lençóis da cama onde sua esposa já
dormia profundamente. Mal havia se recolhido ao seu leito,
White ouviu um estrondo, parecido com um trovão, seguido por
uma série de sons agudos, metálicos, diferentes de tudo que
jamais havia escutado. Assustado, White levantou-se e correu
até a janela, enquanto pensava: "Engraçado" pensou ele, "o
tempo não está para chuva". Ao abrir as cortinas, o que ele
começou a ver naquele exato instante, além das estrelas, de
fato caía do céu. Mas não era chuva.
Dezenas de destroços em chamas despencavam, produzindo sons
e deixando rastros de fogo tão fascinantes quanto
aterradores. O céu estava aceso, tingido pelos rastros
amarelo-avermelhados de uma chuva incandescente que vinha na
direção da propriedade de Richard White. Sua esposa já
estava ao seu lado, despertada pela cacofonia de sons
metálicos, cada vez mais fortes, cada vez mais agudos, cada
vez mais assutadores. Os dois correram até a porta da casa e
pararam na soleira, justamente a tempo de ver quando uma
enorme massa metálica bateu contra uma de suas plantações de
batatas, a algumas dezenas de metros da sede, levantando uma
nuvem de terra, destroços, fumaça. Institivamente, ambos se
agacharam e esperaram o fim dessa chuva infernal. Alguns
segundos depois, criaram coragem e olharam para fora.
Pendurado entre galhos das árvores estava a cauda da
aeronave. Em meio ao fogo que subia de dezenas de destroços
incandescentes, eram perfeitamente visíveis as letras
vermelhas que formavam duas palavras, estampadas contra o
alumínio pintado de branco: "Fly Braniff".
No dia seguinte, a propriedade estava tomada por centenas de
pessoas. Policiais, médicos-legistas, funcionários da
empresa aérea, repórteres, curiosos, investigadores do
National Transportation Safety Board (NTSB). A maioria no
cumprimento de seu dever, alguns atraídos pela mórbida
fascinação que desastres aéreos despertam, disputavam espaço
na cena do acidente que vitimou o Braniff 542, seus 28
passageiros e 6 tripulantes. Em meio aos destroços da
irreconhecível parte dianteira da aeronave, os
investigadores encontraram o Logbook do segundo-oficial
Roland Longhill. Chamuscado, manchado de terra e querosene,
ainda era perfeitamente legível. Pelos meses seguintes,
seria uma das milhares de peças que os investigadores do
NTSB tentariam juntar para elucidar a razão do trágico fim
do Braniff 542.
Uma das primeiras providências em qualquer investigação é
registrar a disposição dos destroços. Muitas vezes, é da
análise dessa distribuição espacial que as causas de um
acidente são descobertas. Partindo da seção dianteira da
fuselagem, os investigadores foram caminhando para trás e
medindo a distância do que encontravam: 71 metros para trás
desse ponto de impacto, estava a maior parte da fuselagem da
aeronave; a 536 metros, o estabilizador esquerdo; a 1.244
metros, o estabilizador direito; a 1.615 metros, a nacele do
motor nº4; a 2.633 metros, a asa esquerda; a 3.306 metros, o
conjunto de hélices do motor nº1; a nada menos que 4.237
metros, a primeira parte identificável do Electra encontrada
em solo. Tratava-se de um pedaço de tubo hidráulico que
passava por dentro do tanque de combustível nº2. O veredito
era evidente: o Electra havia se desintegrado em pleno vôo.
Pelos meses seguintes, todas as partes encontradas das
26.036 kg que originalmente formam a estrutura de um Electra
foram levadas para um galpão em Dallas. Um lento e
desgastante trabalho de reconstrução da aeronave foi
iniciado. Cada peça ou parte, uma vez identificada, foi
amarrada à uma estrutura de madeira e arame, que servia como
um "esqueleto" da aeronave. Os investigadores foram
lentamente reconstruíndo o que antes era uma das mais
modernas e majestosas aeronaves em oepração. Os pedaços
amassados, queimados, torturados pela queda e pelo fogo,
começaram a montar um quadro que logo ficaria evidente: a
asa esquerda da aeronave desprendeu-se em vôo, logo depois
seguida pela asa direita. O Electra, transformado
repentinamente num charuto voador, despencou como um míssil
sem asas em direção à fazenda dos Whites, desintegrando-se
em plena queda e cobrindo uma área considerável com seus
destroços.
O que teria causado a separação das asas? O Electra, que
havia entrado em serviço há menos de dois anos, era
comprovadamente a aeronave em operação mais exaustivamente
testada da história. Havia passados por todos os testes
imaginários, sem apresentar qualquer problema.
Os investigadores começaram a examinar hipóteses prováveis.
Um disparo de hélice, que teria se desprendido e danificado
a estrutura; uma súbita manobra evasiva, que teria excedido
os limites estruturais do Electra foi descartada - não
havioa aeronaves nas proximidades. A insidiosa fadiga
metálica, que jea havia vitimado os Comet, não havia deixado
rastros. Efeitos meteorológicos também estavam descartados:
a noite era serena, estrelada, quente e sem ventos ou
qualquer tipo de precipitação mais forte.
A performance do comandante Stone também já havia sido
examinada: com 20.000 horas de vôo, ele havia recebeu a
seguinte qualificação pelo checador que o promoveu ao
comando do Electra: "O comandante Wilson E. Stone mostrou
tamanha aptidão no comando desta aeronave que parece ter
sido ele próprio quem escreveu o manual de operações do
Electra".
Depois de seis meses de investigações, as causas do desastre
do Electra N9705C permaneciam sem solução. O acidente seria
oficialmente classificado como "causa não determinada" pelo
NTSB, quando, na tarde de 17 de março de 1960, os telefones
do órgão tocaram. Do outro lado da linha, a notícia que
nenhum investigador gosta de ouvir.
Northwest 710
Sobre as fazendas de Indiana, a tarde invernal de 17 de
março era clara e azul. Nem por isso, os céus estavam
calmos. Uma formação de 4 jatos da Força Aérea Norte
Americana (USAF) voava nas proximidades de Tell City, em
missão de reabastecimento. Um KC-135 alimentava três
famintos Bombardeiros B-52 quando, repentinamente, a quadra
de jatos atravessou uma fortíssima rajada de vento. Os
experientes militares a bordo das quatro aeronaves
declarariam horas depois que, em muitos anos de vôo, poucas
vezes haviam tido um encontro com uma CAT (Clear Air
Turbulence - Turbulência de Céu Claro) tão intensa quanto
aquela.
Naquela mesma hora e região, um Lockheed L-188 Electra,
virtualmente idêntico ao N9705C, cumpria mais um vôo de
rotina. Mtariculado N121US, era o primeiro L-188 entregue à
Northwest Airlines e contava com apenas 1.800 horas de vôo.
Uma aeronave novíssima. Comandado pelo experiente e jovial
Edgar La Parle, de 57 anos, o vôo 710 havia partido da base
da companhia, no aeroporto de Minneapolis/St. Paul. Fez uma
escala em Chicago Midway e prosseguia pelos céus do Estado
de Indiana rumo à Miami, sua escala final. Os 63 ocupantes
do vôo 710 não podiam suspeitar que jamais chegariam à
Flórida.
O primeiro trecho foi cumprido em uma hora e quatro minutos,
sem qualquer problema. As 14h38, o Electra decolou do
aeroporto de Midway e rapidamente atingiu sua altitude de
cruzeiro. O tempo era bom: céus azuis, poucas nuvens, e
ainda fazia bastante frio, apesar do inverno já se aproximar
de seu fim. As 14h45, a tripulação do Electra contatou o
controle de Indianapolis e reportou estar passando sobre
Milford, Illinois, a 18.000 pés, estimando o poróximo
waypoint sobre Scotland, Indiana, as 15h12. Esse ponto foi
atingido e a posição reportada as 15h13. O primeiro-oficial
Joseph Mills então chamou o controle e estimou Bowling
Green, Kentucky, as 15h35. O centro Indianapolis então
instruiu o Northwest 710 para que contactasse o centro
Memphis as 15h50, na freqüência 124.6 Mhz. Eram 15h14.
F/O Mills: "Entendido."
Essa seria a última voz humana registrada no vôo 710. Nove
minutos depois disso, os tripulantes dos jatos da Força
Aérea assistiram ao horrível espetáculo de camarote. De suas
posições privilegiadas, viram quando o Electra iniciou seu
mergulho fatal. Outras dezenas de testemunhas ouvidas após o
acidente relataram o seguinte: em pleno ar, sem maiores
avisos, duas pequenas nuvens de vapor branco repentinamente
formaram-se do nada. Destas, um rastro de fumaça preta
emergiu, iniciando um longo arco que se projetava rumo ao
solo. Na ponta do rastro, uma aeronave prateada, com a cauda
vermelha. E para horror de todos que presenciaram os últimos
minutos do vôo 710, a aeronave mergulhou rumo ao solo,
praticamente na vertical, sem a asa direita e apenas com uma
parte pequena da base da asa esquerda ainda fixada à
fuselagem. Girando em seu eixo longitudinal e soltando fogo
e fumaça, o vôo 710 chegava ao seu trágico fim. A linha de
fumo negra, claramente visível contra o profundo céu azul,
ficou como a assinatura do atestado de óbito dos 63
ocupantes do Electra. Terminaram suas vidas alí, juntos,
enterrados numa cratera rasgada numa plantação de soja a
algumas milhas de Tell City.
O N121US bateu de nariz, na vertical as 15h25 sobre o
terreno coberto de neve. Uma enorme cratera foi aberta pelo
impacto. A fuselagem de 31,85m estava reduzida a uma massa
de escombros de não mais de seis metros de profundidade,
ardendo firmemente por horas em meio ao solo gelado. A parte
superior dos escombros encontrava-se cinco metros abaixo do
terreno. Os bombeiros só conseguiram controlar as chamas
muitas horas depois, quando o manto da noite já cobria o
local. No dia seguinte, dentro desse caldeirão infernal, o
trabalho de resgate dos restos mortais dos 33 homens, 21
mulheres, oito crianças e um bebê que viajavam no Electra
foi considerado impossível pelas autoridades. Um capelão da
Força Aérea, após examinar o local, conclamou aos
investigadores:
"Em nome da humanidade, esqueçam esse resgate. Marquem o
local para evitar a dissecração e cubram imediatamente esta
cratera, em respeito aos mortos".
Os investigadores do NTSB silenciosamente protestaram: seu
papel era examinar cada centímetro do local. Conseguiram
impetrar um mandado judicial permitindo que continuassem com
sua árdua tarefa. De fato, a destruição foi de tal ordem que
virtualmente nenhum corpo foi resgatado dos destroços.
Poucas peças ou sistemas da fuselagem seriam retirados do
local em condições que permitissem a coleta de informações
valiosas à investigação subsequente. A demolição da
fuselagem foi completa.
Os investigadores então concentraram-se na busca das outras
partes da aeronave. Varreram uma área de 64 quilômetros
quadrados em busca de destroços. Encontraram a asa direita a
3.441 metros da cratera. Assim como no acidente da Braniff,
o Electra da Northwest desintegrou-se em pleno vôo. Dois
acidentes idênticos em seis meses. Noventa e sete mortos e
nenhuma explicação plausível. O Electra estaria com seus
dias contados?
Busca desesperada
A julgar pela reação do público, sim. A taxa de ocupação de
vôos operados pelos Electras despencou de mais de 75% para
menos de 50%. Algumas empresas passaram a proibir seus
funcionários de voar na aeronave. Congressistas exigiram que
todos os Electras em operação fossem imediatamente retirados
de serviço. O tema ganhou defensores e acusadores
apaixonados. Mas o FAA, órgão repsonsável pelos certificados
operacionais, após estudar os casos, permitou a continuidade
da operação dos Electra, desde que os mesmos operassem a450
km/h no máximo. Ao mesmo tempo, o FAA ordenou ao fabricante
que engendrasse esforços ilimitados na busca pelo efeito
causador do problema. A odem não se fazia necessária. A
Lockheed já havia tomado essa decisão ao iniciar o programa
LEAP - Lockheed Electra Action Program.
O fabricante buscou voluntários entre seus pilotos de provas
e iniciou um programa de vôos de testes que entraria para a
história como o mais arriscado de todos os tempos. Os
pilotos e engenheiros a bordo vestiam pára-quedas, embora a
chance de sobrevivência a um salto de uma aeronave como o
Electra, mergulhando descontrolada rumo ao solo, fosse
praticamente nula. Pelos meses seguintes, um Electra foi
testado nas piores condições possíveis. Partes de sua
estrutura, asas, componentes foram intencionalmente
enfraquecidas ou danificadas. A aeronave foi colocada para
voar em condições que em muito excediam os limites
operacionais de qualquer aeronave. Nada foi descoberto. Até
mesmo a Boeing e a Douglas deixaram a rivalidade comercial
de lado e participaram dos esforços, doando equipamentos e
técnicos para ajudar no trabalho de pesquisa.
Até que finalmente a causa das tragédias dos vôos 542 e 710
começaram a ser descobertas. Os investigadores, examinando
os destroços do Northwest 710, perceberam que a estrutura da
asa direita do Electra mostrava sinais claros de ter sido
submetida a esforços repetitivos típicos de uma asa em
movimento oscilatório, isto é, para baixo e para cima, como
se o Electra fosse um pássaro a bater asas. Sinais de
oscilações severas foram encontradas no motor nº4,
localizado na parte externa da asa direita. Os mesmos
investigadores correram para o hangar onde o Braniff 542 era
lentamente reconstruído e buscaram traços de oscilação no
motor nº1, o externo na asa esquerda. Encontraram o mesmo
padrão de falhas estruturais. Finalmente, algo parecia fazer
sentido.
A descoberta
Um modelo na escala 1:8, com quase 4 meros de comprimento,
foi colocado num túnel de vento e submetido à condições que
induziam à oscilação. A aeronave aguentou. Quando, porém, os
investigadores propositalmente enfraqueceram ligeiramente a
estrutura de fixação dos motores externos (Nº1 e Nº 4) em
minutos as asas do modelo romperam-se como se fossem feitas
de balsa. O culpado havia sido descoberto e ganharam um
nome: Whirl Mode.
Os Electras sofriam de problema de projeto. As estruturas de
fixação dos motores externos às naceles mostraram-se fracas
demais para suportar sua potência e peso, sobretudo em
regime de alta rotação - os motores Allison giram a 13.820
rpm. Se algo (uma rajada de vento, um pouso mais duro)
provocasse um enfraquecimento direto nos suportes de fixação
dos motores, estes passariam a girar ligeiramente fora de
seu eixo. Essa perda de balanço induziria a estrutura à um
estresse ainda maior, o que aumentaria ainda mais a perda de
balanço. Esse efeito de vibração nas naceles externas seria
então transmitido às asas, que passariam a oscilar para cima
e para baixo à razão de 5 ciclos por segundo, aumentando
ainda mais o efeito nas turbinas e nas hélices, que
devolveriam à nacele e às asas vibrações ainda mais severas.
Foi isso que aconteceu com os dois Electras acidentados.
Quando as freqüências oscilatórias das naceles, que se
iniciaram ao ritmo de cinco por segundo, naturalmente se
reduziram a três por segundo, os desastres aconteceram. Três
oscilações por segundo formavam exatamente a freqüência
oscilatória máxima que a asa do Electra poderia suportar. Ao
atingir essa freqüência, as asas se partiram
instantaneamente. Os investigadores concluíram que, em ambos
os casos, o tempo entre o início do Whirl Mode e a separação
das asas foi de 20 a 40 segundos.
Os operadores de Electra foram imediatamente notificados da
descoberta da falha de projeto e convocados a trazer suas
máquinas para a fábrica, onde vários reforços estruturais
foram implementados, tanto nas aeronaves já em operação como
naquelas ainda em contrução. A Lockheed pagou por todos os
custos, naturalmente, e ao final das modificações do
programa LEAP, o fabricante afirmou ter gasto US$ 25 milhões
na operação. Ou o equivalente a nada menos que 10 Electra
novos em folha. Isso sem falar em outros custos associados
ao caso, levaram o programa L-188 a amargar prejuízos
enormes.
As restrições de velocidade foram eliminadas nas aeronaves
modificadas que retornaram ao serviço ativo. Mas o estrago à
imagem do modelo perante o público viajante já estava feito.
Como resultado, várias campanhas de vendas foram
infrutíferas e apenas 144 Electras foram construídos.
Os L-188 Electra provariam ser, pelas décads seguintes,
máquinas tão seguras e capazes tecnicamente quanto as
melhores e mais avançadas. Tanto é assim que, mais de 50
anos pós seu primeiro vôo, ainda voam regularmente no
transporte de carga, sobretudo na Europa, com margens
excelentes de segurança. Nos céus do Brasil, os Electra
serão para sempre lembradas como aeronaves seguras e
confortáveis. Aeronaves inesquecíveis.
© Gianfranco Beting
17/04/2006